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Este capítulo destina-se à discussão acerca das migrações transnacionais, pensando as questões teoricamente relacionadas à identidade e à diferença, a fim de entender quais identidades estão sendo construídas nesses espaços comunicacionais dos grupos no Facebook. Além disso, procura-se problematizar quais questões são tensionadas a respeito da multiculturalidade e interculturalidade, para, posteriormente, interpretarmos essas questões empiricamente.

2.1 Identidade e diferença: uma aproximação conceitual

Na atualidade, “a produção de identidades passa, necessariamente, pelas telas”, em um ciclo em que ora as telas influenciam essa produção, ora as identidades influenciam os usos que fazemos das telas, porque essas telas não são tomadas esporadicamente como ferramenta de informação ou entretenimento (OROZCO, 2010, p. 24). Mas, na medida em que os usos das telas excedem a mera soma de possibilidades, há uma produção a partir da interação com as telas: a identidade. Uma identidade “amalgamadora”, não tão essencialista; porém, uma identidade durável o suficiente para ser reconhecida, e flexível o suficiente para ser reproduzida repetidas vezes, modificada, trocada ou negociada (OROZCO, 2011, p. 392).

Como nos coloca Martín-Barbero (2004), em toda identidade há um contraponto,

[...] o da diferença. Isso significa as tecnologias enquanto prolongamento do que Muniz Sodré chama de “operação antropológica”, mediante a qual a verdade profunda da outra cultura residiria no que aquela tem em comum com a nossa, já que o outro é sempre um avatar de o mesmo, ou seja, da razão do antropólogo. E isso por dois caminhos: prolongando até hoje uma concepção evolucionista da diferença cultural segundo a qual o outro não pode ser mais que o atrasado em relação ao moderno, que é o que vai na linha do progresso condensado na racionalidade ocidental, ou aceitando uma “lógica da diferença” segundo a qual o desenvolvimento nada tem a ver com o subdesenvolvimento. [...]. é a transformação da diferença em “distinção” do étnico no típico. E por esse caminho as outras culturas acabam sendo reduzidas a uma identidade refletida: culturas que só valem enquanto valorizam a Cultura com maiúscula: aquilo que nos constitui é precisamente o que nos falta. E o que nos falta hoje, e sem o qual não haverá desenvolvimento, é precisamente Tecnologia (MARTÍN-BARBERO, 2004, p. 185-186).

Com a globalização, as identidades e as culturas estão sempre em fluxo, constantemente em atualização. Por isso que “falar de identidades hoje implica também

falar de migrações e mobilidades, de rede de fluxos, de instantaneidade e fluidez” (MARTÍN-BARBERO, 2006, p. 61). Os sujeitos podem assim pertencer, ao mesmo tempo, a vários grupos ou subgrupos, sem que a sua identidade entre em conflito, pois as nossas associações, enquanto sujeitos dotados de vontade, se dão de acordo com as necessidades individuais de pertencimento profissional e pessoal.

Ao pertencermos a um determinado grupo, por compartilharmos certos códigos, nos diferenciamos de outros, isto é: aproximamo-nos daqueles que são iguais a nós e nos afastamos dos demais. Nessa dicotomia de inclusão e exclusão, as identidades são marcadas pela diferença, o que o outro é, eu não sou. No momento em que nos identificamos com determinados elementos de um grupo, de uma cultura, com seus gostos, suas experiências e suas apreciações, passamos a pertencer a esse coletivo; ao passo que, ao não compartilharmos esses elementos com os outros coletivos, nos diferenciamos. Portanto, uma identidade é sempre produzida em relação à outra – é na marcação das diferenças que as identidades são produzidas. A identidade “ocorre tanto por meio de sistemas simbólicos de representação quanto por meio de formas de exclusão social” (WOODWARD, 1999, p. 39), pois, “a diferença é aquilo que separa uma identidade da outra, estabelecendo distinções, frequentemente na forma de oposições” (WOODWARD, 1999, p. 39).

A representação atua simbolicamente para classificar o mundo e nossas relações nele. A identidade relacional é marcada pela diferença, sendo a diferença sustentada pela exclusão. Assim, sua marcação se dá por meio de símbolos. (WOODWARD, 1999, p. 8-10). A produção de uma identidade depende de um sujeito individual ou coletivo e se dá no reconhecimento dos outros. No momento em que o sujeito reconhece o outro como diferente de si, ele passa a se reconhecer, construindo, dessa forma, a sua própria identidade única ou coletiva baseada em escolhas, no diálogo e no intercâmbio com as demais identidades, aproximando-se daquelas com as quais se reconhece e afastando-se das outras em que há um estranhamento. Diante disso, “a identidade depende de um sujeito individual ou coletivo, e, portanto, vive do reconhecimento dos outros” (MARTÍN-BARBERO, 2006, p. 65-66).

