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O trabalho do antropólogo ensina OLIVEIRA (1998), pode ser didaticamente dividido em três diferentes momentos: o olhar, o ouvir e o escrever. É através destes três atos cognitivos que se constrói o saber antropológico. Por isso mesmo é necessário discipliná-los para que assumam um caráter epistemológico. Não é qualquer olhar, nem qualquer ouvir ou escrever, apenas quando devidamente treinados para a relativização antropológica estes atos cognitivos assumem o necessário caráter científico.

Dada a complexidade do objeto de minha pesquisa, bem como os inúmeros e diferentes atores que a mesma envolveu, foi necessário utilizar diferentes instrumentos metodológicos.

A observação direta e participante (MALINOWSKY, 1980) foi importante para identificar diferentes representações e rituais não revelados explicitamente pelos diferentes atores. Utilizei a técnica para, por exemplo, acompanhar o trabalho das equipes da “Operação Lei Seca”. Acompanhei as operações de combate ao crime de embriaguez ao volante, passei pelo exame do etilômetro12 nas chamadas “blitz” da “Operação Lei Seca”, auxiliei a montagem e

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Aparelho que mede com precisão a quantidade de álcool por litro de ar soprado. Diferencia-se do bafômetro, pois este não indica com precisão a quantidade de álcool.

34 desmontagem dos equipamentos das operações que participei de forma a me integrar à equipe. A cada dia que compareci às operações policiais fazia anotações em um caderno e depois, em casa, escrevia o relatório dos fatos observados a fim de ter um registro preciso das observações efetuadas dia-a-dia.

Em um primeiro momento em que ainda não tinha meu objeto de pesquisa definido observei o comportamento de pessoas em bares, restaurantes e festas próximos da 16ªDP – Barra da Tijuca. Com a definição de meu tema de pesquisa procurei me lembrar dos fatos observados e das impressões que me causaram a fim de poder analisá-las em conjunto. O tempo entre a definição de meu objeto de pesquisa e a escrita das observações foram de cerca de quatro meses. Além disso, fui ator e protagonista de diversos fatos anteriores à vigência da “Lei Seca” e atuei como escrivão na lavratura de Registros de Ocorrência e Autos de Prisão em Flagrante, onde pude observar o comportamento dos diversos atores que atuaram no procedimento e verificar por comparação a coerência entre suas ações e suas palavras. Desta forma a observação participante e direta permitiu, por comparação, revelar o oculto nos discursos diretos dos diferentes atores. Certamente o fato de ter atuado como policial nestes casos fez com que certos personagens tenham revelado a mim situações as quais não teriam sido reveladas a um observador de fora (ELIAS e SCOTSON, 2000)

Uma vez que a pesquisa abordava o tema da proibição de beber e dirigir a partir da observação das estratégias das instituições públicas realizei entrevistas formais, e principalmente informais com seus agentes. Neste sentido, a observação no campo e as conversas tidas com os agentes do Estado participantes da operação, bem como as observações e conversas efetuadas com os motoristas a partir do local das “blitz” da “Operação Lei Seca” foram fundamentais para entender os conflitos envolvidos no choque entre os distintos sistemas de representações. Utilizei como referência para a condução e a análise das entrevistas MICHELAT (1982, p.191) sobre como realizar entrevistas não diretivas “como método de análise

35 dos fenômenos sociais”. Uma vez que a informação obtida pela entrevista não- diretiva “é considerada como correspondendo a níveis mais profundos” (Ibid, p.193) quando comparada com as que são guiadas por questionários, por isso utilizei prioritariamente aquela técnica.

Realizei, também, entrevistas formais e informais com motoristas a fim de identificar como entendem e representam a questão da criminalização da conduta de beber e dirigir, e como vêem a atuação das polícias na repressão a este hábito.

