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Os estudos da oralidade são abordados pela fonética e pela fonologia. A fonética investiga a natureza fisiológica e física dos sons da fala. A fonologia trata da maneira como os sons funcionam nas línguas. Esta dissertação adota a teoria fonológica da Fonologia de Uso (BYBEE, 2001, 2002) e o Modelo de Exemplares (JOHNSON, 1997; PIERREHUMBERT, 2001), para discutir a construção de categorias de sonoridade dos surdos profundos pré- linguais, usuários de língua de sinais. Esses modelos assumem que a representação lingüística é múltipla – sendo por isso chamados de modelos multirrepresentacionais – e buscam explicar como as várias representações são gerenciadas pelo uso da linguagem.

A Fonologia de Uso (BYBEE, 2001) expande a proposta da Difusão Lexical11 e atribui ao uso e à freqüência uma grande importância na organização sonora do léxico, defendendo que a linguagem e a gramática são gerenciadas pelo uso da língua em questão. Bybee (2002) considera que a variação lexical é armazenada na memória e é constantemente atualizada pela experiência do falante. Sugere ainda que o armazenamento lingüístico mental é feito por meio da palavra e não de sons individuais. Seguindo esta abordagem, Pierrehumbert (2001) considera que os alvos fonéticos e suas variações são aprendidos ao longo da aquisição e do uso da linguagem.

O modelo de representação adotado pela Fonologia de Uso, o Modelo de Exemplares, foi apresentado por Johnson (1997) e expandido por Pierrehumbert (2001). Segundo Johnson (1997), o Modelo de Exemplares é uma abordagem cujas categorias cognitivas são concebidas como coleções das representações de uma palavra. Este modelo acomoda todos os tipos de influencias recebidos, inclusive a variação dialetal. O Modelo de Exemplares considera que as unidades lingüísticas são armazenadas na memória com base em ocorrências atuais, efetivas, de uso. Ou seja, as representações armazenadas não seriam uma abstração de ocorrências fonéticas, mas sim o resultado da categorização dessas ocorrências fonéticas. Sendo assim,

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Difusão Lexical se volta para o estudo das mudanças sonoras no léxico das línguas. Segundo Bybee (2002) as mudanças sonoras são foneticamente abruptas e gradualmente implementadas no léxico das línguas, ou seja, nem todos os vocábulos que contém o som em mudança são afetados simultaneamente e da mesma maneira.

cada vez que uma palavra é ouvida com determinada modificação, a memória perceptual dessa palavra é atualizada. O Modelo de Exemplares sugere que as palavras são armazenadas com o detalhe fonético. Portanto, os itens lexicais podem ser categorizados mais de uma vez, associados a formas fonéticas diferentes.

Segundo Bybee (2002), no modelo de exemplares, todas as variantes fonéticas de uma palavra são armazenadas na memória e organizadas em nuvens: os exemplares mais semelhantes estão mais próximos entre si do que os menos semelhantes; os exemplares mais freqüentes são mais fortes que os menos freqüentes (BYBEE, 2001; PIERREHUMBERT, 2001). Nuvens de exemplares são representações múltiplas e estão dentro de uma rede de palavras associadas com base em relações de similaridade de diversas naturezas. Tais redes gerenciam relações em diversos níveis: segmentais, silábico, morfológico, sintático, pragmático, social, etc. As nuvens de exemplares são categorizadas a partir das experiências do uso lingüístico (BYBEE, 2001) sendo que o detalhe fonético é parte das representações fonológicas. A seguir, apresenta-se na FIG. 6 um diagrama simplificado do conjunto de exemplares (BYBEE, 2001; JOHNSON, 1997), indicando as informações lingüísticas e sociais deste modelo.

FIGURA 6 - Nuvem de exemplares.

Fonte: CRISTÓFARO-SILVA, 2006, p. 172.

A FIG. 6 ilustra como os exemplares relacionam os dados lingüísticos e sociais. A Fonologia de Uso e o Modelo de Exemplares sugerem que o uso e a freqüência de uso afetam a produção lingüística e a representação mental dos itens lexicais. Esta pesquisa abordará o

Exemplar Fatores sociais

Contexto Fonético

Contexto Morfológico

detalhe fonético e a natureza gradual e dinâmica das categorias sonoras, não se voltando para os efeitos de freqüência descritos por estes modelos.

O presente estudo investiga a construção de categorias de sonoridade de consoantes obstruintes vozeadas e desvozeadas, em início de palavra, por surdos profundos pré-linguais, usuários de língua de sinais. Realizaram-se cinco experimentos, sendo três com palavras (substantivos concretos) e dois com logatomas12. Os participantes surdos apresentaram maior prontidão ao realizar os experimentos com as palavras do que com os logatomas, pois os logatomas não possuem significado. As estratégias abordadas nos experimentos propiciaram a produção de consoantes para que sejam realizadas as seguintes medidas acústicas:

a) VOT (Voice Onset Time) das consoantes oclusivas

Na produção de fala de ouvintes, encontra-se VOT negativo para sons vozeados e VOT positivo em sons desvozeados. Buscou-se averiguar se a distinção dos sons vozeados e desvozeados, nos surdos, também acarreta em diferenças no VOT.

b) Duração das consoantes fricativas

Espera-se, em ouvintes, que consoantes fricativas desvozeadas sejam mais longas que as fricativas vozeadas. Buscou-se investigar se os surdos categorizam o vozeamento por meio da duração das fricativas.

c) VOT e duração das consoantes africadas

Os sons africados são segmentos complexos, ou seja, sons que contêm uma seqüência de movimentos articulatórios, no caso, um elemento oclusivo seguido de um elemento fricativo. Desta forma, para as africadas, aplicam-se os mesmos critérios adotados para as oclusivas e fricativas separadamente.

d) Barra de vozeamento

A barra de vozeamento indica a presença de vibração nas pregas vocais (vozeamento) quando da produção dos sons. Esta medida irá corroborar a presença de vozeamento avaliada nas três medidas anteriores. Sendo assim, espera-se encontrar a barra de vozeamento nos sons vozeados, mas não nos sons desvozeados.

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Logatomas são seqüências de letras desprovidas de significado que obedecem às restrições ortográficas de uma língua e, sendo assim, podem ser pronunciadas.

e) Duração da vogal seguinte à obstruinte

Para os ouvintes, existe uma tendência de que a vogal seguinte a uma consoante vozeada seja mais longa do que a vogal seguinte a uma consoante desvozeada. Esta medida, como as anteriores, buscou investigar as propriedades fonéticas finas ou gradientes que categorizam os sons vozeados e desvozeados. Ou seja, buscou- se investigar o detalhe fonético fino do vozeamento produzido pelo surdo por meio da duração da vogal.

A Fonologia de Uso e o Modelo de Exemplares se mostram relevantes para este trabalho, pois podem oferecer recursos teóricos que proporcionem uma melhor compreensão da natureza da construção de categorias de sonoridade pelos surdos. Esta seção teve por objetivo mostrar que, nestes modelos, a construção de categorias de sonoridade deve ser gradiente, dinâmica e se consolidar por meio do uso. A próxima seção esclarecerá conceitos sobre acústica da fala aplicados ao longo desta pesquisa.