• Nenhum resultado encontrado

9. Discussões

9.1. O Complexo Xingu: natureza dos protólitos

O Complexo Xingu foi originalmente definido como uma unidade geológica que compreende granulitos, gnaisses, migmatitos, granitoides diversos, faixas de greenstone belts e complexos básicos e ultrabásicos (Silva et al.,1974; DOCEGEO 1988). Contudo, nos últimos anos, estudos petrogenéticos permitiram a caracterização mais refinada dos litotipos atribuídos ao embasamento na província, sobretudo no Domínio Rio Maria, permitindo a individualização de novas unidades geológicas e restrição do Complexo Xingu apenas ao Domínio Carajás (Vasquez

et al., 2008; Almeida et al., 2011).

Na região de Canaã dos Carajás, Feio et al. (2013) apresentaram um nova cartografia geológica, na qual as rochas metamórficas antes atribuídas ao Complexo Xingu foram individualizadas e consideradas como sendo granitos variavelmente deformados. Segundo Feio et

al. (2013), as unidades Granito Bom Jesus e Granito Cruzadão, que afloram na região rural a

oeste de Canaã dos Carajás, representam biotita leuco monzogranitos a sienogranitos cálcio- alcalinos de alto cálcio, localmente dobrados e cisalhados.

76

O presente estudo relativo às rochas do Complexo Xingu, na região rural de Canaã dos Carajás, mostrou que esta unidade é diversa da interpretação de Feio et al. (2013), pois ali afloram diopsídio-hornblenda-plagioclásio gnaisses, quartzo anfibolitos e, predominantemente ortopiroxênio-diopsídio gnaisses granodioríticos a tonalíticos variavelmente migmatizados. Entre os migmatitos foram reconhecidos metatexitos com estrutura patch e diatexititos com estrutura

schilieren e em placas (schollen).

Os boudins de quartzo anfibolito reconhecidos tanto no ortopiroxênio-diopsídio gnaisse como no diopsídio-hornblenda-plagioclásio poderiam ser diques máficos colocados anteriormente ao metamorfismo e deformação dos gnaisses. Embora o diopsídio-hornblenda- plagioclásio possa ter origem semelhante, poderia também representar faixas de rochas vulcânicas. Contudo, a ausência de relíquias ígneas dificulta o reconhecimento da natureza do seu protólito.

As amostras de diopsídio-hornblenda-plagioclásio representam rochas máficas tholeiíticas a cálcio-alcalinas de baixo titânio enriquecidas em Ba, K e Sr e com baixa razão (La/Yb)N. A

composição química destes gnaisses máficos, principalmente em termos dos elementos traço, incluindo La, Sm, Yb e Th, é intermediária entre a dos basaltos tholeiíticos e cálcio-alcalinos formados em arcos de ilha (Sun et al., 1980; Tabela 3) e MORB. Comparando a média dos valores do diopsídio-hornblenda-plagioclásio com diversos tipos de basaltos, a semelhança com os basaltos tholeiíticos de ilha oceânica é mais evidente (Fig. 31). No entanto, a sobreposição entre as linhas mostra que as rochas do Complexo Xingu podem representar taxas de fusão mais baixas.

Por sua vez, o protólitos do quartzo anfibolito teria composição compatível com monzogabros cálcio-alcalinos de alto potássio a shoshoníticos, porém com evidências de fracionamento de terras raras leves em relação aos pesados mais pronunciado que o dos exemplares do diopsídio-hornblenda-plagioclásio gnaisse. Os diagramas de discriminação de ambiente tectônico de rochas básicas e ultrabásicas proposto por Agrawal et al. (2008), com base nas razões log transformadas de La, Sm, Yb e Th sugere origem em arco de ilha, contudo a amostra analisada apresenta conteúdos mais elevados de K, Rb, Ba, Th, U, La, Ce e Nd que os típicos desse ambiente. Processos de metassomatismo com introdução de potássio e outros elementos relativamente móveis não pode ser descartada, o que poderia explicar a assinatura química híbrida desse litotipo. Contudo, embora poucas amostras dos litotipos máficos tenham

77

sido analisadas, o conjunto de dados obtidos permitem atribuir fonte distinta para o magma que originou o quartzo anfibolito e o diopsídio-hornblenda-plagioclásio gnaisse.

