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3 – Metodologia e objectivos

No documento O direito disciplinar da função pública (páginas 30-32)

1. A mutação legislativa no plano da relação jurídica do emprego público, a vagueza e

indeterminação das normas disciplinares conteudificadas em função das concepções

dominantes em cada época, a noção do processo disciplinar como um procedimento

gracioso interno resultante de uma «justiça doméstica», a falta de autonomização

dogmática, curricular, pedagógica e processual da matéria da função pública em relação à

parte geral do Direito Administrativo, a escassez de tratamento científico, explicam uma

certa desvalorização do afinamento dogmático das categorias pertinentes e da juridicidade

no exercício do poder disciplinar. O “material jurídico” disciplinar na relação jurídica de

emprego público é, em primeiro lugar, um problema da sua elaboração dogmática, na

perspectiva de dar-lhe-á uma estruturação interna, que postule a derivação lógica das

categorias, a integração no sistema de novos problemas e o apuramento das decisões

segundo um princípio de congruência e segundo “critérios de relação”

68

. Por exemplo, a

aproximação do procedimento disciplinar ao procedimento administrativo geral ou ao

processo penal, tendo consequências práticas, é o resultado de uma opção fundamentada ao

nível constitucional e no plano da dogmática

69

.

2. A elaboração dogmática tem um arrimo necessário no direito vigente, na realidade

normativa

70

, no complexo “de dados jurídico-positivos”

71

, presentes e passados. Os

68

. “Mediante a dogmatização do material jurídico – o que antes de todo quer dizer elaboração conceptual e classificadora – consegue-se que aquele ir e vir da relação entre normas e factos, tantas vezes descrito, … não fique sujeito à situação a decidir, mas também ao sistema jurídico, que não se aparte do ordenamento jurídico” - Niklas Luhmann, Sistema Jurídico y Dogmática Jurídica, Centro de Estudios Constitucionales, Madrid, 1983, pp. 33 e 29.

Sobre o Direito público, em 1888, José Frederico Laranjo, escrevia: “O direito público só modernamente começou a encontrar as condições necessárias para se poder desenvolver como ciência; como direito constituído faltam-lhe muitas vezes garantias de realização, só se tem codificado numa pequena parte das matérias que abrange; no resto, discute-se até se a codificação seria conveniente.” Cfr. Princípios e Instituições de Direito Administrativo, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1888, p. 7.

69

. Ver José Eduardo Figueiredo Dias, “Enquadramento do procedimento disciplinar na ordem jurídica portuguesa”, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 73, 1997, e, em termos gerais, Ronald Dworkin, Taking Rights Seriously, Duckworth, 1977, pp. 106 e segs.

70

. J. da Silva Cunha, Direito Internacional Público, Introdução e Fontes, Almedina, Coimbra, 1991, 5.ª ed., p.173; Karl Engish, Introdução ao Pensamento Jurídico, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, tradução de Baptista Machado, pp. 363 e 379; Marcello Caetano, Princípios Fundamentais de Direito Administrativo, Reimpressão da edição Brasileira de 1977, 1.ª Reimpressão Portuguesa, Livraria Almedina, pp. 18 e 20, e

“textos, em si mesmos, são factos sociais «historiáveis»” (António Hespanha)

. Neles “se

condensa preferentemente, no Estado moderno, o querer jurídico”, as soluções gerais dadas

aos conflitos de interesses

73

, o resultado de certos “elementos jurídico-causais

determinantes”

74

, as articulações de exigências, não necessariamente conflituantes, mas

passíveis de realização segundo diversos termos e a actualizar, sob pena de se estiolarem,

no momento da realização. O “querer jurídico” é, de outro modo, de aferir numa unidade

conceptual e face a princípios gerais da sua identidade ou identificativos

75

. A justiça da

tutela dos interesses, no que respeita à matéria de emprego público, passa, em muito, por

um continuado de coerência e fidedignidade conceptual (com sentido) - e pela sua

expressão numa «linguagem certa»

76

-, uma espécie de «conduta» («lugar de caminho») da

igualdade, da justiça, da confiança, do serviço público, dos valores ordenadores do

Direito

77

.

No desfiar da normatividade, do seu conteúdo, dos seus limites, da sua abrangência, um

importante papel cabe à “casuística”: a normatividade vai sendo problematizada,

Maria do Rosário Palma Ramalho, Da Autonomia Dogmática do Direito do Trabalho, Almedina, Setembro de 2000, pp. 2 e 19.

71

. A cuja sistematização, enquadramento ordenador e explicativo e potenciação resolutiva de problemas se dirige parte fundamental da construção e apuramento de conceitos. Neste sentido, ver Vital Moreira, Administração Autónoma e Associações Públicas, Coimbra Editora, 1997, p. 22.

Expressivas são as palavras de Alfredo Gallego Anabitarte, in “Presentación del libro formación y enseñanza del derecho público en España (1769-2000). Un ensayo crítico en el ilustre colegio de abogados de Madrid”, in Revista de Administración Pública, n.º 163, Enero/Abril, 2004, p. 537: “Una anécdota: Los Principios de Derecho administrativo, de S. Cuesta – Catedrático de la disciplina Derecho Político y Administrativo -, publicados en 1894, son más de 300 páginas dedicadas a la organización y jerarquía administrativas, fines de la Administración, etc., sin citar un solo precepto de derecho positivo.”

72

. António Manuel Hespanha, “Da «Iustitia» à «Disciplina», Textos, Poder e Política Penal no Antigo Regime”, in Justiça e Litigiosidade: História e Prospectiva, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, p. 291.

73

. Karl Engish, Introdução ao Pensamento Jurídico, cit., p. 370.

74

. Karl Engish, Introdução ao Pensamento Jurídico, cit., p. 377.

75

. Sobre a referência aos princípios gerais de direito como o “espírito das leis”, ver Michel Stassinopoulos, Le Droit de la Défense Devant les Autorités Administratives, Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, 1976, pp. 34 e 40.

76

. A linguagem “corporiza as próprias ideias, viabilizando-as, condicionando-as ou detendo-as na fonte - o próprio espírito humano - facultando a sua aprendizagem e divulgação e abrindo as portas à crítica e às reformulações”. Cfr. António Menezes Cordeiro, na Introdução à edição portuguesa de Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito, de Claus-Wilhem Canaris, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1989, p. XLIII.

77

. Sobre os valores ou certos valores como “elementos ordenadores do Direito”, H. Coing apud Karl Engish, Introdução ao Pensamento Jurídico, cit., p. 378.

concretamente determinada e aumentada na sua intencionalidade e possibilidades de

No documento O direito disciplinar da função pública (páginas 30-32)

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