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4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.3. Principais problemas do processo projetual

4.3.1. Mito do TFG

Diferentemente de outras disciplinas do curso (de projeto ou não), o TFG é um processo em que o aluno tem um maior grau de liberdade quanto à natureza do trabalho e ao modo de realizá-lo, sendo “caracterizado como uma contribuição pessoal do aluno às questões relacionadas com a produção social do espaço” (UFRN, 2006). Trata-se de uma atividade na qual o aluno experimenta um grau de responsabilidade maior pelas suas ações e atitudes, destacando “(a) a compreensão do tema ou problema escolhido; (b) a assimilação de conhecimento escolhido (empíricos e teóricos); (c) as atribuições profissionais do arquiteto e urbanista, atendendo às especificidades da profissão registradas, atualmente, pelo sistema CONFEA/CREA” (UFRN, 2006).

Diante disso e da reflexão que o aluno deve ter sobre a produção do espaço, o momento em questão o coloca em uma situação que demanda uma formação capaz de prepará-lo para enfrentar tal etapa/atividade. Os desafios e dificuldades desse processo acabam por transformar o TFG em um “mito” universitário.

O presente emprego da palavra mito não é nenhuma hipérbole segundo a acepção da palavra: “representação idealizada; coisa inacreditável, sem realidade”

(CUNHA, 2007, p. 525), e sim no sentido da dimensão simbólica assumida pela geração do produto arquitetônico, por muitas vezes exagerada, esteve presente no discurso da grande parte do grupo (discente e docente, remetendo a expressões como “trauma” ou “fantasma”:

A tomada de decisão do aluno de TFG é sempre traumática. [...] pela primeira vez ele é obrigado a justificar a escolha de um tema, “criar” um problema e resolvê-lo [...] o “fantasma” do melhor desempenho leva ao descumprimento de prazos. (Fabrício, P- UFC).

A própria expressão utilizada acima “criar” um problema não está em concordância a real prática dessa atividade. O que ocorre é um olhar para uma situação-problema; uma sensibilidade disposta a reconhecer a necessidade de solução que move o estudante a criar uma demanda do projeto para solucionar o problema.

A escolha do tema foi evidenciada como um dos principais problemas do TFG, vinculando-se a um processo no qual o aluno precisa tomar decisões por si e assumir riscos de fazê-lo, o que se torna um peso para ele. Por outro lado, tal situação não deixa de ser um paradoxo, pois a tomada de decisões é inerente ao ofício do arquiteto, oriunda do domínio do(s) problema(s) e da escolha/determinação das soluções mais adequadas, uma vez que, por definição, é assim que o profissional autônomo atua.

Insegurança quanto à complexidade do trabalho (se vai dar conta); em algumas situações, medo de arriscar muito/de sair do “convencional’; algumas escolhas às vezes são excessivamente afetivas; a ilusão de que vai resolver todos os problemas sobre o tema com o projeto proposto; outro problema é quando “se escolhe” o tema em função do orientador que se deseja ter (para agradá-lo), isto gera recorrências em algumas temáticas. (Célia, P-UFRN).

Os comentários de Fabrício e Célia (professores da UFC e UFRN, respectivamente) definem a insegurança na tomada de decisões como um fator gerador desse Mito, fomentando os seguintes questionamentos: (i) em diversos semestres de “exercício” projetual desenvolvido em contexto acadêmico, nossas escolas de arquitetura estão proporcionando situações-problemas adequadas que auxiliem os estudantes a vivenciar o processo e as conseqüências da tomada de decisões na atividade de projetação?; (ii) como deve ser o processo de orientação projetual, no sentido da relação aluno/professor, no que se refere à busca por

soluções e decisões de projeto?; (iii) nas disciplinas de projeto, como a teoria vem sendo empregada como fundamentação do processo projetual?

Esses questionamentos são pertinentes ao se imaginar uma formação discente que permita o estudante chegar ao TFG seguro para posicionar diante da situação- problema, sem superdimensionar o processo.

No depoimento de Célia (P-UFRN) ressaltam-se as expressões “sair do convencional” e “se escolhe o tema em função do orientador”, como problemas muito comuns, que, por sua natureza, podem ser associados aos anteriormente comentados desvios patológicos do Mimetismo e do Narcisismo (BOUTINET, 2002), e mesmo vincular-se a questões pessoais, como a “amizade do orientador”.

A escolha do orientador em função da relação de amizade não é comum de acontecer, embora em algumas situações a identificação do aluno com o trabalho ou pesquisa do professor possa ser mal-interpretada, confundindo-se empatia e boa relação professor-aluno com condições de amizade entre eles. Sobre essa condição, tanto nos questionários quanto nas seções observadas, nada ficou evidenciado sobre condições de amizade influenciando a escolha de orientadores.

