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2.4 REGIMES DE APROVEITAMENTO ECONÔMICO DOS RECURSOS

2.4.6 Mineração em terras indígenas

A Constituição Federal de 1988 incorporou ao ordenamento jurídico brasileiro a consideração das diferenças socioculturais no trato e no estabelecimento de direitos, dedicando aos povos indígenas um capítulo de prerrogativas para garantir sua subsistência e integridade étnica e cultural.

Nesse sentido, o art. 231 da Carta Magna garante aos povos indígenas o reconhecimento de sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, bem como o direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam.

Consagra-se, assim, em âmbito constitucional, o direito de ser diferente, descrito segundo Dantas como “o direito de ser reconhecido, enquanto pessoas e grupos, com valores diferenciados que conceituam bens jurídicos também diferenciados, no que se refere a línguas, crenças, rituais, músicas, artefatos materiais e práticas sociais”, constituindo o fundamento para um Estado realmente democrático e pluralista de direitos.82

A partir desta compreensão, aliada ao reconhecimento do valor cultural dos bens portadores de referencia à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, disposto no art. 216 da Constituição, assume o Estado brasileiro, a base pluralista e etnodiversa que configura seu mosaico social, configurando esta pluralidade como um princípio constitucional, admitido de forma implícita, de modo a determinar o respeito e a consideração de todas as formas de expressão, mesmo que distintas da cultura nacional dominante83.

Com efeito, salienta Silva que a garantia da terra se erige como no ponto nuclear dos direitos constitucionais dos índios, já que estas se revestem por um valor de sobrevivência

82

DANTAS, Fernando A. Carvalho. Humanismo latino: o Estado brasileiro e a questão indígena. 2003, p. 493. 83

física e cultural, levando em conta que não “se ampararão seus direitos se não se lhes assegurar a posse permanente e a riqueza das terras por eles tradicionalmente ocupadas (...)”84

Deste modo, ao considerar como terras indígenas85 as regiões por eles habitadas, as áreas utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, demonstra a Constituição uma forte preocupação em assegurar elementos para que estes povos possam continuar a existir como grupos sociais distintos, com a sobrevivência dos valores e modos de vida que lhe são inerentes.

Por este motivo, a exploração dos recursos minerais localizados em terras indígenas possui um regime jurídico diferenciado, oferecido pela própria Constituição.

Segundo os termos do art. 176 da Carta Maior, a pesquisa e a lavra de recursos minerais obedecerá condições específicas, dispostas na forma da lei, quando desenvolvida em terras indígenas.

Da mesma forma, já no capitulo dos direitos indígenas, estabelece o art.231, parágrafo 3º, que a pesquisa e lavra de riquezas minerais em terras indígenas “só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.”86

Conforme ressalta Santilli, tratando-se de mineração em terras indígenas, além dos requisitos genéricos, impõe a Constituição, o cumprimento de três condicionantes específicos, previstos como forma de proteção aos povos indígenas, mantendo coerência com as garantias estabelecidas em favor destas comunidades.87

Deste modo, para que seja exercitada de maneira legitima, a lavra de minerais localizados em terras indígenas depende: a) de autorização do Congresso Nacional; b) do consentimento prévio das comunidades afetadas e; c) da participação das comunidades nos resultados da lavra.

No que tange ao primeiro destes requisitos, prescreve Silva que “Ao Congresso Nacional se imputou o julgamento de cada situação concreta, para sopesar os direitos e interesses dos índios e a necessidade da prática daquelas atividades (...)”.88

Por seu turno, a necessidade de consulta às comunidades afetadas deriva da autonomia que a Constituição oferece na gestão de seu território e garante aos povos indígenas o poder

84 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 1997, p.781. 85

Constituição Federal, art. 231, parágrafo 1º.

86

Art. 231, parágrafo 3°, Constituição Federal. 87

SANTILLI, Juliana. Aspectos jurídicos da mineração e do garimpo em terras indígenas. 1993, p.146-147. 88

de influenciar ativamente na definição da aceitabilidade e pertinência da execução da mineração em suas terras. Tal consentimento precisa ser efetivado de maneira prévia à realização do empreendimento minerário e não pode ser suprimido ou substituído por outro documento.

Já a garantia de participação das comunidades indígenas nos resultados da lavra em suas terras é mecanismo que decorre diretamente do direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais atribuído pela Constituição.

Os bens e recursos situados em terras indígenas se destinam a garantir o seu bem-estar e sua sobrevivência física e cultural. Assim, mesmo quando permitida sua exploração por terceiros, estes não perdem esta sua vinculação, sendo necessário reverterem em benefícios aos seus usufrutuários para que cumpra com sua função constitucional.

No entanto, tanto o procedimento, quanto a forma de cumprimento destas condicionantes especiais dependem de respectiva regulamentação efetivada por meio de lei ordinária, o que até o presente momento não foi concretizado, importando, assim, na vedação da implementação lavra em terras indígenas.89

Quanto à realização do garimpo nas terras indígenas, a Constituição e a legislação ordinária oferecem uma solução distinta da aplicável à atividade de lavra.

Enquanto a pesquisa e lavra se submetem a condições especiais, a garimpagem é expressamente vedada pela Carta Magna, por meio do parágrafo 7° do art. 231, que prescreve que não se aplicam às terras indígenas o disposto no art. 174, parágrafos 3° e 4° da Constituição, que cuidam do favorecimento da organização da atividade garimpeira em cooperativas.

Nesta perspectiva, estabelece também a Lei n° 7.805/89, art. 23, alínea “a”, que a permissão de lavra garimpeira não se aplica às terras indígenas.

Nestes termos, o único modo de exercício legítimo de garimpo de minerais em terras indígenas é aquele executado diretamente pelos próprios integrantes da comunidade indígena a quem pertence a área, haja a vinculação dos recursos naturais ao bem estar e sobrevivência destas comunidades.

Este é entendimento que se retira do disposto na Constituição e afirmado expressamente pelo art. 44 do Estatuto do Índio90, que indica serem “as riquezas do solo, nas áreas indígenas, somente pelos silvícolas podem ser exploradas, cabendo-lhes com exclusividade o exercício da garimpagem, faiscação e cata das áreas referidas.”

89

SANTILLI, Juliana. Aspectos jurídicos da mineração e do garimpo em terras indígenas. 1993, p.147. 90