As identidades são fluidas e intercambiáveis e estão em constante construção ao longo das nossas histórias de vida, baseadas no sentimento de pertencimento que se constitui na dicotomia inclusão – exclusão.

Toda e qualquer identidade é construída. [...] A construção de identidades vale-se da matéria-prima fornecida pela história, geografia, ciência, biologia, instituições produtivas e reprodutivas, pela memória coletiva e por fantasias pessoais, pelos aparatos de poder e revelações de cunho religioso. Porém, todos esses materiais são processados pelos indivíduos, grupos sociais e sociedades, que reorganizam seu significado em função de tendências sociais e projetos culturais enraizados em sua estrutura social. Bem como sua visão de tempo/espaço. Avento aqui a hipótese de que, em linhas gerais, quem constrói a identidade coletiva, e para que essa identidade é construída, são em grande medida os determinantes do conteúdo simbólico dessa identidade, bem como de seu significado para aqueles que com ela se identificam ou dela se excluem. Uma vez que a construção social da identidade sempre ocorre em um contexto marcado por relações de poder (CASTELLS, 1999, p. 23-24).

A identidade e a diferença são resultados de um processo de produção simbólica e discursiva, razão pela qual, ao assumirmos aquilo que somos como sujeitos identitários, descrevemos e avaliamos aquilo que não somos. Por exemplo: ao dizer que “sou brasileiro”, digo que não “sou argentino”, ou que não “sou sueco”. Assim, digo que não sou inúmeras outras coisas que não entram no círculo daquilo que sou ou a que pertenço. As relações de poder também entram nesse jogo de identidades e diferenças, pois elas não são inocentes e carregam consigo marcações de dominação e poder, quando incluímos e excluímos ou demarcados fronteiras ou até mesmo classificamos determinadas identidades e diferenças em detrimento de outras. Diante disso, selecionamos “quem pertence e quem não pertence”, demarcamos fronteiras “do que fica fora e do que fica dentro”; nesse jogo de relações de poder fazemos separações e distinções identitárias (SILVA, 1999).

Nem toda a diferença é compreendida como negativa: ela pode ser demarcada por diversidade, heterogeneidade e hibridismo, de forma a enriquecer as identidades (WOODWARD, 1999, p. 49-50). Isso se dá, por exemplo, nos casos em que a identidade é marcada por algumas diferenças que, a exemplo de grupos étnicos, são vistas entre si “como mais importantes que outras, especialmente em lugares particulares e em momentos particulares” (WOODWARD, 1999, p. 11).

Precisamos entender que as nossas identidades individuais são construídas por meio das identidades coletivas, dos grupos aos quais pertencemos, das identidades culturais e das identidades nacionais. Isto é: somos “sujeitos fragmentados” em busca de representatividade e reconhecimento na sociedade, constituídos por identidades culturais, enquanto “as culturas nacionais em que nascemos se constituem em uma das principais fontes de identidade cultural” (HALL, 1999, p. 47). As identidades, nesse sentido, são construídas por meio das culturas nacionais, que produzem, sobre a nação, sentidos com os quais podemos nos reconhecer. As identidades não são únicas e nem

constituem uma única coisa. A negociação identitária ocorre quando há contradições no seu interior. As discrepâncias podem surgir no nível coletivo ou individual, assim como as demandas coletivas da identidade nacional (WOODWARD, 1999, p. 14-15).

O discurso da cultura nacional constrói identidades que são postas, difusamente, entre o passado e o futuro, num constante equilibrar entre os tempos. (HALL, 1999, p. 56). Nessa ambiguidade construída pela cultura nacional, a “comunidade imaginada” (BENEDICT ANDERSON, 1993) vive com as memórias do passado, com o desejo de se viver em conjunto e com a perpetuação da herança (aquilo que traz consigo na memória) (HALL, 1999, p. 58).

