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O discurso sobre a universidade como objeto de análise

CAPÍTULO 5 – TEXTO: O Discurso e a Reforma: o enigma da Esfinge

5.2. O discurso sobre a universidade como objeto de análise

Segundo Orlandi (2000), o discurso é palavra em movimento, é a língua fazendo sentido, o discurso é efeito de sentidos entre locutores (ORLANDI, 2000,21), que é construído em condições históricas e sociais determinadas.

Esta prática simbólica manifesta uma concepção do mundo, uma ideologia e contribui para seu fortalecimento ou sua critica. Assim a prática discursiva é diretamente envolvida com a construção da hegemonia de uma determinada classe social.

A produção do discurso é uma construção coletiva, pois este se constitui por meio de diálogos (o meu dizer é sempre pleno do dizer do outro), embora, ao produzi-los, os sujeitos tenham a ilusão de que o que dizem só pode ser dito daquela forma, pois há uma relação natural entre a palavra e a coisa (ilusão referencial), e que são a origem do que dizem (esquecimento ideológico), quando, retomam sentidos já existentes. O discurso é construído, portanto como diálogo entre discursos e, mesmo que proferido por um ator individual, é coletivo.

Orlandi afirma que na análise do discurso procura-se compreender a língua fazendo sentido, enquanto trabalho simbólico, parte do trabalho social geral, constitutivo do homem e de sua história (ORLANDI, 2000, 15)

A análise do discurso extrapolou o domínio da Lingüística e é praticada nas mais diversas disciplinas, para tratar de como as pessoas compreendem o mundo e se posicionam nas relações cotidianas.

Ao procurar apreender, pelo discurso proferido por autoridades do MEC, o projeto do governo Lula para a universidade, considerei orientações teórico- metodológicas próprias da Lingüística, mas procedi a análise como pesquisadora do social que reconhece que a compreensão das informações acerca de fenômenos sociais, presentes na fala das pessoas ou na sua escrita,

exige a consideração dos processos de produção e interpretação do discurso e dos efeitos sociais que busca promover.

Tal análise teve como pressuposto que a linguagem é necessariamente opaca e incompleta, porque não há sentido em si .(ORLANDI, 1996, 20) e de que a linguagem só é linguagem porque faz sentido. E a linguagem só faz sentido porque se inscreve na história (ORLANDI, 2000, 25).

Cabe ao analista considerar os processos de produção e interpretação textual e as tensões que os caracterizam, as quais advém tanto da posição dos locutores na sociedade e sua inserção na construção da hegemonia, quanto na presença de seus interlocutores (aliados e críticos) no discurso.

O discurso que analiso é construído segundo determinações sociais e históricas que constituem as condições de sua produção: o contexto imediato - os compromissos do governo com determinados interesses, os interesses em confronto, as características da universidade brasileira, por exemplo - e o contexto sócio-histórico e ideológico - sob a hegemonia do capital financeiro e com perda de soberania de Estados Nacionais - em que o discurso é produzido.

Por esta razão desde os capítulos iniciais desta tese de doutorado, procurei apresentar o cenário em que o discurso foi produzido, considerando a posição do governo Lula na construção da hegemonia no capitalismo contemporâneo e a importância da educação e da universidade neste processo, assim como as posições dos que se opõem à hegemonia burguesa e ao projeto de universidade patrocinado por este governo.

Tais elementos estão presentes na seleção dos termos empregados, na argumentação construída e na lógica da exposição do discurso.

O discurso que analisei, proferido por funcionários do Estado, é eminentemente político em que, seguindo o esquema abstrato de Carmagnani (apud Freitas 2004), X (o político: autoridades do MEC) faz Y (o cidadão:

brasileiro) crer em N (suas palavras: o projeto de universidade do governo Lula é de interesse geral) para obter Z (o apoio: para a implementação do projeto).

Selecionei como corpus da pesquisa, artigos escritos por autoridades do MEC para interpretar este projeto. Dez desses artigos foram escritos pelo próprio Ministro da Educação (dois deles em co-autoria com o Secretário Executivo do Conselho Nacional de Educação -CNE47- e outro com o presidente da Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior – CONAES48-), dois artigos são de autoria do Secretário Executivo do Conselho Nacional de Educação, um cujos autores são o presidente do Instituto de Pesquisas Educacionais (INEP49) e o diretor de Estatística e Avaliação da Educação Superior deste Instituto e dois de autoria do presidente e do diretor da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES50).

Tais artigos estão disponíveis no site do MEC e foram publicados em jornais entre 06/12/2004 e 14/03/2005, conforme apresentado no quadro 1 a seguir.

Nesses artigos analisei 36 enunciados que tratam das categorias temáticas selecionadas para análise.

Bakhtin considera que o enunciado, ao ser construído leva em conta as possíveis reações do interlocutor e, em vista disso, tenta ativamente determinar sua resposta.

Isto é especialmente observável no discurso político do homem público que, ao se dirigir ao seu interlocutor, (...) confere à fala uma força persuasiva, que

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Este Conselho é um órgão colegiado integrante da estrutura de administração direta do MEC, cabendo- lhe formular e avaliar a política nacional de educação, zelar pela qualidade do ensino e velar pelo cumprimento da legislação educacional.

