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PARTE I – DISSERTAÇÃO

3. METODOLOGIA

O estudo desenvolvido na pesquisa foi o descritivo, através de um estudo de caso, dentro da abordagem qualitativa.

O estudo de caso contempla a necessidade da pesquisa de apresentação das informações em profundidade, mesmo que isso comprometa a generalização dos seus resultados. “A meta é criar ‘descrições substantivas’ ou uma compreensão total, completa, do caso para ajudar os outros a entender e julgar seu valor e o contexto dentro do qual tem operado” (WORTHEN, 2004).

STAKE (apud WORTHEN, 2004) afirma:

…a maioria dos estudos de caso destaca: descrições que são complexas, holísticas e envolvem uma miríade de variáveis que não estão completamente isoladas; dados que provavelmente serão coletados ao menos em parte por observação personalista; e um estilo de redação que é informal, talvez narrativo, possivelmente com citações literais, ilustrações e até alusões e metáforas. As comparações são mais implícitas do que explícitas. Os temas e hipóteses podem ser importantes, mas continuam subordinados à compreensão do caso.

GUBA E LINCOLN (apud WORTHEN, 2004) descrevem o estudo de caso como “holístico e parecido com a vida real. Apresenta um quadro verossímil para quem participa de fato de um ambiente e pode ser facilmente traduzido na ‘linguagem natural’ dos públicos envolvidos”.

Embora possam ser utilizados muitos métodos para a coleta de dados, os métodos qualitativos, por suas características, são os mais adequados para os estudos de caso.

A proposta é descritiva, mas, ao contrário do estudo de coorte transversal ou do estudo de série temporal, há ênfase na profundidade da descrição. Para atingir essa profundidade, é preciso usar muitos métodos complementares. Esses métodos podem ser selecionados ou adaptados à medida que o avaliador chega a uma compreensão melhor do caso, isto é, o desenho metodológico é responsivo ao caso e às circunstâncias em pauta. É

adaptativo e continua se adaptando até o avaliador acreditar que tem boa compreensão do caso (WORTHEN, 2004).

A amostra compreendeu 11 dos 50 estudantes da primeira fase do curso de medicina da UFSC do primeiro semestre de 2006, sendo 6 do sexo masculino e 5 do feminino, escolhidos aleatoriamente entre os que aceitaram participar da pesquisa. O único critério de exclusão foi o ter cursado, total ou parcialmente, qualquer outro curso da área da saúde.

Foram expostos ao grupo os objetivos e a magnitude do estudo e, aos que aceitaram participar da pesquisa, foi apresentado e discutido, antes da assinatura, o termo de consentimento esclarecido. O sigilo e o anonimato foram garantidos. Os critérios utilizados obedeceram a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde sobre pesquisas com seres humanos.

A coleta de dados foi efetuada através de entrevistas semi-estruturadas. As entrevistas foram testadas previamente com 3 estudantes, que não fizeram parte da amostra. Antes da aplicação, foram elaboradas questões norteadoras para subsidiar as entrevistas (Anexo 2). Nas aplicações que serviram como teste surgiram algumas dificuldades não previstas e que exigiram a modificação da forma de abordagem dos sujeitos durante as entrevistas. Assim, observei que as vivências do novo currículo apareceram com uma ênfase muito grande, muito embora estivessem apenas nas primeiras semanas do curso. A nova proposta curricular causou um impacto significativo, exigindo pequenos ajustes de abordagem, com a modificação das questões norteadoras, que foram re-elaboradas.

As entrevistas foram aplicadas para os 11 estudantes. As falas foram gravadas, com a devida permissão dos entrevistados, e transcritas integralmente para serem submetidas à análise. A transcrição e a organização dos discursos foi feita na mesma ordem em que foram realizadas. Os sujeitos foram identificados pela letra S, seguida do número da ordem de realização da entrevista (S1; S2; S3;).

Para o processamento e a análise do material coletado empregou-se a técnica do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), segundo metodologia proposta por LEFÈVRE e LEFÈVRE (2003) e utilizando-se três figuras metodológicas: a idéia central, as expressões- chave e o Discurso do Sujeito Coletivo. Os produtos obtidos foram objeto de reflexão,

iluminados pelos referenciais teóricos, procurando estabelecer as relações entre o conteúdo empírico dos depoimentos e os pressupostos da pesquisa.

Quando o objeto de pesquisa é o pensamento coletivo, o acesso a esse objeto só pode se dar através de metodologias que possibilitem a geração ou reconstrução de qualidades, já que o pensamento é uma variável qualitativa, diferente de outras variáveis quantitativas, como peso, altura e renda, por exemplo.

De fato, quando se quer conhecer o pensamento de uma comunidade sobre um dado tema, é preciso realizar, antes de mais nada, uma pesquisa qualitativa já que, para serem acessados, os pensamentos, na qualidade de expressão da subjetividade humana, precisam passar, previamente, pela consciência humana (LEFÉVRE e LEFÉVRE, 2003).

A resposta sobre o que um conjunto de indivíduos pensa sobre determinado tema consiste sempre de um discurso, na verdade de um conjunto de discursos individuais. Produzir resultados coletivos a partir de diversos discursos individuais não é tarefa das mais fáceis. As soluções propostas para resolver este problema implicam, na maioria das vezes, na requantificação dos discursos/depoimentos com o intuito de torná-los “apresentáveis”.