Os protólitos tonalíticos a granodioríticos do ODG correspondem a rochas cálcicas a cálcio-alcalinas, metaluminosas e magnesianas com Mg# entre 45 e 50.

De acordo com os critérios definidos por Moyen & Martin (2012), as características geológicas e litoquímicas das amostras do ortopiroxênio-diopsídio gnaisse são semelhantes às dos TTG sódicos de médio ETRP, incluindo: (a) associação de ortognaisse polifásico com encraves e leucossoma; (b) conteúdo de Na2O entre 4 e 6% (Na2OODG = 4,36 a 4,66%); (c) razão

K2O/Na2O entre 0,3 e 0,6 (K2O/Na2OODG = 0,21 a 0,53); (d) conteúdo de Al2O3 igual ou maior

que 15% a 70% de SiO2 (Al2O3ODG = 15 a 16%); (e) conteúdo de Yb menor que 1,5 pmm

(YbODG = 0,18 a 1,23 ppm); (f) valores de (La/Yb)N maiores que 15 (La/YbNODG = 12 e 49); (g)

valores de Sr/Y entre 20 e 200 (Sr/YODG = 43 a 168); (h) anomalias negativas de Nb-Ta e Ti; (i)

ausência de anomalia significativa de Sr. Consta-se também entre os critérios a ausência de anomalia negativa de Eu, que nas amostras do mesossoma são expressas por valores de Eu/Eu* de 0,81 a 2,1, portanto pouco expressivas a positivas.

Da mesma forma, comparação das características litoquímicas dos ODG com os dados de Martin et al. (1999) e Martin et al. (2005) indicam que os protólitos dos ODG apresentam semelhança com adakitos ricos em sílica (HSA), com base na abundância de elementos traço. De acordo com Moyen & Martin (2012), a comparação entre TTG e adakitos modernos, em especial os HSA, tornou-se relevante a partir da década de 1990, devido à semelhança entre tais litotipos, que pode refletir processos petrogenéticos comuns com importantes implicações para a compreensão dos processos tectônicos atuantes no Arqueano.

Tanto para os adakitos modernos (Martin et al., 2005) como para os TTG (Moyen & Martin 2012) as elevadas razões Nb/Yb, Sr/Y e (La/Yb)N refletem evolução a partir da fusão

parcial do manto e geração de basalto, seguida por seu metamorfismo com geração de granada anfibolitos e posterior fusão, a pressões acima de 12 kbar, gerando o magma TTG parental no qual granada e anfibólio permanecem no resíduo.

No entanto, também podem ser observadas diferenças geoquímicas entre amostras de ortopiroxênio-diopsídio gnaisse, que representam o mesossoma dos migmatitos. As amostras CMS22P e SM11P apresentam semelhanças com TTG ricos em Al, como altas razões (La/Yb)N e

78

como fases residuais ou de fracionamento no magma (Barker & Arth, 1976; Martin 1994). Por outro lado, a amostra SM39P apresenta razões (La/Yb)N e Sr/Y semelhantes a de TTGs pobres

em Al. Tais características dão indícios de petrogênese controlada por plagioclásio (Barker & Arth 1976; Martin 1994).

