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CAPÍTULO 3 - MIGMATITO E METAMORFISMO DE ALTO GRAU

3.1. Migmatito: Definição, gênese e classificação

O termo migmatito é usado para denominar uma rocha metamórfica, heterogênea em escala de afloramento, que apresenta duas, ou mais, partes petrologicamente relacionadas e petrograficamente diferentes resultantes dos processos de fusão parcial (anatexia), segregação e migração (SAWYER, 2008; SAWYER & BROWN, 2008; SAWYER et al., 2011; BROWN, 2012).

Os migmatitos são discutidos na literatura desde o início do século XX, onde se destacou estudo pioneiro feito por Sederhlom em 1907 (MEDEIROS, 2013). Atualmente, Sawyer (2008) e Sawyer & Brown (2008) sintetizaram as informações relevantes sobre esses litotipos (Figura 3.1) com intuito de simplificar os critérios classificatórios, tendo em vista as dificuldades decorrentes das inúmeras classificações existentes. Essas rochas podem ocorrer nas partes internas das auréolas metamórficas contato, nos sítios de alto grau dos cinturões metamórficos de baixa pressão e alta temperatura, nos metamorphic core complexes que expõem grandes áreas da crosta continental média e inferior (PASSCHIER et al., 1993; WINGE, 1995; MEDEIROS JR, 2009, BROWN, 2012).

De acordo com Winkler (1977), os migmatitos são representantes das condições metamórficas de alto grau e se encontram associados aos terrenos de mais alta temperatura do metamorfismo regional. Essas rochas se formam quando a pressão de fluido for maior que a pressão litostática, caso contrário formar-se-ão os granulitos (WINKLER op cit.; WINGE, 1995). Caso não haja relativa quantidade de fluido no sistema a ocorrência da “fusão a seco”, também conhecida como Fluid-Absent (Dehydration) -Melting (THOMPSON & CONNOLLY, 1995) e Water-Undersatured Partial Melting Reactions (BOM, 2011) ou

Vapor-Absent Melting Reactions (GRANT, 1985 apud BOM, 2011), se efetiva. A fonte de

água nessas condições pode ser oriunda de minerais como os filossilicatos (moscovita e biotita) e os anfibólios (BROWN, 2012).

Para a execução dessa monografia, adotou-se a nomenclatura proposta por Sawyer (2008), Sawyer & Brown (2008), Sawyer et al. (2011) e Brown (2012).

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Figura 3.1: Partes de um migmatito.

Fonte: Sawyer (2008).

(i) anatexia: fusão parcial de componentes crustais, independente do grau de fusão; (ii) protólito ou rocha parental (rocha fértil): rocha a partir da qual o neossoma foi derivado e que tem composição que lhe permita iniciar a fusão parcial;

(iii) paleossoma (rocha infértil): porção do migmatito que não foi afetada pela fusão parcial devido à sua composição, ou seja, resistiu às condições metamórficas de migmatização;

(iv) neossoma: parte do migmatito formada por fusão parcial e consiste nas frações magma-derivada (melt-derived) e residual. O neossoma pode ou não sofrer segregação magmática. O neossoma é subdividido em leucossoma e melanossoma (resíduo). O leucossoma, em geral, apresenta granulação mais grossa que o paleossoma, pois a presença de magma facilita o crescimento dos grãos;

(v) resíduo: fração sólida deixada no migmatito após a fusão parcial e extração de parte ou de todo o magma;

51 (vi) leucossoma: parte do migmatito derivada do magma segregado parcialmente e que apresenta cor clara. Essa rocha não necessariamente apresentará a composição original do magma anatético, uma vez que os processos de cristalização fracionada e contaminação podem modificá-la;

(vii) melanossoma: tipo de resíduo composto predominantemente por minerais ferro-magnesianos, como biotita, granada, cordierita, anfibólio ou piroxênio, dentre outros. De acordo com Sawyer & Brown (2008), três tipos de leucossoma podem ser distinguidos (Figura 3.2), quais sejam:

Figura 3.2: Diferentes tipos de leucossoma. 1) In situ. 2) Na fonte (in source). 3) Em veio ou diques.

Fonte: Sawyer & Brown (2008).

1) leucossoma in situ: encontrado em contato, geralmente difuso, com o resíduo ou rodeado pelo melanossoma. Sua composição corresponde ao “líquido” anatético inicial ou a uma composição cumulática derivada do magma inicial.