Hall (2003) faz uma crítica da qual se presumia que a identidade cultural era fixada no nascimento, sendo “parte da natureza, impressa através do parentesco e da linhagem dos genes, seja constitutiva de nosso eu mais interior” (HALL, 2003, p. 28). Outrossim, a migração, a dispersão de pessoas, era entendida como uma forma de os sujeitos superarem a situação de pobreza, subdesenvolvimento e falta de oportunidades (HALL, 2003, p. 28). Trata-se, assim, de uma concepção fechada de “tribo”, diáspora e pátria, em que possuir uma identidade cultural e estar em contato com um núcleo “imutável e atemporal” é ligar o passado ao futuro pelo presente, numa linha contínua (HALL, 2003, p. 29). No entanto, sabemos que a identidade não é imutável e a atemporal, mas está em constante fluxo e transformação.

Cuche (2002) relata que havia aqueles que acreditavam que a identidade era herdada e da qual não podíamos escapar, entendendo a identidade como algo dado que definiria o indivíduo e que o marcaria de maneira quase permanente. “Nesta perspectiva, a identidade cultural remeteria necessariamente ao grupo original de vinculação do indivíduo. A origem, as ‘raízes’ segundo a imagem comum, seriam o fundamento de toda identidade cultural, isto é, aquilo que definiria o indivíduo de maneira autêntica” (CUCHE, 2002, p. 178).

Essa representação quase genética da identidade seria preexistente ao indivíduo, o qual não teria alternativa de não aderir a ela, sob o risco de se tornar um desenraizado. Portanto, a identidade era considerada uma essência, intrínseca e impossível de se fazer evoluir, sobre a qual o indivíduo ou o grupo não teria nenhuma influência, sendo considerada estática e eterna (CUCHE, 2002, p. 178).

Diante disso, assumir as identidades como um fenômeno estático, hereditário ou até mesmo genético, que remete a uma coletividade definida de maneira invariável, é não considerarmos o que atualmente tem se estudado e compreendido acerca das

identidades, que considera as representações que os sujeitos fazem da realidade social e de suas divisões (CUCHE, 2002, p. 180-181). Sabemos que as identidades não são fixas e muito menos essencialistas, como algumas correntes acreditavam, assim como sabemos que nossas características identitárias não são herdadas, são construídas. Contudo, hoje compreendemos as identidades deforma ampla, social, simbólica e psíquica. Com o tempo, padrões culturais e étnicos vão se reconfigurando e, com eles, as identidades. Woodward (1999) traz um exemplo de como podemos entender essa noção de identidades essencialistas:

Uma definição essencialista da identidade “sérvia” sugeriria que existe um conjunto cristalino, autêntico, de características que todos os sérvios partilham e que não se altera ao longo do tempo. Uma definição não essencialista focalizaria as diferenças, assim como as características comuns ou partilhadas, tanto entre os próprios sérvios quanto entre os sérvios e outros grupos étnicos. Uma definição não essencialista prestaria atenção também às formas pelas quais a definição daquilo que significa ser um “sérvio” têm mudado ao longo dos séculos. Ao afirmar a primazia de uma identidade (WOODWARD, 1999, p. 12).

Portanto, as identidades são fluidas: não são essências fixas, não estão ancoradas nas diferenças que seriam permanentes e estariam presentes em todas as épocas (WOODWARD, 1999, p. 35).

Nos contextos global, local, pessoal e político, poderíamos sugerir, com base em Woodward (1999), que as identidades estariam em crise, uma vez que os processos históricos que sustentavam uma suposta fixação das identidades, “estão entrando em colapso e novas identidades estão sendo forjadas, muitas vezes por meio da luta e da contestação política” (WOODWARD, 1999, p. 39). Portanto, precisamos compreender que as identidades são produzidas em momentos particulares no tempo (WOODWARD, 1999, p. 38), envolvendo uma historicidade e refletidas no momento atual da sociedade.

A história de cada país ajuda na construção dessa identidade nacional e das diversas identidades, assim como o que é incluído e excluído nesse jogo de poder. Para Woodward (1999), “a afirmação das identidades nacionais é historicamente específica. [...]. Uma das formas pelas quais as identidades estabelecem suas reivindicações é por meio do apelo a antecedentes históricos” (WOODWARD, 1999, p. 11-12). Assim, essa construção identitária não é livre de conflito, de contestação e de uma possível crise.

Para entendermos como se dão essas relações, é preciso contextualizá-las, a fim de que possamos compreender como a identidade funciona e percebermos que, por mais fluida e construída que as identidades sejam, ainda existem “reivindicações

essencialistas sobre quem pertence e quem não pertence a um determinado grupo identitário, nas quais a identidade é vista como fixa e imutável” (WOODWARD, 1999, p. 13). Isso se dá principalmente quando são envolvidas relações de poder, as quais, muitas vezes, “estão baseadas em alguma versão essencialista da história e do passado, na qual a história é construída ou representada como uma verdade imutável” (WOODWARD, 1999, p. 13-14).

