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CAPÍTULO 5 – TEXTO: O Discurso e a Reforma: o enigma da Esfinge

5.3. O Discurso e a Reforma: o enigma da Esfinge

5.3.4. Missão da universidade

A missão da universidade é tratada no discurso segundo os enunciados apresentados no quadro abaixo.

públicas têm 26,5% dos estudantes com renda familiar até R $720,00, enquanto as privadas têm apenas 12,9%” (idem)

Quadro 10: Missão da Universidade

E Autor Artigo Enunciado

29 Genro e

Mota

Reforma Universitária

A missão central e estratégica da universidade é formar profissionais de qualidade, produzir e divulgar ciência e tecnologia, assim como cooperar no entendimento do homem e do meio em que vive

30 Genro Reforma

universitária em debate

O processo de formação da Nação Brasileira teve sucessivas interrupções, o que evidencia que um projeto de recuperação e de melhora substancial do ensino superior necessita levar em consideração esta questão, bem como a necessidade imperiosa do desenvolvimento regional e a importância de gerarmos conhecimento para reposicionarmos nossa base industrial, agregando valor à nossa produção e alavancando,do ponto de vista econômico e social, este projeto nacional

31 Genro Uma reforma

que interessa a todos os brasileiros

as universidades brasileiras, portanto, devem ser pensadas em conexão com os grandes impasses que deverão ser superados pelo Brasil nas próximas décadas. Nossas instituições de ensino superior devem, também, interagir com as vocações regionais repartindo o saber e a tecnologia com a base da sociedade .

32 Mota Bem público a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) é a primeira instituição no país em número de patentes transferidas para o setor produtivo e a Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ) ocupa a primeira colocação em quantidade relativa de programas de pós-graduação de nível internacional. Essas e outras excelentes escolas devem ser referência e servir como parâmetro no futuro para todas as instituições de ensino superior, sejam elas públicas ou privadas .

33 Genro Público,

gratuito e de qualidade

a universidade, na nossa visão, tem um papel estratégico num novo projeto de desenvolvimento, que compatibilize crescimento sustentável com justiça social

Enunciado 29: A missão central e estratégica da universidade é formar

profissionais de qualidade, produzir e divulgar ciência e tecnologia, assim

como cooperar no entendimento do homem e do meio em que vive (GENRO e MOTA, 2004)

No enunciado acima, o locutor do discurso recorre às concepções de missão e de estratégia que são próprias do discurso empresarial.

Para Ferrell, “a declaração da missão define uma organização e descreve sua razão de ser, o que e quem ela representa e os valores ou crenças que a mantém (FERRELL et al, 2000,22).

Já estratégia, termo originalmente utilizado no discurso militar para significar as decisões quanto a operações de guerra, refere-se, no discurso empresarial, à criação de uma posição exclusiva e valiosa, envolvendo diferente conjunto de atividades, segundo Porter e à busca deliberada de um plano de ação para desenvolver e ajustar a vantagem competitiva de uma empresa, conforme Henderson. Baseia-se, portanto na idéia de que cada um precisa ser diferente o bastante para possuir uma vantagem única, que lhe permita superar em desempenho os seus concorrentes.

Ao declarar como missão da universidade a formação de recursos humanos altamente qualificados e produção e divulgação de ciência e tecnologia, tendo em vista o entendimento do homem e do meio, o autor propõe uma descrição da razão de ser da universidade (produzi e divulgar conhecimento) e os valores e crenças que a mantém (o entendimento do homem e seu meio). Silencia, entretanto o que e a quem ela representa.

Enunciado 30: O processo de formação da Nação Brasileira teve sucessivas interrupções, o que evidencia que um projeto de recuperação e de melhora substancial do ensino superior necessita levar em consideração esta questão, bem como a necessidade imperiosa do desenvolvimento regional e a importância de gerarmos conhecimento para reposicionarmos nossa base

industrial, agregando valor à nossa produção e alavancando,do ponto de

vista econômico e social, este projeto nacional (Genro, 2004b)

Considerando que a missão da universidade é estratégica por gerar vantagem competitiva para que o país possa competir no concorrido mercado globalizado, tal vantagem competitiva, segundo o discurso que analiso, deve

ser empregada para promover o desenvolvimento regional e agregar valor à produção.

A necessidade de desenvolvimento regional ou o enfrentamento das desigualdades regionais é um “mote” há muito utilizado pelos governos brasileiros, já que temos diferenças regionais de tal modo que, considerando o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) são identificadas regiões do país com IDH próximo aos países mais desenvolvidos e outras com expectativa de vida, escolaridade e renda, semelhante a regiões africanas com baixo IDH.

Todavia, apesar de ressaltada em discursos como questão ser resolvida, a desigualdade regional permanece.

Enunciado 31: as universidades brasileiras, portanto, devem ser pensadas em conexão com os grandes impasses que deverão ser superados pelo Brasil nas próximas décadas. Nossas instituições de ensino superior devem, também,

interagir com as vocações regionais repartindo o saber e a tecnologia com

a base da sociedade .(GENRO , 2005d)

O ministro Tarso Genro destaca neste enunciado a necessidade de interação da universidade com as vocações isto é, com os talentos, aptidões, inclinações regionais, provavelmente por considerá-las como diferenciais competitivos dessas regiões, interpretação que é autorizada pela presença da perspectiva empresarial no discurso analisado.

Assim a interação das universidades com as vocações regionais repartindo o saber e a tecnologia com a base da sociedade é uma decisão estratégica de governo e missão estratégica da universidade.