2) leucossoma na fonte (in source): derivado do magma que migrou do local de formação, mas continua no sítio de migmatização. Por esse motivo, pode ser discordante e ter contatos bruscos com a encaixante. Apesar disso, muitos desses leucossomas podem estar orientados paralelos ao acamadamento/bandamento composicional herdado do protólito e possuir contatos ora difuso ora bem marcados. Em termos de composição, pode apresentar as mesmas características do leucossoma in situ ou de um magma anatético fracionado;

3) leucossoma em veios leucocráticos ou diques: derivado do magma anatético que se afastou do resíduo e se cristalizou em outro lugar do migmatito, como por exemplo, no

52 paleossoma, em camadas resistentes (resister layer) ou no domínio de outro neossoma. Os contatos com a encaixante são bruscos. Auréolas (selvedges) podem se desenvolver contornando o limite veio/dique versus rocha hospedeira. Quanto à composição, apontam derivação do magma anatético fracionado, contudo alguns apresentam procedência do magma inicial outros do cumulático;

Recentemente, Cesare et al. (2011) e Sawyer et al. (2011) sugeriram o estudo de inclusões de magma (ex: “nanogranitos”) que ocorrem em minerais cristalizados a partir de um magma anatético a fim de entender a evolução desse magma na crosta, pois acreditam que essas micropartículas sejam o material com a composição mais próxima do “líquido primitivo” gerado pela migmatização e seu produto (Figura 3.3).

Figura 3.3: (a) Inclusões de magma (melt inclusions) com arranjo zonal em granada. (b) Imagem de elétrons retroespalhados de um "nanogranito" (6 µm) trapeado num cristal de granada.

Fonte: Cesare et al. (2011).

A primeira classificação morfológica de migmatitos foi proposta por Mehnert (1968) e está apresentada na figura 3.4. Essa classificação foi utilizada por diversos autores, mas recentemente Sawyer (2008) propôs uma simplificação dos doze tipos morfológicos de Mehnert (1968) para apenas oito (Figura 3.5). Nessa nova proposta de Sawyer (2008), os termos estromático, schöllen, nebulito, schlieren foram mantidos, os demais foram abandonados. Alguns novos termos foram propostos por Sawyer (2008). Entretanto, de acordo com Sawyer & Brown (2008), antes da aplicação dos termos morfológicos, além dos aspectos resultantes do processo de fusão parcial, devem ser levados em conta os fatores que contribuem com a aparência final do migmatito, tais como, a natureza das rochas antes da

53 fusão parcial (grau de fertilidade), a extensão dessa fusão (volume de magma gerado), a taxa de resfriamento (texturas e estruturas) e se ou não as rochas foram deformadas quando continham magma (morfologia). A partir disso, Sawyer (2008) propôs a retomada dos termos metatexitos e diatexitos para esses litotipos baseados na fração de magma e na intensidade de deformação (Figura 3.5). A classificação morfológica de Mehnert (1968) foi simplificada por esse autor tal como sumarizada nessa figura.

Figura 3.4: Classificação morfológica dos migmatitos segundo Mehnert (1968). (a) Agmatito. (b) Dictionito ou Dictionítico. (c) Migmatito-Schöllen. (d) Flebítico. (e) Estromático. (f) Migmatito surreítico. (g) Migmatito com dobras. (h) Veios ptigmáticos. (i) Estrutura oftálmica ou augen. (j) Estrutura estictolítica. (k) Estrutura schlieren. (l) Estrutura nebulítica.

Fonte: Medeiros (2013).

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Figura 3.5: Classificação dos migmatitos.

Fonte: Sawyer (2008).

O metatexito é um tipo de migmatito no qual as estruturas pré-fusão parcial (bandamento, foliações e dobras) foram preservadas. Podem ser divididos em:

(i) patch: a fusão parcial ocorre em pequenos locais discretos. São preservados nos locais de baixa deformação. O efeito da transposição pode transformá-lo em estromático;

(ii) dilatante: a distribuição e geometria dos leucossomas são controladas principalmente pelas estruturas dilatantes, locais de mais baixa pressão (porções

inter-boudins, sombras de pressão, locais de ruptura por cisalhamento, zonas de charneira, fraturas

de extensão ou tension gashes) e influenciadas pela deformação e pela distribuição dos litotipos mais competentes. Assemelha-se ao migmatito surreítico de Mehnert (1968);

(iii) net estruturado ou em rede: é o resultado da interseção de veios do neossoma paralelos e ortogonais ao bandamento, sendo os últimos localizados em estreitas zonas de cisalhamento. Formam uma estrutura em rede que trunca o paleossoma. Pode ser comparado ao dictionito ou, quando não há sinal cisalhamento, ao agmatito de Mehnert (1968);

(iv) estromático: o leucossoma ocorre disposto em camadas paralelas, contínuas, ao bandamento composicional ou à foliação. O melanossoma e/ou o neossoma não segregado podem estar associados. Além disso, pode ser relacionado ao migmatito estromático de Mehnert (1968). Quatro principais mecanismos foram propostos para explicar a origem deste tipo morfológico.