...o que compromete, severamente, a apreensão dos significados dos depoimentos que, como nos ensina a lingüística e a semiótica, só são totalmente resgatáveis na escala ou sob a modalidade do discurso [...] reduzindo, com isso, todo o rico e vasto conteúdo dos discursos individuais para concentrar tudo em algumas poucas categorias responsáveis pela totalidade do sentido presente nesses discursos [ou implicando que] a generalização dos discursos individuais, para gerar um pensamento coletivo, só pode se dar de modo teórico, indireto, via metadiscurso, configurando um discurso sobre a realidade, o que equivale a recusar a possibilidade de o pensamento coletivo se expressar empírica e diretamente como um discurso da realidade (LEFÉVRE e LEFÉVRE, 2003).

Na verdade, ao quantificar qualidades, utilizam-se os procedimentos metodológicos já testados e aceitos pelo método científico na tentativa de incorporar ao conhecimento humano atributos antes considerados não passíveis de descrição científica, por sua subjetividade.

A técnica do Discurso do Sujeito Coletivo busca preservar a discursividade em todos os momentos da pesquisa, da elaboração das perguntas à apresentação dos resultados, passando pela coleta e processamento dos dados.

Embora seja possível coletar, processar e apresentar pensamentos, crenças, opiniões, valores de forma não discursiva, as metodologias utilizadas para esse fim não são as únicas disponíveis e nem as mais adequadas para lidar com a matéria discursiva que representa o pensamento de uma coletividade.

Quando o objeto que pretendemos investigar é um pensamento, uma idéia, uma opinião ele só pode ser construído durante ou através do próprio processo de investigação, ao contrário de outros objetos, como peso e altura, por exemplo, que já estão dados antes da pesquisa.

Além disso, os pensamentos se apresentam sempre como discurso, pois “pertencem à família das línguas e linguagens e, portanto, à ordem do discurso e do texto” (LEFÉVRE e LEFÉVRE, 2003).

A partir de uma pergunta aberta feita a um conjunto de indivíduos representativos de uma coletividade, faz-se necessário organizar os discursos individuais de modo que possam expressar o pensamento dessa coletividade. O conceito do Discurso do Sujeito Coletivo foi criado com esta finalidade.

A metodologia extrai dos depoimentos as idéias centrais e as expressões-chave correspondentes. As expressões-chave que representam as idéias centrais semelhantes vão compor um ou vários discursos-síntese. Cada discurso síntese é apresentado na primeira pessoa (coletiva) do singular.

Trata-se de um eu sintático que, ao mesmo tempo em que sinaliza a presença de um sujeito individual do discurso, expressa uma referência coletiva na medida em que esse eu fala pela ou em nome de uma coletividade. Esse discurso coletivo expressa um sujeito coletivo, que viabiliza um pensamento social...(LEFÉVRE e LEFÉVRE, 2003).

Assim, o DSC é uma estratégia metodológica que rompe com a lógica quantitativo- classificatória ao buscar reconstruir um pensar coletivo ou representação social.

Para a elaboração do DSC parte-se dos discursos em estado bruto, que são submetidos a um trabalho analítico inicial de decomposição que consiste, basicamente, na seleção das principais ancoragens e/ou idéias centrais presentes em cada um dos discursos individuais e em todos eles reunidos, e que termina sob uma forma sintética, onde se busca a reconstituição discursiva da representação social.

A representação social não aparece, enquanto Discurso do Sujeito Coletivo, na forma (artificial) de quadros, tabelas e categorias, mas na forma viva e direta de um discurso. Por estas características, o DSC pode também ser visto com uma forma de apresentação dos resultados.

No projeto, eu previa também realizar um grupo focal com outros 10 estudantes. Após a realização das entrevistas, entretanto, ficou claro que esta coleta de dados não contribuiria de forma significativa para ampliar a compreensão do tema da pesquisa dada a qualidade dos dados já coletados e à saturação que aparece. WORTHEN (2004) considera que o grupo focal não acrescenta significado às entrevistas semi-estruturadas em uma pesquisa qualitativa como o estudo de caso, pois fazem o mesmo tipo de abordagem. Em função disso, não realizei o grupo focal previsto inicialmente.

A escolha das Idéias Centrais e a construção do DSC a partir das expressões-chave referentes a cada uma delas exigiu muito trabalho. A partir da transcrição das entrevistas, que somaram aproximadamente 40 páginas, foram agrupadas as falas que diziam respeito às questões semelhantes, em cada tema, e definida uma idéia central que pudesse representá-las. Em seguida procedi a organização das falas, de tal modo que pudessem expressar as idéias como se uma única pessoa o estivesse fazendo, mas mantendo a coerência do discurso. Este trabalho foi muito difícil e penoso. Mas, por outro lado, o resultado parece-me muito bom. Embora às vezes bastante prolixo, e muitas vezes contraditório, Sujeito Coletivo expressa suas concepções, idéias e percepções de forma clara e com uma riqueza de detalhes e informações impressionante.

A seguir apresento e faço uma abordagem inicial do DSC, buscando uma primeira aproximação para a compreensão das concepções de saúde-doença que surgem.