Também a procura por um projeto em grande escala (temas que demandam grandes quantidades de espaços, compartimentos ou fluxos) inserem-se dentro desse caráter narcisista, atendendo a “[...] vontade que se tem de fazer grandes coisas” (Flávia, E- UFC). Essa intenção de impressionar gerada pelo “impulso monumental” (CHUPIN, 2003) coloca o aluno diante da idéia de que a qualidade do TFG será diretamente proporcional ao tamanho do artefato, fato algumas vezes reforçado pelos professores, como o professor que atuou em uma pré-banca de TFG na UFRN que criticou a proposta de uma edificação relativamente pequena, indicando não considerá-la adequada enquanto “Tema de um TFG”.

Omite-se, no entanto, que tais mega-projetos, quando escolhidos (e elaborados), muitas vezes representam iniciativas em que a realidade cultural do sítio não dialoga com o artefato (no TFG os alunos também costumam escolher o terreno no qual irão intervir), reproduzindo espaços e formas cujo Regionalismo

Crítico de Frampton (1982) considera uma expressão de consumo51 da paisagem, que é interpretada apenas como “pano de fundo”.

Por sua vez, as ações miméticas realizadas pelos sujeitos nada mais são que abstrações de uma realidade distorcida do mundo globalizado, consumista pela vaidade e que pode “andar de mãos dadas” com uma postura vaidosa, um sujeito Próprio, único e centrado em suas ações autosuficientes, cuja própria lógica nega a realidade social.

Um orientador (UFC) ressaltou sua satisfação (que denominou “autorealização”) em trabalhar temas considerados “sociais” e inéditos, sobretudo se houver a possibilidade das propostas poderem vir a ser construídas52. No entanto, a realização de trabalhos sociais está muito distante do exposto pelo orientador: trabalhar “grandes equipamentos que sirvam a sociedade [...]”, com a falsa idéia de quanto mais atende à população, principalmente àquela menos abastada, é considerada um projeto cuja temática possui cunho social. Essa postura, já discutida, está longe da realidade do valor social, representada pela aproximação entre as pessoas e pelo atendimento a demandas concretas.

A realização do projeto, isto é, a materialização em obra, foi apontada por dois trabalhos de estudantes da UFRN. Mas que fique claro que esses trabalhos não possuem ligação com a rotulação do TFG como trabalho Monumental ou cujo tema é inédito. Seu real contexto foi decisivo na escolha do tema em função de uma necessidade existente em se construir a obra; uma demanda, cuja idéia foi aceita pelos estudantes a ser visto no item posterior: Escolha do Tema.

Ao ineditismo pesa a questão da originalidade discutida por Mahfuz (1995), Muitas vezes esses termos são empregados erroneamente. Ser original não significa ser inédito. A originalidade, por muitas vezes, nada mais é que o arranjo de partes conhecidas que gera uma boa idéia (MAHFUZ, 1995).

       51

Consumo no sentido literário da palavra.

52

Alguns projetos apontados como referência para edificações construídas para programa sociais realizados pela Prefeitura Municipal de Fortaleza/CE.

O depoimento do professor quanto ao tema inédito pesa a real condição de muitos alunos, antes mesmo de chegarem ao TFG, pensam sobre o que irá abordar, conforme destacado por Leonardo (E-UFC):

Como já foi dito, este tema já estava embutido na minha cabeça há bastante tempo. Para fixar mais ainda a escolha do tema, tive conhecimento da criação do ICA (Instituto de Cultura e Arte) e da ESCA (Escola de Cinema e Audiovisual) da UFC no terreno da Casa de José de Alencar. Juntamente a eles, alguns cursos veteranos da UFC também vão ser transferidos ao novo campus.

Diante dessas observações, a questão do Mito do TFG representa para os estudantes uma problemática na condução do processo de elaboração do TFG. Tal problemática é resultado de sujeitos dominados por seus objetos; sujeitos não-livres, vinculados pela realidade de consumo e da imagem, cujo objeto está centrado nele; mas que na verdade, é o processo que deve estar centrado no Sujeito.

O Mito do TFG possui alguns pontos que merecem ser elencados como geradores das inseguranças e medos sobre os estudantes: (i) escolha livre do Tema; (ii) superdimensionamento do processo; (iii) o Narcisismo do processo; (iv) a Mímese do artefato; (v) o Ineditismo do Projeto.

O próximo item discorre sobre a questão da escolha do tema. Uma abordagem focada na transformação do Mito em Afirmação e Domínio do processo. Uma escolha transformadora capaz de minimizar as inseguranças dos alunos rumo à transformação em Sujeitos.