Assim como Woodward (1999), acreditamos que as condições sociais e materiais marcam as diferenças simbolicamente estabelecidas entre diversos grupos. Mesmo que saibamos que o social e o simbólico são processos diferentes, é necessário que estejam juntos para a construção e para a manutenção das identidades. Toda a prática social é simbolicamente marcada. “As identidades são diversas e cambiantes, tanto nos contextos sociais, nos quais elas são vividas, quanto nos sistemas simbólicos por meio dos quais damos sentido as nossas próprias posições” (WOODWARD, 1999, p. 33). A marcação da diferença é crucial no processo de construção das posições de identidade, em que essa diferença é reproduzida por meio de sistemas simbólicos e central nos sistemas classificatórios pelos quais os significados são produzidos. Nesse sentido, os sujeitos ganham sentido por meio da atribuição de diferentes posições em um sistema classificatório (WOODWARD, 1999).

O exame dos sistemas classificatórios contribui para conceituar a identidade, em que esses sistemas mostram de que maneira as relações sociais são organizadas e divididas. Os sistemas de classificação dão ordem à vida social e são consolidados nas falas e nos rituais e construídos pela diferença e pela forma como são marcadas (WOODWARD, 1999). A demarcação de algumas diferenças podem, nesse processo, ser ocultadas, a exemplo de que a “afirmação da identidade nacional pode omitir diferenças de classe e diferenças de gênero” (WOODWARD, 1999, p. 14).

Esses elementos contribuem para explicar como as identidades são formadas e mantidas (WOODWARD, 1999, p. 15), que os sistemas simbólicos contribuem para dar sentido à experiência (WOODWARD, 1999, p. 19).

A complexidade da vida moderna exige que assumamos diferentes identidades, mas essas diferentes identidades podem estar em conflito. Podemos viver, em nossas vidas pessoais, tensões entre nossas diferentes identidades quando aquilo que é exigido por uma identidade interfere com as exigências de uma outra (WOODWARD, 1999, p. 31-32).

passa a interferir na outra, gerando um choque e tensões entre nossas diferentes identidades. Os conflitos surgem das tensões entre as expectativas e as normas sociais.

A compreensão dos significados envolvidos nos sistemas de representação se dá por meio das práticas de significação e dos “sistemas simbólicos por meio dos quais os significados são produzidos, posicionando-nos como sujeito” (WOODWARD, 1999, p. 17). É por meio desses sistemas que damos sentido à nossa experiência e àquilo que somos. A representação, compreendida como um processo cultural, estabelece identidades individuais e coletivas (WOODWARD, 1999, p. 17). As formas pelas quais a cultura estabelece fronteiras e distingue a diferença são cruciais para que se compreendam as identidades, em que a cultura possui suas próprias e distintivas formas de classificar o mundo (WOODWARD, 1999, p. 41):

É pela construção de sistemas classificatórios que a cultura nos propicia os meios pelos quais podemos dar sentido ao mundo social e construir significados. Há, entre os membros de uma sociedade, um certo grau de con- senso sobre como classificar as coisas a fim de manter alguma ordem social. Esses sistemas partilhados de significação são, na verdade, o que se entende por “cultura” (WOODWARD, 1999, p. 41).

Dessa forma, a classificação simbólica está intimamente relacionada à ordem social, a qual envolve um comportamento social repetido ou ritualizado, isto é, um conjunto de práticas simbólicas partilhadas (WOODWARD, 1999, p. 46).

Nesta dissertação, percebemos que os migrantes brasileiros possuem diversas identidades – relacionadas a etnia, a região, a gênero e a migração – entre as quais há tensões e negociações do que é incluído e excluído de cada uma delas na situação de migração. Ademais, esses migrantes serão sempre vistos como “o outro” em relação aos suecos, da mesma forma que eles também têm a mesma compreensão do lugar que ocupam nessa sociedade: eles não chegarão a ser suecos, mesmo que eles estejam imbuídos da cultura e da vida do país.

2.2 Interculturalidade, migrações transnacionais e identidade migrante

Nesta seção, discutiremos os conceitos de migrações transnacionais, na qual faremos uma breve elucidação acerca do que compreendemos por nação, para, então, chegarmos à noção de transnacionalismo e, por fim, às migrações atuais.

