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CAPÍTULO 1: A PERSONAGEM

1.2. A PERSONAGEM HEROICA

1.2.2. MITO, MENTALIDADE E IMAGINÁRIO

O surgimento do herói vincula-se aos mitos, que correspondem às crenças de uma coletividade. O mito sobrevive num povo (e em povos diferentes), não apenas porque lhe explique a realidade, mas também porque reflete um aspecto real, a mentalidade, a “verdade” desse povo. (Feijó 1984: 12-13)

Das muitas questões de teor mítico que permeiam as noções de herói, encontra-se a que se atém à dualidade de sua gênese: seriam os heróis divindades

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que se humanizaram ou humanos que se divinizaram? Alguns estudiosos sustentam que os heróis foram indivíduos destacados em suas comunidades que alçaram lugar de realce no imaginário popular; outros defendem que seriam deuses rebaixados, que assumiram a condição humana, mas ainda guardaram atributos extraordinários. Os próprios gregos questionaram seus mitos, através de Evêmero (século III a. C.), por exemplo. O evemerismo defende que os heróis seriam indivíduos reais de destaque, que, por seus feitos, seu carisma e suas virtudes, tiveram suas façanhas propagadas pelo povo até atingir a divinização. Dessa forma, o mito teria sua origem em histórias reais e o herói seria o que restou de algum indivíduo destacado (Feijó 1984: 16-17).

O termo “mito” apresenta conotações variadas, que confundem mais do que esclarecem a já bem complexa acepção da palavra. Tomado muitas vezes por discurso mentiroso ou por relatos fabulosos, bem como revestido por diversas posições metodológicas da Psicologia, da Sociologia, da Etnologia, da Política, etc., a palavra aproxima-se ou se afasta, às vezes abusivamente, do sentido mais profundo, transfigurando-se num emprego qualificado. Em termos mais amplos, tomaremos a acepção indicada, no Dicionário dos Mitos Literários, por André Dabezies (2005), em busca também de uma adequação ao discurso literário:

Na literatura, será considerado “mito” um relato (ou uma personagem implicada num relato) simbólico que passa a ter valor fascinante (ideal ou repulsivo) e mais ou menos totalizante para uma comunidade humana mais ou menos extensa, à qual ele propõe a explicação de uma situação ou uma forma de agir. (Dabezies 2005: 731)

A partir dessa tentativa de definição, consideramos que o mito condensará imagens simbólicas significativas para um povo, capazes de exprimir a dinâmica dos conflitos da psicologia coletiva. Assim, o mito, na literatura, não pode ser individualizado, visto que representa uma coletividade. Tampouco estará imune às intervenções do poeta ou escritor, por sua atualização, através da qual exprimirá também suas vivências e convicções e que serão reconhecidas pelo público a que se dirige e ao qual pertence. Ainda não se poderá restringir o mito a um texto, pois este apenas retoma e reedita as imagens míticas, atualizando o valor e o fascínio de um mito em determinada coletividade, em dada circunstância histórica, revigorando-

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lhe o sentido latente. Por esse mesmo motivo, o texto pode ser responsável pelo efeito contrário: a diluição do valor fascinante do mito, quando as circunstâncias de recepção se alteram.

Um tema literário pode ser convertido em mito, quando seu valor simbólico logra exprimir a mentalidade em que se reconhece um povo. Também pode deixar de despertar interesse mítico e voltar a ser mero motivo literário, em decorrência das flutuações de interesse do público e das circunstâncias históricas. Isso posto, verifica-se que a vitalidade e a atualidade dos mitos decorrem das variações do fascínio despertado em sua receptividade. Tal fascínio atinge sempre uma parcela restrita do público, que pode representar a coletividade, segundo alguns critérios de permanência: o grau de popularidade do modelo de personagem mítica, a quantidade de atualizações de uma obra ou de um tema mítico, as tiragens editoriais, as reações da recepção de diferentes públicos, por exemplo.

A partir do Romantismo, a noção de mito único e totalizante foi fragmentada e redefinida em uma série de mitos, absorvidos pelo mundo moderno. São heranças de temas, personagens, obras que emergem da mentalidade e passam a figurar no imaginário. Se, por um lado, esses mitos literários já se esvaziaram de significações totalizantes da vida e do ser humano, por outro, ainda conservam o vigor das referências indispensáveis a essa visão do todo, por meio da linguagem simbólica, privilegiada pela literatura, e indispensável à vitalidade de sua(s) verdade(s). É essa verdade, validada e legitimada pelo público receptor que garante a permanência e as atualizações dos mitos: “a verdade do mito é uma verdade simbólica, para a vida e para as relações humanas, um sentido que não se pode impor nem demonstrar; ou embarcamos nele ou não, ou o poder de fascínio do mito exercerá seu efeito, ou não nos atingirá” (Dabezies 2005: 735). Quando uma imagem mítica revela-se viva e fascinante para determinado grupo social, ela exprime algumas das suas condições de viver e de compreender a realidade circundante, além de sua própria situação histórica, ou lhe responde e explica os conflitos psicossociais.

