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A Epistemologia Qualitativa caracteriza-se a partir de três princípios (GONZÁLEZ REY, 2005b):

O caráter construtivo-interpretativo. Nessa proposta, ao contrário das metodologias que primam pela neutralidade do pesquisador, as especulações construídas pelo pesquisador durante o processo investigativo são legitimadas. Isso exige que o investigador assuma o papel de produtor do conhecimento. A postura reflexiva durante o processo de pesquisa permite ao pesquisador dialogar com a teoria e com o momento empírico, conduzindo a investigação como um sistema vivo onde são produzidas ideias. De modo recorrente, na medida em que avança no campo empírico, retorna às bases teóricas que alimentam suas hipóteses e permitem a reflexão sobre a respectiva atuação nesse mesmo campo empírico. O pesquisador, em sua constituição subjetiva, participa ativamente, construindo o conhecimento durante todas as etapas da investigação. A partir do referencial teórico e em contato com as informações e

ideias produzidas no campo empírico, interpreta e constrói "indicadores que articulam em hipóteses que vão se modificando ou consolidando durante o percurso da pesquisa em função dos novos processos interpretativos e construtivos de informação produzidos" (MITJÁNS MARTÍNEZ, 2014, p. 64). Nesse sentido, a pesquisa, como processo aberto e diferenciado, não se encerra em si mesma e possibilita a produção de novas zonas de sentido, ou seja, "novas interpretações da realidade" (MITJÁNS MARTÍNEZ, NEUBERN & MORI, 2014, p. 40), que se ampliam na construção de um modelo teórico;

O caráter dialógico da pesquisa. O momento empírico converte-se em espaço de diálogo onde emergem sentidos subjetivos tanto do pesquisador quanto dos sujeitos da pesquisa. Nessa trama de sentidos, os processos de comunicação tornam-se o meio para a construção de uma relação ativa, que se constitui no processo investigativo. A comunicação direta torna-se a via principal para a conversão do colaborador em sujeito da pesquisa, o que é condição para que se mantenha implicado no problema pesquisado a partir de seus interesses, desejos e contradições, permitindo construir e interpretar sua subjetividade (GONZÁLEZ REY, 2005b);

O caráter da singularidade dos casos pesquisados. Mais do que perscrutar situações individuais, essa investigação busca compreender os casos singulares, uma vez que a pessoa se constitui da realidade subjetivada e, assim, torna-se singularmente diferenciada. O pesquisador generaliza em relação à construção teórica, mas considera o sujeito da pesquisa em seu caráter histórico. As considerações que o investigador apresenta não podem ser consideradas para todos os casos, mas compreendem um modelo epistemológico que abre novas zonas de sentido sobre o tema estudado.

Esses três princípios articulados entre si embasam esta produção. Esse processo em movimento permitiu o levantamento de hipóteses ou indicadores que foram gerando novos indicadores e ideias em coerência com os primeiros indicadores compondo assim a lógica

configuracional.

Esses indicadores tiveram origem na trama produzida pela pesquisadora. De modo que, um indicador "não permite uma afirmação teórica imediata e direta, mas é apenas o primeiro momento do caminho hipotético, dentro do qual os indicadores se convertem em conceitos que alimentam o modelo teórico em curso" (GONZÁLEZ REY , 2013, p. 30).

As construções da pesquisadora embasaram-se em uma diversidade de aspectos, para além da fala dos sujeitos. Os momentos de observação também foram privilegiados, de modo especial, porque os padrões emocionais associados ao uso da linguagem foram considerados (GONZÁLEZ REY, 2005b). Há um entrelaçamento da subjetividade dos colaboradores da pesquisa tanto durante o projeto piloto realizado no ano de 2014, como no momento seguinte. As impressões e construções foram produzidas no momento empírico e em diálogo com a teoria proposta.