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O CONAES é uma instância nacional de caráter colegiado e deliberativo vinculado ao MEC com a função de articular avaliação e regulação, assegurar a qualidade, coerência e aperfeiçoamento do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior

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O INEP é uma autarquia federal vinculada ao MEC cuja missão é promover estudos pesquisas e avaliações sobre o Sistema Educacional Brasileiro

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A CAPES tem quatro grandes linhas de ação: avaliação da pós-graduação stricto senso, acesso e divulgação da produção científica, formação de recursos e cooperação internacional.

instaura um processo de fascínio extremamente eficaz (...) ( FREITAS, 2004,770).

Por esta razão procurei observar o emprego de certas construções metafóricas, imagens que o locutor do discurso utiliza para atrair seus interlocutores de modo a formar consensos.

Quadro 1: O corpus da pesquisa

ARTIGO AUTOR JORNAL DATA

Público, gratuito e de qualidade

Tarso Genro Jornal do Brasil 06/12/2004 Reforma

Universitária em debate

Tarso Genro O Liberal do Pará 06/12/2004

Uma reforma urgente

Tarso Genro O Globo 21/12/2004

Reforma Universitária Tarso Genro e Ronaldo Mota Jornal da Tarde 30/12/2004 Universidade e Nação

Tarso Genro Correio do Povo 04/01/2005 Reforma

democrática e republicana

Tarso Genro O Globo e Estado de São Paulo 27/01/2005 Autonomia universitária para quem? Tarso Genro e Ronaldo Mota Jornal do Brasil 10/02/2005 Empresários e ‘socialistas’ contra a reforma? Eliezer Pacheco e Dilvo Ristoff Jornal do Brasil 16/02/2005 Qualidade na educação superior

Ronaldo Mota Zero Hora 16/02/2005 Quem teme a

reforma?

Tarso Genro e Hélgio Trindade

Estado de Minas 19/02/2004 Uma reforma séria e

aberta

Jorge Almeida Guimarães e Renato Janine Ribeiro

Jornal do Brasil 03/03/2005

Passada a artilharia Tarso Genro Folha de São Paulo 03/03/2005 Uma reforma que

interessa a todos os brasileiros

Tarso Genro Valor Econômico 11/03/2005

Para caracterizar os sujeitos presentes na situação discursiva, busquei identificar como os locutores se representam e como representam seus interlocutores (aliados e possíveis aliados) e opositores.

Os locutores constroem uma auto-imagem sancionada pela legalidade os artigos introdutórios do projeto do MEC, apenas reiteram na lei o que já manda a Constituição... GENRO, 2005b). Apresentam-se como membros (usam constantemente o pronome “nós” quando falam do governo) de um governo que propõem reformas para garantir direitos ( O governo Lula optou pela valorização da universidade pública e pela educação como direito de todos os brasileiros GENRO, 2004a) e construir um projeto de Nação. Como porta- vozes do governo constroem uma imagem que o valoriza com um governo que resolve problemas o Presidente da República Luís Inácio Lula da Silva, determinou que sejam dados os primeiros passos no sentido de oferecer mais autonomia às universidades GENRO, 2004b), e é democrático e popular ( Hoje esta luta é retomada por um governo popular e democrático GENRO, 2004 a).

Como interlocutores aliados ou possíveis aliados identificam a comunidade acadêmica e a sociedade civil, a qual por vezes é representada no sentido amplo ( a discussão inclui instituições empresariais, de trabalhadores, movimentos sociais e do campo – GENRO, 2004b) ora restrito ( A interlocução da universidade com organizações da sociedade civil é ampla, na nossa proposta. Ela deve ser feita com pessoas jurídicas e não com movimentos abstratos... GENRO, 2005b).

Já os opositores são concebidos como desqualificados, com perfil negativo. Para representá-los usam de adjetivos nominalista como “esquerdistas”, “conservadores”, “articulistas”, “vigilantes da história” e também pronomes indefinidos para representar aqueles que de tão depreciados nem merecem ser citados ( Alguns setores que se auto-referem de esquerda... GENRO, 2005a).

Na análise do corpus da pesquisa procurei no exame de cada enunciado e das relações entre eles, apreender o discurso enquanto totalidade, ao mesmo tempo em que busquei:

• Identificar as palavras chaves, as construções metafóricas e compreender os significados com que foram proferidas.

• Apreender as ambigüidades contradições, os silêncios do discurso e os discursos com os quais se relaciona (o interdiscurso)

• O tratamento dado às críticas ao projeto

Selecionei como categorias temáticas para análise a concepção de educação, a concepção e missão da universidade e o papel do Estado na educação superior.

A compreensão de como o governo Lula significa tais categorias é importante para explicitar os pressupostos da reforma universitária no Anteprojeto de Lei da Educação Superior que apresenta para o debate público, como também das demais medidas que a promovem (o Programa Universidade Para Todos, o Sistema Nacional de Avaliação e Progresso do Ensino Superior, a Lei Orgânica da Autonomia Universitária, O Projeto de Inovação Tecnológica e a Proposta de emenda constitucional que trata da diversificação das fontes de financiamento).

A adoção de tais medidas, aliada à divulgação de um discurso que as justifica, é uma estratégia de afirmação de hegemonia, na medida em que ao mesmo tempo em que impõe uma direção social para as instituições de ensino superior, socializa uma concepção do mundo e normas de conduta adequadas a ela, interferindo no modo de viver e de pensar das classes sociais.