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PARTE I FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1. A Traumatologia Forense

2.2. A lesão e a avaliação do dano corporal em Direito Penal

2.2.1. Metodologia de avaliação do dano corporal

“As metodologias de avaliação e reparação do dano corporal estão dependentes de um mosaico legislativo que faz variar essas metodologias de acordo com a etiologia do dano e, portanto, com a sede do direito em que tem lugar a sua avaliação e reparação.

Desta forma, sofrer o mesmo dano corporal no contexto de um acidente de trabalho, de um acidente de viação, de uma ofensa à integridade física, ou outro, significa merecer um diferente tratamento em termos de avaliação e reparação desse dano.” 189

Assim, para uma situação semelhante, da qual tenham resultado o mesmo tipo de lesões e sequelas, se o processo tiver lugar no âmbito do Direito do Trabalho, apenas serão avaliados os danos patrimoniais, e destes, apenas os que estão diretamente relacionados com a atividade profissional.

No entanto, se o processo tiver lugar no âmbito do Direito Civil, são avaliados os danos patrimoniais (danos físicos, por exemplo) e os danos extrapatrimoniais (o dano psicológico, a dor e o dano estético, por exemplo); já no âmbito do Direito Penal é utilizada a avaliação de dano do art. 144º do Código Penal (Crime de ofensas à integridade física), sendo que para termos de indemnização dos danos emergentes de crimes, são utilizadas as regas do direito civil nos termos do art. 129º do Código Penal.

“Desta forma, na sequência do referido mosaico legislativo, ficamos impedidos de considerar um objectivo único para a avaliação e reparação do dano corporal, independentemente da sua origem, objectivo este que deveria coincidir com o objectivo que preside à avaliação e reparação do dano corporal em Direito Civil, ou seja, o contributo da Justiça para a reintegração social, familiar e profissional da vítima. Assim, serão possíveis, ainda hoje, grandes injustiças jurídico-legais e sociais, face às diferentes

187

MAGALHÃES, T. et al ., Op. Cit. 166, pp.65-68

188

citado por CALABUIG, G. et al, Op. Cit. 179, p. 506.

189

metodologias de avaliação e reparação de situações semelhantes em matéria de danos corporais.” 190

Em termos gerais a metodologia do exame para descrição do dano corporal191 deve incluir:

1. Descrição do evento traumático, designadamente o seu mecanismo, vivência do trauma pela vítima, lesões resultantes e tratamentos instituídos;

2. Descrição dos antecedentes pessoais patológicos e traumáticos;

3. Descrição das sequelas numa perspetiva tridimensional, tendo em vista avaliar o dano de forma global e personalizada e o mais próximo possível da realidade da vítima, bem como promover uma reparação concreta e integral; avaliam-se, assim, os danos no corpo, nas funções e nas situações de vida. Estes três níveis podem definir-se da seguinte forma:

a) Corpo: aspectos biológicos com as suas particularidades morfológicas, anatómicas, histológicas, fisiológicas e genéticas;

b) Funções: capacidades físicas e mentais (atuais ou potenciais) próprias do ser humano, tendo em conta a sua idade e sexo, independentemente do meio onde este se encontre. Surgem na sequência das sequelas ao nível do corpo e são influenciadas, positiva ou negativamente, por fatores pessoais (como a idade, o estado físico e psíquico anteriores, a motivação e o esforço pessoal de adaptação) e do meio (como as barreiras arquitetónicas, as ajudas técnicas ou as ajudas humanas);

c) Situações de vida: confrontação (concreta ou não) entre uma pessoa e a realidade de um meio físico, social e cultural. As situações podem ser relativas às atividades da vida diária, familiar, social, de lazer, de educação, de trabalho ou a outras, num quadro de participação social. Surgem em consequência das sequelas, ao nível do corpo e das funções, e de fatores pessoais e do meio.

4. Interpretação e valoração (com quantificação) dos danos, de acordo com os parâmetros de dano definidos como patrimoniais e extrapatrimoniais, temporários e permanentes (caso aplicável);

5. Definição das ajudas e adaptações necessárias à vítima, tendo em vista promover a sua reintegração, autonomia e independência.

190

MAGALHÃES, T., Op. Cit. 189,

191

A avaliação e a consequente reparação do dano corporal constitui um assunto complexo e sensível, com grande interesse social, atendendo não só à reintegração e adequado retorno à vida ativa das vítimas de traumatismos, mas também, à questão da administração da Justiça.

Para que este tipo de intervenção seja mais eficaz importa reter o seguinte: “ a) A avaliação do dano na pessoa constitui um acto médico, e como tal, a sua metodologia não deve ficar dependente de normas ditadas por não médicos dado que se este específico tipo de avaliação médica não se apoiar apenas nos adequados fundamentos técnico-científicos, corremos o sério risco de tal avaliação se transformar numa prática abstacta e fantasista que não servirá os interesses da ciência e da Justiça, sem prejuízo de esta metodologia se dever adequar aos contexto legal em que decorre cada perícia; b) Apesar de todas as possíveis metodologias, cada caso é único e o que é adequado a uma vítima não é necessariamente indicado para outra, ainda que com sequelas lesionais e funcionais comparáveis; a função do perito é avaliar o dano de forma personalizada e traduzir a sua complexidade por palavras simples, para que o Juiz (…) o possam apreciar sobre bases concretas, de modo a que a reparação seja adequada, assim se cumprindo o motivo último da intervenção pericial médico-legal: o indivíduo e a realização da Justiça no caso concreto.” 192

No que respeita ao Direito Penal, a missão pericial para avaliação do dano corporal é permitir às autoridades judiciárias e judiciais, uma sustentada apreciação jurídica do caso, através da descrição das consequências médico-legais do crime cometido, tendo como parâmetros as consequências previstas nas diversas alíneas do art. 144º do CP, e ainda a perigosidade da conduta do agente.193