Além disso, a anomalia positiva de Eu nas amostras CMS22P e SM11P e negativa na amostra SM39P, frequente em terrenos arqueanos (Terekhov & Shcherbakova, 2006), reafirma a importância da ausência e presença de plagioclásio controlando a gênese destas rochas. De acordo com Rudnik et al. (1992), as anomalias positivas de Eu são típicas dos estágios iniciais da evolução de magmas primitivos associados a arcos. Moyen (2011) demostrou que os TTG que apresentam um conteúdo baixo de Nb, Ta, e alto de Sr representam magmas gerados em alta pressão, em equilíbrio com granada e rutilo, mas na ausência de plagioclásio. Os protólitos do ortopiroxênio-diopsídio gnaisse apresentam estas características, e nesse contexto, o plagioclásio proporcionaria forte controle no fracionamento dos elementos traço. Isso mostra que a amostra SM39P representa uma fonte um pouco mais evoluída que a dos demais, no qual a cristalização do plagioclásio já havia ocorrido antes da geração e remoção do magma.

Embora a assinatura de adakitos modernos e TTG possa ser atribuída à ambiente de zonas de subducção relacionadas a arco, a importância dos processos de tectônica de placas no Arqueano é ainda bastante debatida. Adicionalmente, fusão de metabasaltos hidratados a altas pressões, compatíveis com estabilidade da granada e anfibólio no restito, poderia ocorrer em outros ambientes, como em platôs oceânicos associados a plumas mantélicas (Smithies et al., 2009) e por underplating em crosta continental espessada (Zhao et al., 2007). Entretanto, embora esses ambientes possam ser atribuídos à casos específicos de geração de magmas adakíticos, segundo Moyen e Martin (2012) não podem explicar a petrogênese de todos os TTG, principalmente devido à diferenças composicionais entre TTG e rochas geradas nesses cenários.

No caso das rochas do Complexo Xingu, razões de V/Sc de 6 a 15 indicariam condições de fugacidade de oxigênio semelhantes às de magmas gerados em ambiente de arco, em contraste com as maiores razões V/Sc (> 15) que caracterizam os adakitos modernos formados por

underplating (Lee et al., 2005; Zhao et al. 2005). Sua composição, com base nos diagramas de

Frost et al. (2001) também seria típica de plútons de arcos vulcânicos continentais.

Adicionalmente, a comparação entre as amostras de mesossoma dos migmatitos do Complexo Xingu com os ambientes tectônicos de distribuição de rochas ígneas félsicas,

79

incluindo rochas plutônicas pré-colisionais,indica semelhança com rochas de arcos continentais e com a média da crosta continental arqueana. Segundo Condie & Kröner (2013), rochas geradas em ambientes de arcos magmáticos continentais seriam mais enriquecidas em Sr/Y vs. (La/Yb)N

que os análogos de arcos oceânicos também devido às fontes mantélicas nas quais granada e hornblenda teriam permanecido no restito. Segundo esses autores, tanto arcos continentais como oceânicos seriam importantes no Arqueano a partir de ca. 3,0 Ga para a diferenciação e formação de crosta continental, embora os últimos tenham sido predominantes antes de ca. 3,0 Ga.

O ambiente de arco continental para a geração dos TTG do Complexo Xingu seria análogo ao proposto por Martin (1986) e Martin et al. (2010), apresentado na Fig. 45, no qual o modelo de “Hot Subduction” explicaria a geração do magma parental por fusão da crosta oceânica subductada durante o Arqueano ao invés da sua desidratação e geração de magmas cálcio-alcalinos mais comuns em arcos magmáticos modernos.

Fig. 44. Modelo de “Hot Subduction” (Martin, 1986 e Martin et al., 2010) para geração dos TTG. a) Diagrama P-T mostrando a curva de estabilidade para hornblenda (H), granada (G) e rutilo (R) e as geotermas na zona de subdução durante o Arqueano e em situações atuais. O campo em amarelo representa as condições de geração dos TTG. A = antofilita; C = clorita, Ta = talco, Z = zoisita, Tr = tremolita. b-d) Cenário no Arqueano Inferior (b), Superior (c) e

80

atual (d), mostrando ângulo da subdução mais baixo no Arqueano e fusão da cunha de crosta oceânica hidratada subductada apenas no Arqueano em constraste com sua desidratação em condições atuais, fusão do manto e geração de magmas cálcio-alcalinos nos arcos modernos.

Documentos relacionados