O mito do herói se manifesta em povos diferentes, de costumes, línguas e crenças distintas. O que poderia justificar essa constância? Duas hipóteses nos parecem bastante razoáveis: a primeira é a de que a necessidade de mitos é própria do homem, não está fora dele, mas em sua psicologia, como tão bem mostram

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Sigmund Freud, que denominou tais manifestações de “resíduos arcaicos” e seu discípulo, Carl Gustav Jung, que as chamou de arquétipos ou imagens primordiais. Segundo eles, a criação e a sobrevivência do mito são produtos da mente humana, do inconsciente, que passam a fazer parte da vida cultural de um povo. (Feijó 1984: 19-20). A segunda hipótese não contradiz propriamente a primeira, mas, ao se projetar na vida cultural de um povo, estabelece diálogo mais contundente com a História das Mentalidades. André Jolles (1976: 103-104) adverte que, no que concerne aos mitos migratórios, se um gesto verbal foi bem sucedido a ponto de apreender-lhe os elementos de constância e de repetição regular, ele mantém sua validade e coerência em lugares e tempos distintos. Jolles chama ainda a atenção para a coerência das repetições, tanto do ponto de vista linguístico quanto do literário. A migração de uma Forma ou de uma de suas atualizações não pode ser considerada fortuita, mas uma manifestação que só se afirma no sustentáculo da identidade de/com suas significações.

Nessa perspectiva, há de se refletir como e por que a necessidade de heróis tornou-se uma constante em povos distintos, de épocas e lugares diferentes. O homem busca compreender o universo em que está inserido e busca respostas para o que seus conhecimentos insuficientes não conseguem explicar. Ao interagir com seus semelhantes e com a realidade circundante, o homem estabelece relações com grupos que correspondem a seus interesses. Movido pela identificação, estabelece uma força produtiva que visa à satisfação de suas necessidades. Cria-se então uma consciência coletiva, uma mentalidade, que reflete como essas relações sociais se formaram e se mantiveram. Para Karl Marx, “o modo de produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é o seu ser social que, inversamente, determina a sua consciência” (Marx 1983: 24).

Como produto social, criação humana, reflexo de necessidades, vontades e interesses, essa consciência é formada e justificada pelo próprio grupo e delimita sua realidade. Escapa ao controle, pessoal ou coletivo, e converte-se em fator determinante dos padrões sociais. De manifestação do (de um) imaginário transforma-se em mentalidade; e de produção consciente, passa à manifestação

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inconsciente. Assim permeia todos os segmentos sociais e, por sua vez, contribui para influenciar a mentalidade, embora de maneira muito mais lenta.

A distinção entre mentalidade e imaginário deve ser elucidada desde já, sob a luz da demonstração do medievalista Hilário Franco Júnior (2003: 73-116). O historiador revisa esse conceito desde seu emprego pelo precursor da História das Mentalidades, Marc Bloch, cuja acepção, utilizada em 1924, remetia ao que “se faz no espírito nas funções intelectuais” (Idem: 74), portanto estaria relacionada apenas às atividades mentais propriamente ditas. Entretanto a acepção foi-se enriquecendo pelas contribuições das Ciências Humanas, e, valorizada a etimologia latina de

mentalis, passou a aludir tanto ao intelecto quanto à alma. O primeiro argumento de

Franco Júnior consiste de que o homem não é feito só de intelecto, mas também de emoção, dois elementos intrinsecamente relacionados, o que já foi comprovado por pesquisas da Neurologia. Outro argumento distintivo proposto pelo medievalista, fundamentado em Claude Lévi-Strauss (1984), é a comprovação do aspecto biológico da memória, o que permite que a mentalidade talvez possa ser considerada como “o substrato protocultural comum ao homem e ao animal”. Nessa perspectiva, a natureza animal e o psiquismo primitivo tornam-se indissociáveis das emoções e da cultura adquirida, consideração convergente para a Paleontologia, a Psicologia comportamental, a Neurologia e a Psicanálise. A contiguidade entre pensamento analógico e as emoções primitivas aparece como o sustentáculo da noção de mentalidade. Franco Júnior amplia a proposição de Le Goff: constituída como o “nível mais estável, mais imóvel das sociedades” (Le Goff 1976: 69), a mentalidade não pode ter “modelos”, uma vez que se compõe de automatismos, de comportamentos espontâneos, de heranças culturais profundamente enraizadas, de sentimentos e formas de pensamento comuns a todos os indivíduos, independentemente de suas condições sociais, políticas, econômicas e culturais (Franco Júnior 2003: 89). A mentalidade condensa todos “os elementos culturais e de pensamento inseridos no cotidiano” (Silva e Silva 2005: 218), que os indivíduos consideram verdadeiros, sem que se dêem conta disso. A mentalidade está por trás tanto dos fatos quanto das ideologias ou dos imaginários de uma sociedade” (Ibidem)

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Isso posto, seria inadequado referir-se a “variações de mentalidade” ou “criar uma mentalidade”. Pelo mesmo motivo, o medievalista recomenda o emprego do termo “mentalidade” no singular e sem qualificativos, além de desaconselhar o qualificativo “coletiva”, que seria redundante. Poder-se-ia, entretanto, aludir a grupos civilizacionais e temporais, de maneira legítima, como, mentalidade medieval, por exemplo.

