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Capítulo III – Análises e Resultados

3.1 Metodologia

O presente trabalho lida com o estudo da performance musical de Galvão em três esferas: improvisação e acompanhamento em formações instrumentais distintas e como solista (violão solo). A fim de tornar a pesquisa mais sistematizada, optou-se por dividir as análises musicais entre as seções “O Improvisador”, “O Acompanhador” e “O Solista”. As improvisações foram transcritas integralmente à partitura, assim como seu arranjo para Carinhoso (Pixinguinha e João de Barro). A observação dos acompanhamentos compreendeu alguns trechos considerados mais significativos41, uma vez que a transcrição integral de toda a performance inviabilizaria as análises e tornaria o trabalho demasiado extenso.

Para todas as análises se adotou como referência um procedimento analítico de comparação entre objetos, assemelhado ao uso no modelo proposto por Tagg (2003). Para o autor, o caráter inerentemente não verbal do discurso musical é a principal razão para empregar tal recurso:

O eterno dilema do musicólogo é a necessidade de usar palavras para uma arte não verbal e não denotativa. Essa dificuldade aparente pode ser transformada em vantagem se, nesse estágio da análise se descarta palavras como uma metalinguagem para música e as substitui por outra música. (...) Assim, usar CeO (comparação entre objetos) significa descrever música através de outras músicas (...) num estilo relevante e com funções semelhantes. (Idem: 20, 21)

41 A seleção dos trechos escolhidos levou em conta a maior abrangência possível de diferentes elementos musicais, tais como: recursos técnicos empregados e a exposição de variados procedimentos harmônicos, melódicos e rítmicos.

O método foi aplicado com base na comparação entre musemas42 da peça de análise e de outras músicas de funções e estilos relevantes ao OA (objeto de análise) (Ibidem: 23). A escolha por tal referencial justifica-se pela busca por uma análise que almeje interlocução com exemplos musicais cronologicamente anteriores (significativos para o estudo do caso) e que não seja apenas descritiva, em termos técnico-musicais. Nesse sentido, o uso dessa ferramenta metodológica, no caso da presente pesquisa, teve o intuito de verificar possíveis origens de procedimentos utilizados por Lula Galvão, de maneira a identificar elementos empregados por músicos consagrados, muitos deles referências para o guitarrista.

Outro referencial adotado para a reflexão acerca das improvisações foi o modelo proposto por Givan (2003). Em seu texto Jazz Taxonomies (idem), o autor discorre a respeito de algumas categorias (tipos) de improvisação que ocorrem durante um solo. Para tanto, realiza um levantamento bibliográfico sobre o tema e propõe uma possível divisão entre seis tipos de abordagens:

1) Improvisação parafrática: derivada do tema. Esclarecendo superficialmente a definição original de Holdeir, descreve-se uma melodia improvisada que retêm traços do tema em sua localização original ou próxima dela.

2) Improvisação temática: derivada do tema, porém, envolvendo procedimentos de desenvolvimento que podem juntar fragmentos do tema em sua localização formal original. (...)

3) Improvisação formulaica: derivada do repertório de fórmulas do improvisador. (...)

4) Improvisação formulaica-motívica: derivada das fórmulas do improvisador, que passam por procedimentos de desenvolvimento. (...) Embora as fórmulas habituais de um improvisador sejam geralmente bastante estáveis em suas formas, elas podem potencialmente ocorrer sob modificação durante uma dada improvisação.

5) Improvisação por chorus: derivada de criação espontânea. (...) não baseada em fórmulas ou no tema.

6) Improvisação motívica: derivada de criação espôntanea e envolvendo procedimentos de desenvolvimento.” (GIVAN, 2003: 482) (Tradução Nossa)43

42 “Unidades mínimas de expressão musical em qualquer estilo musical dado (...) podem ser estabelecidos pelo procedimento analítico de comparação entre objetos...” (TAGG, 2003: 20)

43

“1) Paraphrase improvisation: derived from the head. Slightly clarifying Hodeir’s original definition, this describes an improvised melody that retains pitches from the head at or near their original formal location.