Definiu-se que os encontros seriam registrados por meio de gravações audiovisuais, pois a observação cautelosa das filmagens poderia permitir construir hipóteses. Além disso, poderia apontar o eixo conversacional do encontro seguinte, a elaboração de novos instrumentos ou a reflexão sobre a postura da pesquisadora. A intérprete educacional esteve presente no contexto inicial da pesquisa. Os estudantes eram acompanhados por essa profissional há quatro anos, com uma interrupção de um ano neste período. Cabe ressaltar que a permanência da intérprete educacional, foi uma estratégia da pesquisadora para que os estudantes se sentissem confiantes, porém em momento algum a intérprete educacional exerceu, nesta pesquisa, a função de interpretar os diálogos, pois ficava na sala como sujeito da pesquisa, participando dos mesmos momentos indutores propostos aos estudantes. Posteriormente, dadas as suas respostas e interesse em colaborar, participou ativamente como sujeito de pesquisa o que gerou artigo publicado nos anais do XII EDUCERE (TAVARES-SANTOS e MADEIRA-COELHO, 2015a).

Os sujeitos dessa pesquisa são falantes de língua de sinais. As expressões não-manuais como os movimentos de face, boca, olhos, da cabeça ou do tronco são elementos gramaticais e servem para marcar construções sintáticas ou diferenciar itens lexicais. Deste modo, o olhar atento da pesquisadora foi exigido constantemente. Nessa perspectiva, buscar o que está para além da fala sinalizada dos colaboradores constituiu-se em um dos grandes desafios desta investigação (QUADROS & KARNOPP, 2004; GESSER, 2009).

Um dos desafios da pesquisadora durante o projeto-piloto, foi a dificuldade em aproveitar os momentos de manifestação dos sujeitos de pesquisa, por nem sempre compreender rapidamente o que estava sendo dito por eles. Uma vez que o vocabulário da pesquisadora em LS permeava mais o universo acadêmico e religioso diferente do vocabulário utilizado na faixa-etária dos colaboradores, isso causou um certo desconforto.

Foi necessário investir na formação em LS, tanto em espaços formais e, principalmente, na convivência com a comunidade surda. Alguns termos usados integram o diálogo diário das pessoas que participam das comunidades surdas e nem sempre estão presentes em espaços

formais de aprendizagem, como os cursos de Libras. No ano seguinte, na Escola Bilíngue –EB, compreendeu-se que dentre os termos que a pesquisadora não identificava estavam alguns vocábulos próprios dos grupos de adolescentes. Assim, a pesquisadora passou a fazer inferências dentro do contexto e posteriormente tirava dúvidas dos termos com professores ou outros estudantes que pertenciam ao mesmo grupo.

Outro ponto de tensão nessa pesquisa, conforme já observado por Albres e Lacerda (2014) é a dificuldade de "transcrever/traduzir expressões gestuais e corpóreas instrínsecas a Lingua de Sinais" (p. 30), respeitando a produção do sujeito da pesquisa. Ainda que, considerando o método construtivo-interpretativo o pesquisador precisa estar atento ao que o colaborador emitiu e ser capaz de trascrever, sem minimizar a riqueza da produção visual em LS a que o leitor não terá acesso.

Além disso, as expressões do Surdo são tão silenciadas que geram no discurso do senso comum que: "o Surdo dialoga sobre assuntos concretos, mas tratar de assuntos abstratos é muito difícil ou quase impossível". Provocar essa fala silenciada foi um grande desafio para a pesquisadora. Não que os colaboradores não fossem capazes de expressar aspectos de sua subjetividade, mas porque poucos são os que se dispuseram a ouvir/ver essas pessoas em sua integralidade, ao longo de suas vidas. Essa reflexão foi manifesta especialmente na relação com Vanessa8.

A seguir serão detalhados o critério de escolha dos participantes, o local da pesquisa, os instrumentos utilizados e a construção do cenário social da pesquisa, que ocorreu sob a forma de projeto-piloto.

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