A questão de nação só pode ser abordada a partir do conceito de caráter nacional, o qual é mutável. “Os membros de uma nação ligam-se por uma comunhão do

caráter num período definido; de modo algum a nação de nossa época está ligada a seus ancestrais de dois ou três milênios atrás” (BAUER, 2000, p. 46).

O caráter nacional não é explicado pelo modo que cada sujeito se comporta individualmente, mas pela “relativa semelhança de comportamento dos compatriotas num período de tempo definido” (BAUER, 2000, p. 48). No sentido das semelhanças, está a importância da língua para uma nação, entendendo-se que uma língua comum permite uma comunicação mais estreita (BAUER, 2000, p. 58).

Uma nação sem história e sem língua não existiria, pois hoje a história não pode ser mais contida dentro das “nações” e “Estados-nações”, tais como estes eram definidos política, econômica, cultural e linguisticamente. Porém, isso não significa que a história e as culturas nacionais não têm importância ou que não tiveram importância, pois continuam a ter um significado simbólico e social dentro de uma sociedade (HOBSBAWN, 1990, p. 214-215).

Segundo Hobsbawn (1990), o nacionalismo, ou qualquer que seja o sentido de fazer parte de uma “comunidade imaginada” (BENEDICT ANDERSON, 1993), não ocorre “sem a criação de Estados-nações, e um mundo de tais Estados, adequando-se aos atuais critérios de nacionalidade étnico-linguísticos, não é, hoje em dia, uma probabilidade viável” (HOBSBAWN, 1990, p. 210). Isso não quer dizer que atualmente o nacionalismo não seja evidente na política ou que haja menos nacionalismo do que antes. O que acontece, na verdade, é que apesar de sua evidência, o nacionalismo “não é mais, como antes, um programa político global, como se poderia dizer que foi no século XIX e início do século XX” (HOBSBAWN, 1990, p. 214). A mobilidade de amplas massas de população tem se intensificado, e parte desse fluxo e dessa desorientação nas sociedades, “assim como acontece com as mudanças econômicas, [...] não estão desligadas da emergência do nacionalismo local” (HOBSBAWN, 1990, p. 199). Onde quer que vivamos em uma sociedade urbanizada, encontramos estrangeiros que nos trazem à lembrança e à fragilidade de nossas próprias raízes familiares (HOBSBAWN, 1990, p. 199).

Diante desse contexto de fragilidade de nossas próprias raízes, a globalização pode contribuir para manter essa situação ou superá-la, uma vez que a globalização é posta a nós sob dois vieses36. Um deles é que a globalização acarreta um processo que domina o mercado, uniformiza os países e aprofunda as diferenças locais,

marginalizando-os cada vez mais. Essa marginalização implica uma desigualdade sistêmica que gera o aumento da pobreza, do desemprego crônico, de enfermidades (MARTÍN-BARBERO, 2014, p. 17-18), entre outras situações que geram essa marginalização que assola as diferenças nos países em função da globalização.

Por outro lado, a globalização não acarreta somente desigualdades, mas um conjunto de possibilidades, em mudanças possíveis em diversos setores sociais e culturais, como:

uma enorme e densa mistura de povos, raças, culturas e gostos que acontece hoje – embora com grandes diferenças e assimetrias – em todos os continentes, uma mistura somente possível na medida em que outras cosmovisões emergem com grande força, pondo em crise a hegemonia do racionalismo ocidental (MARTÍN-BARBERO, 2014, p. 19).

A globalização e os seus processos têm posto em evidência a questão das identidades culturais (étnicas, raciais e regionais),

a ponto de convertê-las em protagonistas de grande parte dos conflitos internacionais mais violentos e complexos dos últimos anos, ao mesmo tempo em que as identidades, incluindo as de gênero e idade, reconfiguram a força e o sentido dos laços sociais e as possibilidades de convivência no nacional e no local (MARTÍN-BARBERO, 2014, p. 23-24) (MARTÍN- BARBERO, 2010, p. 147-148).

A globalização enquanto um processo que inclui, também exclui, convertendo a cultura em um “espaço estratégico de compressão das tensões que rompem e recompõem o estar juntos e, também, um ponto de encontro de todas suas crises políticas, econômicas, religiosas, étnicas, estéticas e sexuais” (MARTÍN-BARBERO, 2014, p. 23-24) (MARTÍN-BARBERO, 2010, p. 147-148). Portanto, é a partir da diversidade cultural das histórias e dos territórios, das experiências e das memórias, em que não há somente resistência frente a globalização, mas também a negociação e a interação com ela, que se acabará por transformar essa globalização. Isso porque o que