CAPÍTULO 1 A PAISAGEM CULTURAL DA VILA DE CONCEIÇÃO DE
1.7. MICROESTRUTURA TEÓRICO METODOLÓGICA DA PESQUISA
No entanto, a partir da estrutura metodológica geral proposta para esta pesquisa, temos uma questão a solucionar: de acordo com a conceituação de paisagem e suas leituras vistas no item 2 deste capítulo, como fica a análise da questão temporal? Como mencionado anteriormente, para Castriota (2009) a paisagem cultural reúne formas criadas em momentos históricos diferentes, que coexistem no momento atual, onde os aspectos materiais e imateriais do patrimônio estão entrelaçados na sua concepção. Como, então, identificar e ainda organizar cronologicamente a produção/ apropriação/ reprodução do espaço através da leitura destas edificações?
Como o modelo de leitura integral LIP aqui proposto se fundamenta no sentido de entender a paisagem como um sistema dinâmico, onde os fatores materiais, sociais e culturais são tratados em conjunto e, além de se influenciarem ainda são determinantes e determinados pela estrutura global, sua associação direta com o método Regressivo- progressivo proposto por Henri Lefèbvre (1991), em seus três momentos, nos auxiliará na compreensão máxima da paisagem cultural do nosso objeto de estudo, a Vila de Conceição de Ibitipoca. Tradicionalmente utilizada para análises de abordagem socioespacial de pesquisas da área da geografia, a metodologia lefebvriana está diretamente ligada ao modo de organização prática da sociedade urbana, levando em consideração toda a dinâmica decorrente do sistema capitalista contemporâneo.
Do ponto de vista teórico, o método permite uma compreensão mais abrangente de como o desencontro de temporalidades ligadas ao tradicional e ao moderno concorre para a dinâmica de uma urbanização relativamente recente, como é o caso do nosso objeto empírico. E isso porque, em termos metodológicos, a perspectiva lefebvriana conduz, em relação ao contexto urbano ibitipoquense, a uma sistematização dos registros históricos que ressaltam a coexistência, no tempo presente, de representações historicamente sucessivas, sejam elas no âmbito do ambiente construído e das relações sociais. O método Regressivo-progressivo visa compreender a gênese do presente, partindo sempre do atual em direção ao passado, não apenas para explicar o passado, mas, sobretudo, para esclarecer os processos em curso no presente que apontam para o futuro. (Lefebvre, 1991)
Poderemos assim vislumbrar a sistematização de uma teoria da composição do ambiente construído sobre a análise da comunidade até há pouco tempo camponesa, a qual compreende a realidade atual dessa comunidade como consequência de uma formação social, sem perder de vista o sentido do processo histórico. Desse modo, de acordo com Henri Lefebvre (1991) o estudo da sociologia histórica requer um movimento dialético entre a pesquisa apoiada sobre a história e aquela sobre a realidade sociológica. Esse movimento consolida a síntese espaço-temporal desta pesquisa apoiada num período de longa duração (desde a gênese da vila até a contemporaneidade), de modo que a ideia de longo aparece aqui como um processo histórico cumulativo na formação da comunidade, a partir de sua organização tradicional.
Sendo assim, para a microestrutura desta pesquisa adotou-se a metodologia lefebvriana na intenção de se fazer um retorno ao passado e, através de uma linha do tempo, voltamos gradativamente ao presente compreendendo a evolução da dinâmica socioeconômica, a transformação dos valores atribuídos por cada um de seus atores dentro de seu contexto histórico-espacial e sua relação com a evolução das técnicas construtivas adotadas na vila, objetivo central deste trabalho. Para esta pesquisa, no entanto, a metodologia complementar escolhida será mais uma vez excepcionalmente aplicada à área do ambiente construído, onde trataremos de analisar os elementos da paisagem sobre nova ótica, a fim de abrangermos não somente o ambiente construído, mas toda a dinâmica das relações humanas, simbólicas, culturais e temporais.
De acordo com a metodologia proposta por Lefèbvre, o caminho proposto para a crítica da vida cotidiana, a qual ele classifica como uma “metafilosofia do cotidiano” possui três momentos de investigação da produção social do espaço: o descritivo, o analítico-regressivo e o histórico-genético. (LEFÈBVRE, 1981). Esses momentos são bem descritos por José de Souza Martins, sendo primeiro deles - o descritivo - relativo à complexidade horizontal da vida, reconhecida sempre na descrição do que é visível, cabendo ao pesquisador reconstruir, identificar e descrever o que vê, a partir de um olhar teoricamente informado. (MARTINS, 1996, p.21)
Já o segundo momento - o analítico-regressivo - propõe uma decomposição da realidade analisada, através da datação exata de cada relação social revelada, podendo ser elemento da cultura material ou espiritual, desvendando o que antes parecia ser simultâneo ou contemporâneo, descoberto então como remanescente de uma época específica. (MARTINS, 1996, p.21)
O reencontro com o presente é dado no terceiro momento - o histórico-genético - onde, através da busca na gênese das suas formações e nos apontamentos de marcos de transformações, sem perder a noção do conjunto, são apresentadas todas as contradições sociais, os desencontros entre temporalidades e espacialidades. “Na descoberta da gênese contraditória das relações e concepções que persistem está a descoberta de contradições não resolvidas, de alternativas não consumadas, necessidades insuficientemente atendidas, virtualidades não realizadas”. (MARTINS, 1996, p.22). Neste momento, deve-se evitar identificar os fatos a partir de etapas históricas, mas realizar a investigação através das temporalidades desencontradas e coexistentes. A intenção, portanto, consiste na aplicação desta metodologia regressivo-progressiva em cada uma das componentes de análise da paisagem proposta no sistema LIP, sendo trabalhadas em cada um dos capítulos subsequentes.
Concluindo, no capítulo 2 desta dissertação nos dedicaremos a análise das conformações materiais presentes – o patrimônio material - e, cumprindo o primeiro objetivo específico proposto, teremos construído uma linha do tempo das edificações levantadas dentro do nosso recorte espacial, comtemplando a componente Arquitetura
Local do modelo LIP. No capítulo 3 analisaremos a reprodução contemporânea do
espaço da vila, com identificação de seus atores e seus campos de poder, contemplando o segundo objetivo específico e, abarcando, portanto, a componente Composição Social
e da metodologia inovada. Já para o capítulo 4 pretende-se, neste terceiro momento da
metodologia LIP, a Percepção Simbólica, elencar os elementos cristalizados no imaginário coletivo e sua relação com o patrimônio imaterial, assim como quais foram e as contribuições relevantes e de importância expressiva na composição da Paisagem Cultural de Ibitipoca, contemplando o terceiro objetivo específico. Por fim no capítulo 5, afim de cumprir o quarto objetivo específico, iremos confrontar os dados encontrados em relação aos marcos históricos captados na dinâmica social aos elementos arquitetônicos predominantes, assim como aos elementos simbólicos cristalizados elencados.