Enunciado 32: a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) é a primeira instituição no país em número de patentes transferidas para o setor

colocação em quantidade relativa de programas de pós-graduação de nível internacional. Essas e outras excelentes escolas devem ser referência e servir como parâmetro no futuro para todas as instituições de ensino superior, sejam elas públicas ou privadas . (MOTA,2005b)

Este enunciado traz a definição mais clara de como o discurso significa a função da universidade, sua missão estratégica: gerar conhecimento e tecnologia que possam ser imediatamente utilizados para a produção e formar profissionais altamente qualificados em seus programas de pós-graduação.

Ao indicar a UFMG e a PUC-RJ como modelos para todas as instituições de ensino superior, o autor desconsidera que a maioria dessas instituições resume suas atividades a cursos de graduação, logo apenas as universidades podem aspirar equiparar-se às duas universidades citadas.

A definição do número de patentes que a universidade transfere para o setor produtivo como critério de excelência, representa a lógica privatista, significa a apropriação privada do conhecimento e, no caso citado, conhecimento gerado em uma universidade pública que é mantida com os recursos de toda sociedade.

Esta posição é incoerente com a defesa da educação como bem público, da universidade como aberta e inclusiva e com a preocupação demonstrada quanto ao comércio educacional, expressadas em enunciados anteriormente analisados.

Enunciado 33: a universidade, na nossa visão, tem um papel estratégico num novo projeto de desenvolvimento, que compatibilize crescimento sustentável com justiça social (GENRO, 2004a)

Crescimento sustentável é uma expressão que encerra a idéia de que o desenvolvimento das forças produtivas e a realização da produção precisam considerar as limitações dos recursos naturais disponíveis no planeta e os danos que podem causar ao meio ambiente, de forma a atender as

necessidades presentes, sem comprometer a possibilidade das gerações futuras atenderem às suas próprias necessidades.

Justiça social é uma concepção cara à Doutrina Social da Igreja, que não condena a propriedade privada e o capitalismo, mas seus abusos individualistas. Alguns Papas explicitaram a preocupação da Igreja Católica com esta questão. Pio IX, na encíclica Quadragesimo Anno divulgada em 1931, clamava pela justa distribuição da riqueza segundo as exigências do bem comum e da justiça social. Paulo VI em 1967 indicava, na encíclica Populorum Progressio, as obrigações das multinacionais que deveriam ser pioneiras da justiça social e em 1975 na Evangelii Nuntiandi defendia a justiça social como parte integrante da fé.

É também, juntamente com a idéia de crescimento ou desenvolvimento sustentável, cara ao paradigma que defende a possibilidade e a necessidade da humanização do capitalismo.

Assim crescimento sustentável com justiça social seria uma máxima que exorta o capital a pautar suas ações em certos valores morais e comprometer- se com a defesa da qualidade de vida das gerações presentes e futuras.

O discurso da humanização do capitalismo, que mascara os mecanismos de sustentação deste modo de produção - a exploração e dominação do homem e da natureza -, é compatível com a idéia de fim da história, isto é, nada há além do horizonte do capital. Também acena com a esperança de que é possível, a partir de uma reforma cultural e moral que tem por base a consciência ecológica e a solidariedade social, que a produção seja orientada para o atendimento das necessidades sociais da população e os conflitos de interesses entre as classes sejam negociados.

A análise que realizei do discurso político do governo Lula sobre a universidade, permite destacar como suas idéias centrais: a educação como bem público, a responsabilidade do Estado com a garantia da qualidade dos serviços e produtos das instituições de ensino superior, a democratização da

universidade e sua interação com a sociedade civil e a contribuição da universidade para o projeto de nação soberana e desenvolvimento sustentável.

Trata-se de um discurso “politicamente correto”, que tem forte impacto positivo junto à opinião pública, especialmente quando acena com a construção de uma nação com crescimento sustentável e justiça social e com a possibilidade de acesso das pessoas de baixa renda à educação superior. Atende, portanto ao objetivo de criar um ambiente social favorável para a aprovação do Anteprojeto de Lei da Educação Superior.

Porém, a análise acurada permite identificar que idéias de forte impacto como educação como bem público e direito social, Estado como guardião da qualidade e universidade autônoma e democrática, são (re)significadas e compatibilizadas com outras que lhes são opostas.

Assim, a idéia de educação como bem público é (re)significada neste discurso e compatibilizada com a concepção de que, instituições de ensino com fins lucrativos, embora regidas pela lógica do mercado, são instituições públicas. Assim educação é ao mesmo tempo bem público e mercadoria.

Já a noção de educação como direito social é combinada com a de mérito, sob o princípio da igualdade de oportunidades, logo, o usufruto do direito é condicionado ao mérito. Tem direito à educação superior quem é capaz.

A imagem do Estado como guardião do interesse geral e da democratização do acesso ao ensino superior é combinada com a compra de vagas em instituições particulares, reduzindo assim o quantitativo de vagas ociosas de que dispõem. O interesse privado é metamorfoseado em interesse público.

A sociedade civil, reconhecida e legitimada como interlocutora da universidade é restrita a pessoas jurídicas. Portanto, os movimentos sociais

que não se organizam legalmente e gozam desse status estão excluídos do diálogo.

A autonomia didática e científica é combinada com destinação de recursos segundo resultados de avaliações e contratos de gestão. É a autonomia regrada por parâmetros decididos por quem financia a universidade

Por outro lado a defesa da democratização do acesso à educação superior, da inclusão social pela educação e o repúdio ao lucro fácil e à mercantilização do ensino, conforme significados no discurso, são coerentes com a idéia de humanização do capitalismo, que fundamenta a concepção de crescimento sustentável com justiça social, indicado como diretriz do projeto de desenvolvimento, que o governo Lula pretende implementar no país, com a contribuição das instituições de ensino superior, entre elas a universidade.