Percebi que quando me identificava como pesquisador e perguntava sobre a lei seca os motoristas se sentiam constrangidos e mudavam sua atitude. A observação das expressões faciais se transformava e passava a denotar certa tensão. NEVES (2004, p.12) alerta que a entrevista com os acusados “de alcoolismo ou com os socialmente reconhecidos bêbados coloca o antropólogo diante da negação do ofício.” Segundo a autora o antropólogo rotularia o mesmo baseado em seu desejo de “compreender o processo de construção da acusação e do descrédito (IBID, p.12). A autora recomenda que o estudo seja realizado a partir dos espaços sociais construídos pelos alcoólicos, tais como os grupos de Alcoólicos Anônimos. Tal observação denota a dificuldade que o antropólogo tem para realizar seu trabalho tendo em vista que o consumo de bebidas alcoólicas está repleto de moralidades e é objeto de controles sociais diversos. Desta forma o antropólogo deve “relativizando o seu discurso heteroconstruído sobre os alcoólatras,(...) reconhecer a maneira possível de entrar em contato com os indivíduos sob tal condição. E, desde o início da pesquisa, assumir os limites impostos a este tipo de ação etnográfica.” (IBID, p.12)

Dada a peculiaridade de a pesquisa ter como local empírico as “Operações da Lei Seca”, bares, restaurantes e festas que participei no período, locais estes que, obviamente, não eram adequados a realização de entrevistas

36 formais, procurei realizar entrevistas informais e observar o comportamento dos diferentes atores. Tal maneira de proceder demonstrou ser mais frutífera, pois as pessoas falavam abertamente sem saber que eu tinha intenções de obter dados para minha pesquisa. Quando nos bares, restaurantes e festas evitava comentar sobre minha posição de pesquisador. Mesmo entre amigos que sabiam da minha pesquisa, o fato de estar em um bar e não estarmos falando sobre minha pesquisa fazia com que agissem de forma espontânea e falassem sobre a lei seca, e as operações, muitas vezes enquanto bebiam. Desta maneira foi possível obter dados importantes e confirmar hipóteses.

Vali-me com frequência de casos observados nas “blitz” da “Operação Lei Seca” a fim de estudar e compreender os sistemas de crenças e os rituais envolvidos. E para tal fim utilizei BECKER (1993, p.117-118), o qual esclarece que “o caso estudado em ciências sociais é tipicamente não o de um indivíduo, mas sim de uma organização ou comunidade. [...] Os estudos de caso individuais também são [...] realizados por cientistas sociais.” Entretanto, para fazer sentido o estudo de caso, diz Becker (p.118-119), “os vários fenômenos revelados pelas observações do investigador tem que ser todos incorporados ao seu relato de grupo e em seguida receber atribuição de relevância teórica”. Assim, o estudo de caso não é uma mera descrição de observações feitas pelo antropólogo no campo, antes para fazer sentido deve ser analisado de forma articulada com a questão teórica. Nesta dissertação usei os estudos de caso articulados com as demais observações feitas no campo, com o conhecimento teórico obtido através do material lido e relacionado ao objeto estudado para que pudesse fazer sentido epistemologicamente.

A análise documental foi especialmente importante, em especial a legal, em que pude analisar e acompanhar casos reportados, em registros de ocorrência ou Auto de Prisão em Flagrante, e verificar a consistência das informações descritas nos documentos quando comparados com os fatos observados. Obtive estatísticas relacionadas a acidentes de trânsito e as analisei em

