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CAPÍTULO 1: Pressupostos teóricos e elementos do discurso analítico

1.2 Migração, urbanização e o meio técnico-científico-informacional

A urbanização brasileira é recente e, como nos demais países da América Latina, se articula com as mudanças na estrutura econômica e social dos países. A diferença do Brasil em relação aos locais que se urbanizaram anteriormente é a forma acelerada que o fenômeno ocorreu, apresentando-se de maneira diversificada em todo o território nacional (BRITO e FERNANDES, 2005). Nesse decurso, destacam-se alguns pontos: primeiro, é a concentração de um grande número de pessoas em aglomerações de cunho metropolitano e, também, nota-se o crescimento de aglomerados não metropolitanos. Segundo, é o crescimento de muitas dessas localidades, principalmente das regiões metropolitanas, sendo acompanhado pelo processo de periferização. Além da concentração de pessoas nessas áreas, ocorreu o processo de interiorização da urbanização, surgindo uma rede de cidades

de diferentes tamanhos e funcionalidades. Destaca-se também a urbanização das chamadas fronteiras agrícolas. Esse transcurso foi acompanhado por uma intensa industrialização brasileira, mas também “resultam do processo de reestruturação econômica em curso no país, cujos impactos se fizeram sentir, sobremaneira, na estrutura do emprego urbano e na dinâmica migratória” (MOTTA e AJARA, 2001, p.6).

Em 1940, o grau da urbanização brasileira era de 26% e, em 1980, alcança 67%. São os dados do censo de 1970 que revelam o ponto de inflexão do local de residência da população, em que ela passa de rural para urbana, tal como demonstra a tabela 01. Em 2010, esse percentual foi de 84%. Nesses cinquenta anos de urbanização o país passou por significativas mudanças estruturais. Esse crescimento que a população urbana experimentou é delineado por três pontos, que são: o “próprio crescimento vegetativo das áreas urbanas, da migração com destino ao urbano e da expansão do perímetro urbano de muitas localidades, antigamente consideradas rurais” (BAENINGER e PEREZ, 2011, p.5).

Tabela 1: População residente, por situação de domicílio. Brasil, 1950/2010

Ano 1950 1960 1970 1980 1991 2000 2010 Urbana 18.782.891 32.004.817 52.904.744 82.013.375 110.875.826 137.953.959 160.925.804 Rural 33.161.506 38.987.526 41.603.829 39.137.198 36.041.633 31.845.211 29.829.995 Total 51.944.397 70.992.343 94.508.573 121.150.573 146.917.459 169.799.170 190.755.799 Urbana 36,16 45,08 55,98 67,70 75,47 81,25 84,36 Rural 63,84 54,92 44,02 32,30 24,53 18,75 15,64 Distribuição percentual

Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1950/2010.

Contudo, o processo de concentração nas grandes cidades também está relacionado a processos históricos anteriores: a própria economia cafeeira dinamizou espaços e propiciou o fortalecimento da região concentrada11. Essas etapas anteriores

11 Para Santos (2005), a região concentrada é aquela que abrange os estados do Sul, no Sudeste: São Paulo e Rio de Janeiro e parcelas consideráveis do Espírito Santo. Trata-se de uma área contínua onde a divisão do trabalho é mais intensa do que no resto do país. “A região concentrada coincide com a área de manifestação do meio técnico-científico, cuja lógica corresponde às necessidades do presente estágio de desenvolvimento populacional” (SANTOS, 2005, p.43).

cristalizaram no espaço as “heranças técnicas” e permitiram, através do aparelhamento dos portos, a criação de ferrovias, entre outras técnicas, o início da integração do território e o surgimento da rede de cidades, marcadamente hierárquica (CANO, 1998a). Os planos desenvolvimentistas e o processo de substituição de importação demarcam a alocação das técnicas no território, tanto de produção quanto de circulação de mercadorias e de pessoas (SANTOS e SILVEIRA, 2005). São esses processos econômicos que Martine (1994) usa para explicar o processo de concentração populacional no Sudeste, bem como as grandes migrações históricas que delinearam o país:

Como as migrações se dirigem, preferencialmente, para as regiões de maior dinamismo econômico, era inevitável que a aglomeração progressiva das atividades produtivas redundasse numa tendência concomitante para um maior adensamento da população na região Sudeste, alimentado por fluxos migratórios. Embora a migração que aporta nas cidades brasileiras não seja tipicamente constituída por pessoas que vieram diretamente da área rural, não há dúvida de que o êxodo rural foi um alimentador fundamental da concentração urbana (MARTINE, 1994, p. 24).

Com o crescimento das grandes cidades e o Sudeste assinalando sua hegemonia, intensifica-se as disparidades regionais que caracterizam o país. Essas disparidades impulsionaram os movimentos populacionais no âmbito regional. Na escala intraurbana as desigualdades sociais também induziram deslocamentos, mas a gênese destes movimentos está relacionada a outros fatores, sendo que a concentração da população de alta renda valorizou os centros urbanos, o que gerou uma estrutura de constrangimentos e impeliu a população de baixa renda a ocupar as áreas periféricas deste centro (CUNHA, 1994).

