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1 INTRODUÇÃO: MEU MEMORIAL DAS AFRICANIDADES

1.6 Minha história

Nasci no bairro histórico do Monte Castelo, um bairro de Fortaleza que guarda em seus casarões sua historiografia, momentos de ouro da sociedade fortalezense, quando criança ia para o centro da cidade a pé, tudo era mais fácil, próximo de casa. Minha mãe também era de Fortaleza, meu pai era natural de Quixadá, tinha uma história amarga por lá, era de família muito pobre e negra, foram expulsos de suas terras por grilheiros, uma história a pesquisar, ele chegou ainda jovem em Fortaleza, aos 14 anos.

Sou filha de afrodescendentes, mãe de Anna Raquel Magalhães Moreira, 22 anos de idade, menina de traços afro, que é mãe de João Miguel Magalhães Ponte, meu neto de 2 anos de idade, retrato da mãe dele e muito parecido com meu pai, pelos olhos azuis/esverdeados e cabelos crespos claros. Disseram-me que meu avô paterno, Sr. José Maria da Silva (falecido), era negro e que minha avó D. Maria José Gomes da Silva (falecida), que conheci ainda criança, ela era branca de olhos azuis e cabelos afro, resultando assim no meu saudoso pai Sr. Oscar Gomes da Silva, falecido em 30/03/2007. Ele tinha pele branca, olhos esverdeados e cabelos afros, num tom muito claro. Era um homem muito bonito, um retrato falado da mestiçagem de muitos brasileiros.

Contudo, meu pai sofreu muita discriminação pelos estereótipos de suas característica africana, relativos ao cabelo afro que possuía, chamavam-no de ‘cabra’, ‘sangue ruim’ e ‘cabelos de Bombril’ ‘pixaim outros cognomes preconceituosos. Sempre notei nele a vergonha pelo cabelo que possuía e isso foi criando nele uma vontade de esconder seus traços. Assim, lembro-me que quando criança ele comprava uma pasta azul para alisar os cabelos, isso era cotidiano, pois não suportava quando a raiz africana crescia. Eu sentia o sofrimento nele.

Homem trabalhador e honesto, nascido em Quixadá, não mantinha muitos contatos com seus parentes. Nunca entendi essa maneira de se distanciar da sua terra natal, desse

modo, não tenho muitas informações sobre minha ancestralidade paterna. Depois que ele faleceu, resolvi visitar Quixadá e pesquisar sobre minha origem.

Quase todos meus os irmãos e minhas irmãs possuem traços afros, mesmo com cabelos lisos, alguns fios grossos e ondulados, que no salão de beleza chamam de fios rebeldes (forma preconceituosa de falar). Outros têm cabelos crespos como uma irmã que tem os cabelos fielmente afros. Porém, todos têm a cor da pele muito branca, exceto eu e meu irmão mais velho que somos mais escuros de cor. Penso que com isso nós somos todos/as da raça negra, muito embora eles não pensem como eu.

Eu mesma só vim a considerar isso a partir do Curso de Especialização nos quilombos Minador e Bom Sucesso no município de Novo Oriente, quando passei a pensar, compreender diferente no que diz respeito à minha autoafirmação. Na minha família sempre houve uma rejeição à minha irmã mais caracterizada como negra, por conta dos cabelos afros, levando inclusive a um sentimento de competição entre mim e ela por eu ter os cabelos mais lisos, isso em casa com meu pai, que sempre brincava, dizendo que sou mais bonita que ela, por conta do cabelo. Posso dizer que esse comportamento preconceituoso teve um impacto negativo sobre nós durante nossa infância e adolescência, principalmente pela minha irmã que teve problemas de relacionamentos com as pessoas, chegando até em não querer mais estudar.

Com isso, quando fui realizar minhas graduações, no decorrer de minha vida, fiquei curiosa em buscar referências que me permitissem entender mais sobre essa origem afro. E todos meus estudos procurei aprender e conhecer quem somos e de onde viemos.

Cursei a graduação, em 1999, em Ciências da Religião no (ICRE-Instituto de Ciências Religiosas), hoje Faculdade Católica. Naquela época pensei em aprender algo sobre as religiões de matriz africana, mas no Seminário da Prainha essas não eram consideradas religiões e sim seitas, sendo que à época o referencial estudado era predominantemente católico. Depois, por necessidade, da minha lotação no Colégio Militar do Corpo de Bombeiros, na qual lecionava o fundamental I, de acordo com exigência da LDB, cursei ao mesmo tempo o curso de Pedagogia na Universidade do Vale do Acaraú – UVA (2000) e Psicopedagogia na Universidade Federal do Ceará - UFC (2002), mas vi poucas referências à cultura afro-brasileira e geralmente, quando existiam, era de forma distorcida. Com o advento da Lei 10.639/03 cursei História na UVA (2006) para aprender um pouco mais sobre a

História da África como final de curso veio-me à luz de escrever minha monografia sobre a implementação da Lei 10.639/03, assim escrevi um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) com o título: O Ensino da História Afro-brasileira e Africana: Como Formação Humana Anti- Racial no ensino Fundamental e Médio.

