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2. CAMINHOS METODOLÓGICOS E ESCOLHAS POSSÍVEIS DA

2.3 Metodologias escaladas para a empreitada

Sobre a experiência de campo, tendo em vista nunca ter realizado nada parecido com uma etnografia durante a graduação tive que buscar uma fonte de saber teórico e prático sobre o tema. Assim sendo tive que buscar tais caminhos para que pudesse construir bases metodológicas e teóricas mais sólidas. Sobre o tipo de proposta etnográfica que proponho nessa dissertação, trago a definição de Eckert e Rocha (2008):

A pesquisa etnográfica constituindo-se no exercício do olhar (ver) e do escutar (ouvir) impõe ao pesquisador ou a pesquisadora um deslocamento de sua própria cultura para se situar no interior do fenômeno por ele ou por ela observado através da sua participação efetiva nas formas de sociabilidade por meio das quais a realidade investigada se lhe apresenta (ECKERT; ROCHA, 2008).

A pesquisa se configura como qualitativa a partir de um olhar mais localizado, mais voltado para o âmbito das experiências dos atores e suas práticas. Realizei contato com os interlocutores através de observação participante34 e entrevistas

34 Sobre observação participante procuro buscar o sentido de Becker e Geer (1969, p.322), que diz: “Por observação participante nós entendemos aquele método no qual o observador participa na vida diária das pessoas sob estudo, seja abertamente, no papel do pesquisador, seja de forma encoberta, através de um

presenciais semiestruturadas35 em profundidade. Ao todo foram realizadas 11 entrevistas com 6 sujeitos36 diferentes no período de dezembro de 2016 a maio de 2018. As incursões em campo se deram através de presença em jogos do time em questão (Ceará), viagem com a torcida organizada37, presença em seminários de torcidas, presença em eventos sobre a temática torcida organizada. Para uma melhor compreensão de minhas incursões ao campo, detalharei esses dados numa tabela.

Tabela 1: Idas ao campo

Incursões Idas à jogos Viagens com a torcida Presenças em seminários sobre torcidas organizadas Entrevistas realizadas Quantidade 40 1 5 11

A escolha pela abordagem com entrevistas se deu pois essas são “utilizadas como um recurso para entender como os indivíduos decifram o mundo social e nele agem” (MAY, 2004, p.169) e a adoção de formato semiestruturado se deu porque ele possibilita, segundo Piedade Lalanda (1998, p.875) entrar no “universo subjectivo do actor, ou seja, as representações e os significados que atribui ao mundo que o rodeia e aos acontecimentos que relata como fazendo parte da sua história”. Então, se esses significados são pertinentes à vida dos sujeitos, estes também fazem sentido dentro do mundo social e resultam de interações tanto com outros sujeitos, quanto com estruturas sociais.

papel dissimulado, observando as coisas que acontecem ouvindo o que é falado e questionando as pessoas no espaço de algum tempo.

35 Configura-se como semiestruturada ou semidiretiva a entrevista que não é totalmente aberta e nem direcionada por um número de perguntas preciso. “Geralmente, o investigador dispõe de uma série de perguntas-guias, relativamente abertas, a propósito das quais é imperativo receber alguma informação da parte do entrevistado. Mas não colocará necessariamente todas as perguntas pela ordem em que as anotou e sob a formulação prevista. Tanto quanto possível, <<deixará andar>> o entrevistado para que esse possa falar abertamente, com as palavras que desejar e pela ordem que lhe convier. O investigador esforçar-se-á simplesmente por reencaminhar a entrevista para os objectivos para vez que o entrevistado deles se afastar e por colocar às perguntas as quais o entrevistado não chega por si próprio no momento mais apropriado e de forma tão natural quanto possível” Cf QUIVY e CAMPENHOUDT (2005, p.192). 36 Todos os entrevistados correspondem ao perfil de torcedores e torcedoras organizados de clubes de Fortaleza (4 do Ceará, 1 do Fortaleza e 1 do Ferroviário); todos são membros ativos de suas respectivas torcidas; e estão na faixa etária de 20 a 40 anos.

37 A viagem em questão foi realizada para a cidade de Itapipoca, para assistir partida válida pelo Campeonato Cearense 2017.

Todas as entrevistas foram previamente marcadas e agendadas com os entrevistados e aconteceram baseadas na disponibilidade de horário e de data dos interlocutores, fato que acabou por provocar um distanciamento temporal entre algumas entrevistas. Como acontece em qualquer empreendimento, alguns sujeitos se mostraram como mais acessíveis e disponíveis para contribuir com o trabalho de pesquisa do que outros, mas nada que viesse a atrapalhar o processo de coleta de dados. Quase a totalidade das entrevistas foram gravadas, com a exceção de uma em que a entrevistada preferiu que não fosse. Em todas pedi o consentimento dos entrevistados, lembrando que os dados informados só teriam utilização para fins acadêmicos e garantindo o anonimato para todas essas pessoas. Os locais em que as entrevistas foram realizadas variaram desde a casa dos entrevistados até locais públicos como faculdades e praças.

O contato com alguns dos sujeitos se deu através de uma “rede de relações previamente existente e anterior à investigação” (VELHO, 2003, p. 12), formada por conhecidos e amigos, que me indicaram pessoas as quais eu poderia ter interlocuções dentro das torcidas organizadas locais. Através dessas pessoas indicadas, pude adentrar nesse universo, transformando alguns em interlocutores-chave de pesquisa, aqueles que me dariam acesso e informações privilegiadas por terem um trânsito privilegiado tanto dentro da organização como entre os seus pares. Tendo em vista não me constituir como um torcedor organizado, embora para alguém de fora, mesmo que na condição de torcedor isso possa parecer uma proximidade, em alguns momentos no campo, isso mostrou distância. Para lidar com essas questões é preciso que se faça presente no campo e rotinize a presença para que os sujeitos fiquem mais à vontade com a minha estada naquele lugar.

A presença etnográfica na dinâmica social das pessoas dos grupos em enfoque, tem por intenção a busca de dados e fragmentos que servem como base para o trabalho do pesquisador. Trazendo à tona a metáfora feita por Ginzburg (1989), assim como Sherlock Holmes na sua caça por pistas que o levem até a descoberta de um crime, o antropólogo faz essa procura no sentido de tentar interpretar as interpretações das experiências, segundo nos fala o antropólogo já supracitado Clifford Geertz (2014), dos nativos sobre alguma determinada questão.

A natureza da explicação pela via etnográfica tem como base um insight que permite reorganizar dados percebidos como fragmentários, informações ainda dispersas, indícios soltos, num novo arranjo que não é mais o arranjo nativo (mas que parte dele, leva-o em conta, foi suscitado por ele) nem aquele com o

qual o pesquisador iniciou a pesquisa. Este novo arranjo carrega as marcas de ambos: mais geral do que a explicação nativa, presa às particularidades de seu contexto, pode ser aplicado a outras ocorrências; no entanto, é mais denso que o esquema teórico inicial do pesquisador, pois tem agora como referente o “concreto vivido” (MAGNANI, 2002, p.17).

As narrativas observadas por meio do diário de campo, de entrevistas e outras formas de experimentação devem ser entendidos dentro do contexto da pesquisa e analisados de forma que eles não falem o que o pesquisador está querendo dizer, com as palavras do entrevistado, e sim tentar captar a essência do que os sujeitos compreendem e vivenciam e transpor isso através de palavras. Não é uma tarefa fácil que se põe por sobre os ombros da pesquisa, mas com criatividade, pesquisa, inventividade e sentidos atentos ao campo, é possível que se consiga extrair bem o que ele tem a oferecer.