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2.3 Processos comunicativos de Surdos

2.3.2 Sistemas sinalizadores

Mesmo nas famílias que não apoiam o uso da língua de sinais, podem ser criados sinais caseiros como recurso comunicativo por aquele grupo familiar e, à medida que são usados, vão sendo convencionados, naquele grupo de interlocutores. Vilhalva (2012) nomeia esse processo de criação como sinais emergentes, uma vez que:

[...]foram criados devido a uma necessidade de comunicação, passando por sinais indicativos e icônicos arbitrários. As maneiras como cada sinal surge leva tempo para se entender, principalmente quando os sinais são criados conforme o neologismo. Esses novos sinais passam a fazer parte da comunicação para depois designar algo consistentemente (p. 137).

Laborrit (1994) fala de sua percepção sobre os sinais caseiros que desenvolveu com a mãe. Nesse caso, tratava-se de comunicação na qual o pai não participava:

Nossa maneira de nos comunicarmos era instintiva, animal, chamo-a de 'umbilical'. Tratava-se de coisas simples, como comer, beber, dormir. Minha mãe não me impedia de gesticular, como lhe haviam recomendado. Não tinha coragem de me proibir. Tínhamos signos nossos completamente inventados (LABORIT, 1994, p. 17).

Quando a comunicação estabelecida se restringe aos sinais caseiros, as crianças surdas têm acesso parcial à cultura porque as regras sociais são feitas para elas e não com elas, transformando o Surdo em “paciente de seus comunicados” (FREIRE, 1983, p. 45). Mas para um indivíduo assumir como seus os valores, crenças e mitos de um grupo social é necessário um processo que envolve o questionar, interrogar e até negar esses valores e regras sociais, para só então assumi-los como seus em uma construção própria, real e autêntica. (GONZÁLEZ REY, 1995).

Tal reflexão é ratificada pela pesquisa de Lebedeff e Rosa (2013), que mostra uma situação de riqueza de sinais caseiros desenvolvida por uma família com dois irmãos surdos. Os sinais caseiros utilizados pelos irmãos da cidade de Jacaré dos Homens, em Alagoas, eram compartilhados por toda a família e comunidade local. Além dos irmãos surdos, os três irmãos ouvintes e os pais continuaram a utilizar os sinais caseiros em encontros familiares mesmo após a aquisição de Língua de sinais pelos irmãos. A situação chama atenção, uma vez que, haviam dois irmãos surdos no grupo familiar, o que permitia a troca entre pares. Além do interesse de outros familiares e comunidade em utilizar esse sistema comunicativo, situação pouco comum. Mesmo nessa situação com uma riqueza de sinais criados, mais de 60, e de um grupo maior de interlocutores, Lebedeff e Rosa (2013) relatam o estranhamento que o contato com a Libras

causou aos dois irmãos pelo quantitativo de vocabulário e conceitos que a Libras permitia acessar.

A vivência dos irmãos de Jacaré dos Homens é distante da realidade de grande parte dos surdos, que vivem em situação de isolamento geográfico. Comumente encontra-se um único surdo em um bairro, ou em uma sala de aula ou escola. Assim, as trocas comunicativas ocorrem apenas no âmbito da família e posteriormente na escola com o professor ouvinte que nem sempre possui proficiência em Libras.

Outro meio de comunicação utilizado por surdos que não conhecem a língua de sinais ou quando o interlocutor não a conhece é a apontação. Goldin- Meadow (2003) compreende a apontação como conjunto de gestos dêiticos, utilizados para direcionar o olhar do interlocutor para onde se encontra o objeto, pessoa ou lugar. As crianças surdas costumam combinar a apontação com outros gestos para comunicar-se, como os sinais caseiros ou mímicas. No que diz respeito à mímica seria a imitação e a expressão dos pensamentos através de gestos. (ZILIO, 2012).

Até às pesquisas de Stokoe (1960), as línguas de sinais eram consideradas como mímica, Stokoe foi o primeiro a apresentar resultados de pesquisa que comprovaram que as línguas de sinais possuem as mesmas características das línguas orais, o que as legitima como língua natural dos surdos. Considera-se como língua natural aquelas que são adquiridas pela criança através da interação com outros falantes (QUADROS & KARNOPP, 2004). O canal gesto- visual utilizado difere das línguas oral-auditivas, conforme comprovam as pesquisas de Fernandes, (2005), Guarinello (2007), Quadros e Karnopp (2004).

As línguas de sinais permitem expressar conceitos abstratos, emoções e sentimentos. Além disso, os sinais possuem significado, sistemas arbitrários e regras gramaticais independentes das regras das línguas orais com as quais convivem. (QUADROS & KARNOPP, 2004). Inclusive, não se trata de uma única língua universal, pois cada país possui sua língua gestual própria.

As línguas de sinais podem ser escritas através de vários sistemas, como a Escrita de Língua de Sinais – ELAN (ESTELITA, 2007), mas o sistema mais conhecido é o Sign Writing. De acordo com Stumpf (2004) esse sistema de escrita de sinais foi criado na Califórnia por Valerie Sutton por volta de 1974:

Trata-se de um sistema para representar línguas de sinais de um modo gráfico esquemático que funciona como um sistema de escrita alfabético, em que as unidades gestuais fundamentais, suas propriedades e relações. A Sign Writing pode registrar qualquer língua de sinais do mundo sem passar pela tradução da língua falada. Cada

língua de sinais vai adaptá-lo a sua própria ortografia. Para escrever em Sign Writing é preciso saber uma língua de sinais (STUMPF, 2004, p. 147-148).

Até mesmo entre os surdos que falam as diversas línguas de sinais, houve a necessidade de criação de um código comum. Foi assim que surgiram os Sinais Internacionais – SI. Para Bauman e Murray (2014) os registros do uso inicial de Sinais Internacionais – SI, popularmente conhecido como Gestuno, foram os banquetes promovidos pelos surdos desde o século XIX. Nessas ocasiões, que reuniam líderes surdos de diferentes países e falantes de diferentes línguas de sinais, houve a necessidade de um código comum para que pudessem se comunicar. Atualmente, os SI são muito utilizados em Congressos Internacionais e eventos esportivos, que reúnem os surdos, também informalmente nas viagens internacionais que eles fazem ou quando se comunicam virtualmente com surdos de outros países. Há uma carência nas produções científicas sobre os Sinais Internacionais, algumas investigações sobre esse tema ainda estão em desenvolvimento. Os homens criam estratégias para se comunicar e romper de forma criativa com as barreiras de comunicação. Nesse sentido, houve a criação do Gestuno, que pode ser considerada como emergência do sujeito social, uma vez que surgiu da necessidade comunicativa de grupos de Surdos, o que permite a escolha de interlocutores, rompendo com os limites geográficos.

O Gestuno possibilita trocas comunicativas e conhecimento de outras culturas, com independência da figura do intérprete. Como exemplo cita-se o caso de grupos de jovens surdos de três nacionalidades distintas que se conheceram em Congresso Internacional de Líderes Surdos, que ocorreu em 2007, na Dinamarca. Após o referido congresso, trocaram vídeos mensagens e já foram hospedados um na casa do outro em seus respectivos países. Em depoimento, um dos participantes do congresso falou orgulhoso de sua independência e de seu desejo de conhecer outros países e, como líder, propiciar e incentivar crianças e jovens surdos a viverem situações semelhantes (MACHADO, 2015 depoimento pessoal).

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