Depois de um ano cursei uma pós-graduação (2009) por uma faculdade mineira, a Faculdade Noroeste de Minas (FINOM), em Ensino Religioso, quando ao término escrevi um artigo com o seguinte título: “Ensino Religioso e o Sincretismo: Refletindo as Tradições Religiosas Afro-brasileiras”. Também sou graduada em Letras/Português pela UFC (2007), busquei tal graduação para aprender sobre o tronco linguístico afrodescendente tão presente em nossa língua, mas são pouquíssimas as referências, de cinco estágios do curso, não há nenhum relativo à relação africana no português, sendo que só há uma disciplina optativa em relação às africanidades, a de literatura africana. No decorrer de minha história acadêmica e do magistério, sempre me aproximava de nossa origem mais forte: a africana. Percebendo a forte influência que tinha na minha família, nos meus alunos e no lugar onde vivo.

Também sou professora concursada da Prefeitura Municipal de Caucaia, estou no momento a disposição do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Caucaia– SINDSEP, onde ocupo a pasta de Secretaria de Comunicação e Cultura e hoje interina na pasta da Secretaria da Promoção da Igualdade Racial.

A Pretagogia foi a referência teórico-metodológica criada para o curso de Especialização em História e Cultura Africana e dos Afrodescendentes para Formação de Professores de Quilombo, este nome foi desenvolvida durante o curso pela Sandra Petit e Geranilde Costa e trabalhados com os alunos. Tal referência metodológica tratou-se de um verdadeiro laboratório para o aprendizado dos docentes e discentes e fez parte fundamental das minhas transformações interiores, fortalecendo-me como o referencial metodológico da minha própria pesquisa no mestrado e principalmente minha mudança interior, minha afirmação a ser negra.

Nascida das nossas experiências e intervenções em diversos grupos universitários e não universitários, a pret@gogia se revela potencializada de muitas mudanças: desde a descoberta de seu pertencimento étnico (as pessoas foram mudando de cor durante o curso, tornando-se pretas), até o reconhecimento de praticar o racismo na infância, passando por uma maior inter-ligação corpo e natureza, o estar no lugar Quilombola, o reconhecimento de pertencer a uma linhagem que leva até a África, o pertencer em

atos, tradições, atitudes e tecnologias a presença marcante das africanidades no seu cotidiano, o desvelar de uma História até então mal contada sobre a África, e a população negra, o desejo de interferir e transformar suas realidades dentro e fora da escola, a valorização da cosmovisão africana e a desmistificação e revisão de preconceitos arraigados a respeito das religiões de matriz africana. (SILVA & PETIT, 2011, P. 98

Em 2013 gerei dois filhos na literatura, o primeiro foi um artigo para o livro

Africanidades Caucaienses organizado por Sandra Haydée Petit e Geranilde Costa e Silva,

momento em que a Pretagogia surgiu com as mães Sandra Petit e Geranilde Silva. E o segundo, um livro de poesias, com poesias em geral (coletânea) e afro.

PRETAGOGIA

As duas moças pensaram Sandra e Geranilde Com uma sociedade multicor, Em que todos se respeitassem

Onde só poderia existir amor Com utopias de liberdade

A teoria se desenhou

Pedagogia para pretos, índios e brancos A teoria em gestação apresentou

Sandra pariu, assim originou Geranilde benzeu e batizou

Pretagogia, o nome ficou.

Com a morte de minha mãe comecei a pesquisar e escrever sobre rezadeiras, para resgatar essa história familiar, talvez esta fosse uma forma de estar próxima a minha avó e a minha mãe e, principalmente, começar a construir o projeto de mestrado intitulado ‘Dimensão Africana na Oralidade das Rezadeiras nos Quilombos das Serras do Juá e Porteiras: Rezas e Rimas Como Instrumento de Transposição Didática Literária’, no decorrer do tempo mudou para: ‘Marcadores das africanidades no ofício das rezadeiras de quilombos de

(Caucaia/Ce): uma abordagem da Pretagógica’.

Minha vontade na pesquisa, era de aprofundar a identificação dos marcadores das africanidades estudados na Pretagogia desde a especialização a partir de minha ancestralidade e em seguida no local onde trabalho e moro, onde há quilombos, para desconstruir essa ideia absurda e racista de que em Caucaia não há negros.