55 1. fusão lit-par-lit e múltiplas injeções de magma anatético ao longo de planos paralelos à foliação ou qualquer outra zona de fraqueza adjacente. Nesse caso, o leucossoma não é in situ;

2. segregação curta (short-range segregation) do magma a partir do resíduo. Segundo Brown et al. (1995), nesse caso há associação entre o leucossoma e o material residual complementar e o leucossoma é in situ ou na fonte (in source); 3. fusão parcial de uma sequência de finas camadas férteis de diferentes composições, de acordo com Johannes et al. (1995). O neossoma é segregado no leucossoma e no melanossoma rico em biotita nas margens sendo ambos gerados in

situ;

4. transposição do migmatito enquanto este contém magma (PARK, 1983 apud SAWYER & BROWN, 2008). Geralmente estão associados a zonas de cisalhamento (SOLAR & BROWN, 2001);

Por sua vez, diatexito é um migmatito no qual o neossoma (parte fundida) domina e as estruturas pré-fusão parcial foram obliteradas e substituídas por estruturas de fluxo sin-anatéticas e representadas por minerais placóides ou tabulares, mais comumente plagioclásio e biotita, orientados por foliação de fluxo magmático ou sub-magmático. Podem ser subdivididos em:

(i) nebulítico: quando não há deformação durante a fusão parcial, consequentemente não há separação da fração do magma e do resíduo. O resultado consiste num paleossoma com aspecto de fantasma (ghost-like), de granulação grossa, disperso no neossoma mesocrático, difuso. Por outro lado, pode ser encontrado em áreas restritas de deformação de fluxo sin-anatético. Equivale ao nebulito de Mehnert (1968);

(ii) schöllen: caracterizado pela presença de encraves ou fragmentos isolados do paleossoma ou do resíduo no neossoma. Podem apresentar sinas de rotação ou cisalhamento. Equivalem ao migmatito-schöllen de Mehnert (1968);

(iii) schlieren: tipificado pela presença de finas camadas, em geral menores que 10 cm, compostas por minerais orientados, placóides ou elongados, mais comumente biotita, podendo ocorrer plagioclásio, sillimanita, ortopiroxênio ou anfibólio. Evidenciam grande mobilidade dos constituintes. É análogo ao migmatito com estrutura schlieren de Mehnert (1968);

56 Há também uma terceira ordem de classificação para os migmatitos face às estruturas presentes encontradas nos metatexitos e diatexitos. As morfologias representantes dessa ordem são em veio e em dobra e serão descritas a seguir.

a. migmatito estruturado em veio/dique: há a presença de um ou mais conjuntos de veios ou diques leucocráticos que são superimpostos ao migmatito já consolidado, independente da ordem de classificação. Este tipo de migmatito pode evoluir para o estruturado em dobras. Os veios são tipicamente colocados após o pico da anatexia, mas antes da solidificação do migmatito. É similar ao flebítico de Mehnert (1968); b. migmatito estruturado em dobra: metatexito ou diatexito que foi dobrado enquanto

continha magma. Comparável com o migmatito com dobras de Mehnert (1968).

Em condições de elevada temperatura, e ao longo do tempo geológico, a anatexia é um importante processo que propicia o retrabalhamento e diferenciação geoquímica da crosta continental, além de ser principal processo de formação dos migmatitos (WERNICK, 2004; SAWYER, 2008; SOLA, 2009; BROWN, 2012).

Os locais de acumulação de magma/fuidos são controlados pelas propriedades mecânicas/físicas da crosta e pelo campo de tensão atuante, bem como pelas estruturas tectônicas (RUMBLE, 1989 apud CARNEIRO et al., 1996; BROWN et al., 2011; SAWYER

et al., 2011).

Com o aumento da temperatura as rochas fundem e a ductilidade do sistema aumenta, favorecendo a deformação. Na microescala as deformações sin-migmatização são controladas pela presença de um magma que favorece a diminuição da tensão necesária para deformar a rocha. A figura 3.6 exemplifica a contribuição dos processos mecânicos e químicos no aumento da ductilidade (melt-weakening processes) das rochas afetadas por fusão durante a deformação para rochas quartzo-feldspáticas milonitizadas em um modelo postulado por Schulmann et al. (2008b apud JAMIESON et al., 2011). De acordo com essa figura, a presença de um magma gerado por anatexia favorece a deformação por deslizamento do magma ao longo das bordas dos grãos (melt-enhanced sliding) e redistribuição do magma em cavidades geradas durante a fusão (3.6a). A presença desse magma favorece o aumento da ductilidade do sistema e de fases minerais como os feldspatos, o que resulta na formação de minerais e agregados alongados segundo a foliação da rocha (3.6b). As reações que acompanham a deformação e a fusão causam a resorção dos cristais do protólito e

57 precipitação de novos minerais, produtos das reações metamórficas, o que leva a uma desintegração da trama (fabric) original (3.6c).

Figura 3.6: (a) O magma reveste os grãos de plagioclásio e preenche os espaços em formato de cunha

(wedge-shaped pockets) entre os grãos de K-feldspato. (b) Os produtos da fusão são precipitados ao longo das bordas dos

grãos e fraturas intergranulares nos grãos de K-feldspato em um alto ângulo em relação ao estiramento (stretching lineations). (c) A infiltração do magma e o fluxo reativo (reactive porous flow) resultam numa desintegração progressiva da trama original da rocha.

Fonte: Jamieson et al. (2011).

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