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A análise acústica dos dados dos participantes surdos e ouvintes foi feita por meio do programa Praat, utilizando-se como referência as pistas acústicas observadas no espectrograma e no oscilograma, conforme explicitado no capítulo 2, seção 2.4. A finalidade desta seção é resumir e discutir o objetivo de cada uma das medidas acústicas utilizadas, a saber: VOT, medida da duração das fricativas, o VOT e a duração das africadas, a duração da vogal seguinte à consoante obstruinte e a presença ou ausência da barra de vozeamento.

A contribuição deste estudo é investigar como se dá a construção de categorias de sonoridade pelos surdos profundos e avaliar se a datilologia contribui para a construção de categorias de sonoridade. As medidas investigadas são discutidas a seguir.

a) VOT das consoantes oclusivas

Lisker e Abramson (1964) descreveram o tempo de início de sonorização, indicando a relação temporal entre a soltura do articulador (oclusão do som plosivo Ö evento supra-

glótico) e o início da sonorização (vibração das pregas vocais Ö evento glótico). Este parâmetro ficou conhecido pela sigla VOT (“Voice Onset Time”).

Na produção de fala do ouvinte do português brasileiro, espera-se que a sonorização seja anterior à soltura nas consoantes vozeadas [b, d, g], que apresentarão valores de VOT negativos. A sonorização que ocorre depois da soltura recebe valores de VOT positivos e está presente em consoantes desvozeadas [p, t, k]. Este estudo busca investigar se os surdos categorizam o vozeamento de sons oclusivos por meio do VOT. Ou seja, se os surdos apresentam VOT negativo para sons vozeados e se apresentam VOT positivo para os sons desvozeados.

As consoantes oclusivas são aquelas em que acontece um bloqueio momentâneo do trato vocal. Esse bloqueio é formado por uma oclusão, que pode ser labial, alveolar ou velar, gerando uma interrupção da onda sonora no espectrograma. Essa interrupção é chamada de “burst” e ocorre devido à soltura ou “explosão” produzida pelos articuladores. Ilustrações do “burst” e do VOT foram apresentadas nas FIG. 11 e 12 da seção 2.4.2.1, capítulo 2.

Os estudos de Britto (2000) revelam que existe a possibilidade de três graus de vozeamento: totalmente vozeado, totalmente desvozeado e parcialmente desvozeado. Conforme descrito na seção 2.4.2.1, a autora realizou um estudo comparativo entre a fala de crianças “normais” (grupo controle) e a de crianças com diagnóstico de desvio de vozeamento (grupo pesquisa). Britto comparou os valores de VOT, medida de duração dos fonemas fricativos, medida da duração da vogal [a] precedente aos fonemas obstruintes vozeados e desvozeados e a barra de vozeamento do grupo pesquisa e do grupo controle. De acordo com os resultados de Britto, o surdo poderia fazer uma categorização diferenciada (não-binária) de vozeamento, como totalmente vozeado, totalmente desvozeado e desvozeado parcialmente. Sendo assim, a presente pesquisa busca avaliar se na construção de categorias de sonoridade pelos surdos estaria envolvida gradualidade, como indicam os resultados de Britto (2000).

b) Duração das consoantes fricativas

Os segmentos fricativos são caracterizados pela formação de um estreitamento, uma constrição em algum ponto do trato vocal, gerando uma turbulência no fluxo aéreo e, conseqüentemente, um “barulho” proveniente desta turbulência. A condição aerodinâmica da turbulência é associada à geração de “barulho” no sinal acústico. As fricativas correspondem a ruídos de alta freqüência que são percebidos no espectrograma como um sombreamento na onda sonora. Veja a área sombreada, correspondente à duração da fricativa, no oscilograma da FIG. 13 da seção 2.4.2.2, capítulo 2.

Espera-se, em ouvintes, que as consoantes fricativas desvozeadas [f, s, ] sejam mais longas que as fricativas vozeadas [v, z, ], conforme os estudos do português brasileiro de Santos (1987 apud Britto, 2000) e Britto (2000), apresentados na TAB. 8 da seção 2.4.2.2. Buscou-se investigar se os surdos categorizam o vozeamento por meio da duração das fricativas.

c) VOT e duração das consoantes africadas

Os sons africados são segmentos complexos, ou seja, sons que contêm uma seqüência de movimentos articulatórios, no caso, um elemento oclusivo seguido de um elemento fricativo. Desta forma, para as africadas, aplicam-se os mesmos critérios adotados para as oclusivas e fricativas separadamente. Veja na FIG. 14 da seção 2.4.2.3, capítulo 2, as medidas das consoantes africadas.

Sendo assim espera-se, nos ouvintes, encontrar VOT negativo para o elemento oclusivo da africada vozeada; VOT positivo para o elemento oclusivo da africada desvozeada; maior duração para o elemento fricativo da africada desvozeada do que para o elemento fricativo da africada vozeada. Buscou-se investigar se os surdos categorizam o vozeamento das africadas por meio do VOT negativo ou positivo e por meio da duração das fricativas, em cada segmento.

d) Barra de Vozeamento

A barra de vozeamento indica a presença de vibração nas pregas vocais (vozeamento) quando da produção dos sons. A barra de vozeamento corresponde à faixa da freqüência fundamental da fonação. Nos sons vozeados, a barra de vozeamento aparece como uma faixa escura próxima à linha de base do espectrograma, faixa que se encontra ausente nos sons desvozeados. Esta medida irá corroborar a presença de vozeamento avaliada nas três medidas anteriores, que envolvem VOT e duração das obstruintes. Espera-se encontrar a barra de vozeamento nos sons vozeados, mas não nos sons desvozeados. Sendo assim, a presença ou ausência de barra de vozeamento nas obstruintes produzidas pelos surdos será indício de que esses participantes produzem distintamente sons vozeados e desvozeados. Veja na FIG. 15 da seção 2.4.2.4, capítulo 2, o espectrograma ilustrativo da barra de vozeamento.

e) Duração da vogal seguinte à obstruinte

A medida da duração da vogal (v: ) seguinte à obstruinte é importante para esta pesquisa, pois é por meio dela que se investigará a influência do detalhe fonético fino na construção de categorias de sonoridade pelos surdos. Foi medida a duração das vogais [a] e [] da primeira sílaba dos pares mínimos faca/vaca e cola/gola obtidos nos experimentos 1, 2 e 3. Apenas quatro surdos produziram esses pares, que puderam ser contrastados em duração. A ocorrência de vozeamento poderia ser observada no alongamento da vogal seguinte à consoante obstruinte, como uma extensão ou compartilhamento da propriedade de vozeamento. Para os ouvintes, existe uma tendência de que a vogal seguinte a uma consoante vozeada seja mais longa que a vogal seguinte a uma consoante desvozeada. Buscou-se investigar se essa tendência também ocorre nos surdos profundos.