Desde as escritas inspiradas nas lembranças da minha vida, da minha ancestralidade, gerei, também em 2013, em março, o meu segundo filho da literatura, o livro intitulado: Eu e

a poesia: coletânea Poética, pela Ed. Premius, com homenagens aos meus entes que

desencarnaram, especialmente a minha mãe, além de muitas poesias afro tais como: Revolta da chibata; Poesia Ancestral; Africanidade; Identidade; Nega eu Sou e Canto Poético ao Baobá III, uma homenagem ao evento do Núcleo de Africanidades Cearense-NACE-FACED- UFC, grupo de estudo, sob a coordenação de minha orientadora Sandra Petit, que promove anualmente, o “Memórias do Baobá”, evento de âmbito nacional, na qual reúne professores(as), alunos(as), pesquisadores(as) e ativistas em geral, no passeio público, onde está localizada uma árvore de origem africana ‘Baobá’.

Durante o curso de mestrado em Educação, pela Universidade Federal do Ceará (UFC), participei de muitos eventos nacionais e internacionais na área. Sob a orientação da professora Dra. Sandra Haydée Petit. Escrevi, durante dois anos, muitos artigos, uns sozinha e outros em coletivo, tais como:

• Mulheres Rezadeiras:: Memória e Percepção de Elementos das Africanidades na Prática da Reza que será publicado nos Anais do VI Artefatos da Cultura Negra, que aconteceu no início do mês de setembro de 2015, apenas de minha autoria;

• A Poética Literária das Rezadeiras: Aspectos das Africanidades nos Versos das Rezas que foi publicado nos Anais do VIII Congresso Brasileiro de Pesquisadores (as) Negros(as) – ações Afirmativas: Cidadania e relações Étnico-Raciais – COPENE em 2014, de minha autoria;

• Oralidade e Filosofia Tradicional africana: Conceitos de Hampaté Bâ e Influências nas africanidades Brasileiras, artigo que compõe o livro sob organização do professor da programa de Educação da UFC, Dr. Gerardo Vasconcelos sob titulo: Filosofia, Cultura e Educação da Ed. UFC, em 2014, o artigo tem minha autoria, Cláudia Oliveira da Silva e Rafael Ferreira da Silva.

• Ainda tem o Artigo: ‘Eu te Benzo, Eu te Curo...’ A Rezadeira e a Educação

Quilombola: Mandalas dos objetos Geradores na Serra do Juá que compõe o livro organizado por Shara Jane, Sandra Petit, Iraci dos Santos e Jacques Gauthier,

intitulado: Tudo que Não Inventamos é Falso, esse artigo foi resultado de uma oficina da sociopoética na Serra do Juá em Caucaia, tem minha autoria, Cláudia Oliveira da Silva e Maria Kellynia Farias Alves e Sandra Haydée Petit.

Ainda participo assiduamente da agenda do grupo de estudo voltado a essa área o NACE10. Com isso o interesse pela causa africana foi tornando-me uma militante em defesa de nossas pertenças culturais e étnicas. Hoje, com o aprendizado que tive no NACE, através do curso de Especialização em História e Cultura Africana e dos Afrodescendentes para Formação de Professores de Quilombos, meu interior foi transformando-se. O curso serviu- me como uma porteira para afirmação da afrodescendencia e da negritude no meu sangue, na minha alma e em tudo que faço e sou.

Nessa caminhada, recebi convites valorosos e hoje sou uma das fundadoras da primeira Academia Afrocearense de Letras do Brasil, a AAFROCEL, fundada pelo guineense africano Manuel Casqueiro, herói da libertação de países africanos. Minha cadeira é a 4 e sou patrona, por ser fundadora. Na academia pretendo compartilhar essa pesquisa e a Pretagogia com todos e todas. Também ocupo a cadeira 40 da Academia de Letras Juvenal Galeno. Meu patrono é Capistrano de Abreu, historiador cearense que escreveu sobre a etnografia11, também lá será lugar de fortalecer a literatura afrodescendente. As reuniões acontecem na casa Juvenal Galeno, natural de Pacatuba, conterrâneo de meus: bisavô, bisavó e avó e avô maternos e defensor da abolição do escravismo, participou do movimento abolicionista e da Padaria espiritual.

10 NACE- Núcleo das Africanidades Cearenses. 11

Etnografia é o estudo descritivo da cultura dos povos, sua língua, raça, religião, hábitos etc., como também das manifestações materiais de suas atividades. É a ciência das etnias. Do grego ethos (cultura) + grafe (escrita). (Fonte: Wikipédia)

AFRICANIDADES

Eliene Magalhães

Aprendi com a pesquisa, nos quilombo de Caucaia E na universidade.

Ao perceber minhas origens ancestrais. Origens revistas nos marcadores das africanidades.

Inspiradas em vidas de familiares. Através das aulas de Sandra Petit

Pude refletir a história familiar Pude sentir em minha família Fatos e fotos de histórias em vidas Lembranças e detalhes as vezes tão perdidas

Outras vezes presentes e reconhecidas. Palavras ditas e reveladas na reza e gestos.

Hoje afirmo quem sou, não sou parda, branca nem morena Sou negra, sou afrodescendente.

Tenho minha história dos antepassados Minha História tem África.