O autor afirma que as categorias acima podem ocorrer mutuamente e atenta para a possível dificuldade em determinar com clareza os limites entre as categorias. (Idem). Dessa maneira, longe de almejar uma resposta absoluta na identificação exata de qual tipo de improvisação ocorre em determinado momento, acredita-se que esse referencial possa orientar a pesquisa no sentido de uma melhor compreensão quanto às escolhas técnicas (em que se baseiam) do músico no momento de suas performances improvisadas. O intuito será identificar o uso de procedimentos presentes nas categorias descritas acima (em especial na “formulaica”) e identificar as suas recorrências.

Para análise dos acompanhamentos, foi transcrita, integralmente, a execução de outros músicos participantes da mesma performance, com o objetivo principal de observar, em dados momentos, a interação entre as linhas executadas por Galvão e pelos outros músicos. Somente a parte tocada por Galvão, embora constituinte como foco do trabalho, perderia grande parte do seu sentido musical quando dissociada de outras partes executadas, sobretudo em situações de acompanhamento.

Outros elementos musicais também foram destacados, tais como: a maneira como o músico procede musicalmente dependendo da formação instrumental, elemento este chave da investigação da pesquisa; os usos técnicos e estéticos da guitarra ou violão; procedimentos técnicos empregados (alternância entre dedo e palheta, elementos idiomáticos do instrumento, entre outros); recorrência de procedimentos harmônicos, rítmicos e melódicos (tipos de aberturas de acordes, re-harmonizações, estruturas melódicas e rítmicas usuais em improvisações e acompanhamentos). Observou-se alguns dos recursos mais representativos para o objetivo do presente trabalho, haja vista que há uma infinidade de procedimentos técnicos passíveis de discussão. Como referencial para o estudo de 2) Thematic improvisation: derived from the head, but involving developmental procedures that may associate fragments of the head from their original formal location. (…)

3) Formulaic improvisation: derived from the improviser’s formulaic repertory. (...)

4) Formulaic-motivic improvisation: derived from the improviser’s formulas, which undergo developmental procedures. (…) Though an improviser’s habitual formulas are generally fairly stable in their appearences, they potentially may recur under modification during a given improvisation.

5) Chrorus phrase improvisation: derived from spontaneous invention. (…) not based on formulas or the head. 6) Motivic improvisation: derived from spontaneous invention, and involving developmental procedures.” (GIVAN, 2003: 482)

procedimentos harmônicos foi utilizado, principalmente, os trabalhos de Freitas (1995; 2010). Devido à proximidade do trabalho de Lula Galvão com a estética jazzística, foram empregados alguns autores referenciais desse campo, tais como Baker (1980; 1987), Aebersold (1992) e Hal Galper.

As análises foram expostas de maneira a apresentar por tópicos a ocorrência de técnicas empregadas (as mais recorrentes em meio aos fonogramas estudados). Nesses tópicos se observou as aplicações de procedimentos semelhantes em várias músicas selecionadas, de maneira que para cada técnica empregada há demonstração de sua ocorrência em trechos de fonogramas distintos (a única exceção foi a análise de Carinhoso, visto que é a única que inclui uma performance solista). Tal modelo de exposição foi adotado a fim de tornar o trabalho mais sintético, uma vez que a análise de cada fonograma, individualmente, tornaria o trabalho bastante (e desnecessariamente) extenso. Além disso, os procedimentos técnicos se repetem consideravelmente entre as variadas performances. Ao final de todas as análises musicais consta, na seção “3.6 Considerações a Respeito das Performances em Formações Instrumentais Distintas”, uma síntese (em forma de lista) dos principais procedimentos utilizados por Lula Galvão em cada faixa analisada. Tal modelo de exposição foi baseado no trabalho de Baker (1980).

Por fim, o estudo atentou para a utilização de elementos considerados de estéticas jazzísticas ou brasileiras, uma vez que Galvão se posiciona esteticamente entre esses dois universos. Para identificação dos materiais provenientes de cada estilo foi utilizado o modelo de CeO proposto por Tagg (2003).