37 conjunto com os dados observados e com as entrevistas feitas. Desta forma o cruzamento de informações foi um importante instrumento de validação dos dados e da pesquisa. Segundo BECKER (1993, p.122), “é útil coletar documentos e estatísticas [...] gerados pela organização ou comunidade. Eles podem propiciar um histórico útil, documentação necessária das condições de ação para um grupo [...]” BECKER (p.122) assinala ainda que o observador deva ser criterioso ao examinar os documentos, devendo considerar a forma como foram criados, seguindo que procedimentos e para que propósitos. Tal recomendação é especialmente útil considerando que parte desta pesquisa se dá em torno de procedimentos de natureza legal, mais especificamente, penal e processual penal. Não se trata de levar em consideração apenas os documentos que reproduzem normas e doutrinas jurídicas isoladamente, mas também documentos vinculados a processos legais ou que resultam dos mesmos, tais como termos de declaração, registros de ocorrência e decisões monocráticas, súmulas e acórdãos do judiciário. Posto que, tais documentos ao aplicar a lei a um caso real possibilitam a observação da forma como delegados, juízes e desembargadores, membros do Ministério Público, defensores e advogados valoram o fato e aplicam a norma jurídica acusando ou defendendo seus patrocinados de acordo com o sistema de crenças do qual fazem parte e a posição em que se encontram no processo.

Como contraponto, efetuei pesquisa a fim de realizar uma breve digressão histórica do surgimento da lei a partir de documentos nacionais e estrangeiros tendo como referência a história do chamado “Temperance Movement” e do movimento social norte-americano contra o hábito de “drink‟n‟ drive” a partir da década de 1980, com o surgimento do “M.A.D.D. – Mothers Against Drunk Drivers”, a fim de entender o sentido e a origem histórica do termo “lei seca” pelo qual foi apelidada a lei brasileira.

38 Efetuei a leitura de diversos livros e teses relacionados, teórica e metodologicamente, ao tema deste trabalho a fim de obter a necessária consistência epistemológica.

Utilizei também como fonte de informação a internet, uma vez que diversos sites de relacionamento, em especial o ORKUT, têm comunidades onde as pessoas se expressam livremente e sem censura, muitas vezes sob pseudônimos, a respeito da “lei seca”. Além disso, como já mencionei anteriormente, durante minha pesquisa observei o surgimento através do TWITTER de uma importante forma de manifestação popular contra a Lei Seca e sua fiscalização por parte do poder público. Utilizei também sites de perguntas e respostas livres onde é possível realizar enquetes, sites de enciclopédias on-line como a WIKIPÉDIA, e de periódicos científicos como o Scielo e Google Acadêmico.

Mesmo tendo usado dados estatísticos fornecidos por instituições oficiais como o ISP – Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, e pela Sub-Secretaria de Estado de Governo do Estado do Rio de Janeiro, dei prioridade a uma análise qualitativa em minha pesquisa, até mesmo porque seria difícil basear minha análise primordialmente em dados quantitativos uma vez que não saberia exatamente, a forma como os dados brutos foram coletados e trabalhados pelas instituições que os forneceram para a pesquisa. Neste sentido BECKER (1993, p.124) esclarece que a menos que os dados obtidos tenham sido coletados especificamente para a pesquisa, não serão suficientemente sistemáticos para viabilizar a manipulação estatística. “Porém, ele pode gerar o que tem sido chamado de “quase-estatística”, isto é, números que resultam da amostragem e enumeração imprecisas contidas em seus dados” (BECKER, p.124).

Tive oportunidade efetuar o registro fotográfico das “blitz” da “Operação Lei Seca”, bem como de outras curiosas imagens relacionadas direta ou

39 indiretamente a ela. São imagens de: motoristas em via pública sendo submetidos por policiais ao exame com o etilômetro em operações de fiscalização de trânsito de veículos; da “Operação Lei Seca” e seus agentes em ação; de usuários de cadeiras de roda, os chamados cadeirantes, trabalhando nas operações policiais; entre outras. O recurso fotográfico possibilita a análise posterior das imagens e assim facilitou a confecção dos diários de campo.

Utilizei vídeos e gravações de áudio com entrevistas com autoridades, coordenação de operações policiais, e agentes de trânsito, além de flagrantes de motoristas bêbados, programas de televisão como o “Profissão Repórter” e o “Sem Censura”. Alguns deles foram obtidos da internet a partir do site YouTube e outros gravei diretamente da televisão enquanto eram transmitidos. Tais recursos foram muito importantes e agregaram dados importantes à pesquisa.

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