A década de 1970 marca o início da difusão das técnicas pelo território e do meio técnico-científico-informacional, embora com grande desigualdade regional, sendo que o Sudeste e o estado de São Paulo continuam como polo de concentração das técnicas e do capital (SANTOS e SILVEIRA, 2005). Nesse período, até meados da década de 1980, o Sul do país, o Norte e o Centro-Oeste conheceram altas taxas de crescimento populacional, devido ao processo de expansão das fronteiras agrícolas que já advinham de períodos anteriores. Mas o censo de 1991 sublinhou um arrefecimento no crescimento das fronteiras. Ao mesmo tempo em que essas localidades, principalmente a região Norte e Centro-Oeste, foram caracterizadas pelo crescimento da população rural, elas também sofreram o

processo de desruralização e uma marcada concentração populacional nas áreas urbanas (CAMARANO e BELTRÃO, 2000). Para Santos (2005), o processo de urbanização em novas áreas é mais intenso, porque essas localidades não eram urbanizadas, eram praticamente virgens de infraestrutura, sendo mais fácil instalar técnicas onde não existem outras já materializadas:

Pôde, assim, receber uma infraestrutura nova, totalmente a serviço de uma nova economia moderna, já que seu território era praticamente livre de heranças de diferentes sistemas técnicos e sociais, de modo que o novo vai se dar, aí, com maior velocidade e rentabilidade(SANTOS, 2005, p. 132).

Assim, a situação anterior de cada local pesa sobre os processos recentes. Esse é um dos motivos que impediram uma maior urbanização no Nordeste: a estrutura fundiária hostil não foi receptiva a esse desenvolvimento técnico. Já o Sudeste, mais novo que o Nordeste e mais velho que o Centro-Oeste, consegue uma mecanização progressiva do território, aliada ao capital dominante. São Paulo é um bom exemplo do abandono constante do passado e abertura para o novo (SANTOS, 2005).

Nesse processo histórico de reorganização do espaço brasileiro, observa-se o aumento progressivo da população em cidades cada vez maiores. Em 1940, as cidades com menos de 20 mil pessoas concentravam 85% da população, diminuindo para 46% em 1980. Já os municípios com mais de 500 mil habitantes apresentaram crescimento, concentrando 8% da população em 1940, aumentando para 32% em 1980 (MARTINE, 1994). No período de 1940 a 1980, os aglomerados metropolitanos foram os que mais cresceram, sendo receptores de grandes contingentes populacionais, principalmente a RMSP, que recebeu grandes fluxos migratórios como os de nordestinos. Contudo, o censo de 1991 demarca um arrefecimento no crescimento dos grandes centros (BAENINGER, 2011; BAENINGER e PEREZ 2011). Para muitos autores, essa fase é caracterizada pela chamada desmetropolização, e está atrelada ao processo de desconcentração industrial e de deseconomias de aglomeração12 (ARAUJO, MOURA e DIAS, 2011). Para Martine (1994), o arrefecimento da metropolização foi marcado pelo crescimento do processo de

12 Os grandes centros por muito tempo foram vantajosos para a concentração industrial, mas a elevada concentração passou a gerar custos e desvantagens para a localização de indústrias em certos centros urbanos, principalmente nas grandes metrópoles. Nesse processo de “deseconomia” ocorre a desconcentração industrial.

periferização das metrópoles. O autor destaca que “em todas as RMs, exceto Belém, a taxa de crescimento dos municípios periféricos foi significativamente superior à dos seus respectivos municípios núcleos” (MARTINE, 1994, p.34).

Segundo Cunha (2003), os anos de 1980 demarcam a transformação na dinâmica econômica, social e demográfica, com rebatimentos nos processos de redistribuição espacial da população, onde novas localidades e outros tipos de deslocamentos ganharam importância. Porém, para o autor, este processo de desconcentração populacional deve ser relativizado, pois está muito mais circunscrito as regiões metropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro. E, mesmo aceitando essa desconcentração, deve-se salientar que não há um processo de equidade regional, pois as cidades pequenas continuam a perder população em favor das cidades maiores, o que mostra que os desequilíbrios regionais ainda permeiam a rede urbana:

O que se pretende mostrar, na verdade, é que a realidade da desconcentração metropolitana é apenas visível, e também relativa, no grande centro econômico e demográfico do país, representado pelos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, fortemente afetados pela grave crise econômica que assolou o país nos anos 80. Uma das consequências foi a redução significativa do crescimento de suas áreas metropolitanas, em função de uma redução importante da imigração e também de um aumento da emigração intra e interestadual (CUNHA, 2003, p. 225).

Para Panizzi (1990), a involução metropolitana deve ser relativizada ao considerar dois fatores: primeiro, é que as metrópoles brasileiras continuam influenciando o crescimento de muitos núcleos urbanos de porte médio em expansão. O que se constata é que a maioria desses municípios que estão em crescimento, estão localizados, em grande parte, em áreas metropolitanas, ou próximos a elas, portanto, nos seus eixos de expansão. De acordo com Silva (2013), esse primeiro fator demonstra a ampliação do espaço de assentamento da metrópole, ou seja, o que ocorre é uma relação de complementariedade da metrópole com outras localidades, que muda de acordo com a escala regional:

Nessa ampliação do espaço de assentamento torna-se importante considerar uma articulação espacial que envolva diversas escalas, a expansão metropolitana evidencia a necessidade de ter uma perspectiva mais regional, já que a urbanização prossegue se expandindo para outras regiões do país, apresentando também características de metropolização. Processos como este podem ser apontados, como a integração urbana e econômica entre a RMSP e as quatro áreas urbanas industriais próximas, constituídas por Campinas, São José dos Campos, Sorocaba e Santos (SILVA, 2013, p.31).

nível da rede urbana, as metrópoles brasileiras ainda são sublinhadas pela concentração das atividades econômicas mais modernas, da grande indústria, dos serviços especializados, dos negócios financeiros e dos meios de comunicação assentados nas tecnologias de ponta. Enfim, “permanecem sendo, nessas circunstâncias, o espaço privilegiado da produção do conhecimento técnico-científico e das instâncias de decisão política” (PANIZZI, 1990, p.51). Portanto, as metrópoles continuam como o lócus, por excelência, das relações sociais e econômicas, e acompanham de perto as mudanças ocasionadas pelo processo de globalização e mundialização da economia, bem como as transformações tecnológicas do processo produtivo, que resultam em uma configuração territorial diferenciada. Esta configuração conjuga espaços marcados por elementos de modernização e outros de atraso. As metrópoles brasileiras configuram bem essa conformação e têm consequências difundidas em todo o seu sistema urbano, como destaca Panizzi (1990):

Contudo, o que se verifica é uma modificação do perfil de urbanização brasileira onde a rede urbana assume novos contornos marcados pelas diferenças inter- regionais, as cidades de porte médio têm o seu espaço redefinido pelo crescimento populacional e pela modificação dos processos socioeconômicos, e as metrópoles veem o seu papel e suas funções transformadas tanto ao nível da definição do sistema de cidades quanto ao nível da estrutura interna mantendo, porém, o seu papel de liderança (PANIZZI, 1990, p.52).

Assim, para Benko (1996), a reestruturação dos espaços da rede urbana, e de sua hierarquia funcional, resulta da localização e da interação de três elementos, que são: as indústrias de alta tecnologia, as atividades artesanais e as economias de serviços. A localização de cada um desses elementos dá a cada lugar uma funcionalidade e uma primazia diferenciada na rede de cidades. Concomitantemente, as economias de serviço costumam estar nos espaços metropolitanos, juntamente com as indústrias de alta tecnologia. Isso porque o contingente de trabalhadores especializados e a estrutura técnica- informacional tendem a ser encontrados nas grandes metrópoles (SASSEN, 2003). Já as outras atividades costumam ter um padrão mais disperso pelo espaço.

Mesmo com o processo de compressão espaço-tempo (HARVEY, 1992), consequência da nova ordem econômica e da difusão das tecnologias, a organização espacial e a localização das atividades nas aglomerações urbanas ainda possuem um sistema que demanda logística. Tais fenômenos afirmam a cidade de São Paulo como ponto

central da rede urbana nacional, estando articulada com a rede mundial de cidades globais. Assim, dentro da chamada macrometróple paulista, observa-se uma efetiva tendência de desconcentração industrial, partindo da RMSP em direção aos polos adjacentes, que agora redefinem seus papéis dentro da rede urbana, e são caracterizados pelo crescimento de muitos municípios que, devido a este incremento, passaram para a categoria de núcleos urbanos de porte médio13 (ARAUJO, MOURA e DIAS, 2011).

Com a constante difusão da técnica no espaço brasileiro, principalmente com o processo de reestruturação produtiva, presenciam-se as especializações do território que são as causas das complementariedades regionais. São essas complementaridades, dentro do sistema técnico, que impõem uma maior circulação. Nesse sentido, essas complementariedades, em escala regional, seriam vetores de deslocamentos:

Essas complementariedades fazem com que, em consequência, se criem necessidades de circulação, que vão tornar-se frenéticas, dentro do território brasileiro, na medida em que avança o capitalismo [...] Estamos diante de um novo patamar quanto a divisão territorial do trabalho. Esta se dá de forma mais profunda, e esse aprofundamento leva a mais circulação e mais movimento em função da complementariedade necessária. Mais circulação e mais movimento permitem de novo o aprofundamento da divisão territorial do trabalho e isso cria, por sua vez, mais especialização do território. Amplia-se o círculo, nesse caso virtuoso (ou será vicioso?) (SANTOS, 2005, p.136).

Com a difusão do meio técnico-científico-informacional, e com a redefinição dos sistemas de cidades, muitas localidades passaram a receber um grande “contingente de classes médias, um número crescente de letrados, indispensáveis a uma produção material, industrial e agrícola que se intelectualiza” (SANTOS, 2005, p.143). Os movimentos migratórios, nessa perspectiva técnica, passam a estar relacionados, portanto, a fluxos “ascendentes” e “descendentes”.