De acordo com a definição de Silva e Silva (2005: 220), o imaginário concentra “as representações e imagens ideais que uma sociedade constrói, a forma como as pessoas vêem o mundo ao seu redor, imagens construídas nos mitos, nos sonhos, nos medos coletivos, na religiosidade”. O imaginário, para o filósofo francês Gilbert Durant, é uma espécie de “museu mental no qual estão todas as imagens passadas, presentes e as que ainda serão produzidas por dada sociedade” (Idem: 213-214), considerando-se que “não é a imagem que produz o imaginário, mas o contrário” (Maffesoli 2001: 76). Essas imagens, contudo, não são apenas iconográficas, mas também discursos, substratos mentais, imagens de memória e imaginação, que representam objetos, sentimentos e valores da nossa realidade. O imaginário, em distinção à mentalidade, apresenta-se revestido de nova roupagem, conforme as alterações do momento sócio-cultural. A mentalidade não pode ser apreendida de maneira direta, mas apenas sob o filtro cultural de suas manifestações históricas, ou seja, do imaginário, assim definido por Franco Júnior:

Se mentalidade é o complexo de emoções e pensamento analógico (estruturas analógicas sempre presentes no cérebro), imaginário é a decodificação e representação cultural (portanto historicamente variável) daquele complexo. (...) Imaginário é um sistema de imagens que exerce função catártica e construtora da identidade coletiva ao aflorar e historicizar sentimentos profundos do substrato psicológico de longuíssima duração. (Franco Júnior 2003: 95-96)

Da relação imaginário/mentalidade, surge a questão das imagens que aparecem naquele como reflexo desta. Toda imagem é elaborada culturalmente, construída de forma a representar para os homens de um determinado período histórico as noções ou os valores que estão contidos na mentalidade. Desta forma, emergem sob variações historicizadas de algo que é mais estável e permanente. O imaginário transfigura-se; a mentalidade é mais duradoura, embora não imutável. A

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própria criação de uma imagem implica uma representação do substrato mental em material. E toda representação tem em si uma distorção do real objetivo, não podendo ser sua descrição perfeita. Assim o imaginário reflete a mentalidade, mas a distorce pela forma interpretativa, ampliada ou reduzida, do material cultural e historicamente construído. Valemo-nos aqui do exemplo apresentado pelo medievalista para esclarecer essa relação que é reflexiva e não simplesmente de causa e efeito:

(O imaginário) pode ser comparado às ondulações superficiais do mar, facilmente observáveis e relacionáveis a fatores como o local, estação do ano, regime lunar, horário, vento. No entanto, elas também são influenciadas por outras condições de percepção menos evidente, como a profundidade e o relevo submarinos, que por sua vez sofrem a ação daqueles micromovimentos que os alterarão ao longo do tempo. Dito de outra forma, imaginários são significantes que alteram os significados (mentalidade), dando um ritmo histórico, ainda que muito lento a estes últimos. O imaginário é a única forma de a realidade interna tornar-se objetiva (nunca se sabe como as coisas são em si, apenas como são vistas), o que por sua vez leva à transformação dela. (Franco Júnior 2003: 110)

Enquanto a mentalidade não particulariza nem grupos nem indivíduos, o imaginário constitui-se elemento de identidade coletiva. Por sua função catártica, está vinculado aos processos de ritualização grupais, que delimitam os paradigmas coletivos de cosmovisão, de identidade pessoal e coletiva, da dinâmica interna dos grupos, enquanto elementos históricos.

De volta ao conceito de mito literário, uma vez verificada sua vitalidade, impõe-se a investigação, a escuta dos relatos e a percepção de como essas imagens ajudam a coletividade a viver e a resolver seu dilemas. Na averiguação dos mitos literários, Dabezies sugere esquematicamente uma análise sintética, que aqui transcrevemos:

1. Partindo da forma literária, avaliar a importância do lugar que nela ocupa o mito (transposição reconhecida e onipresente, ou aparições subentendidas, ou simples rosários de alusões simbólicas etc.) e a maior ou menor originalidade dos meios literários empregados;

2. Destacar os reflexos (portanto, as inflexões que modificam o esquema mítico original) devidos ao contexto histórico e sociocultural;

3. A elaboração psicológica, intencional ou inconsciente, da figura ou dos conflitos míticos;

4. Assim, descascando aos poucos o texto, a análise fará aparecer as molas simbólico-dramáticas escondidas, que, em vez de se mostrarem como

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“mitemas” de tipo linguístico, podem ser formuladas como antinomias e conflitos para os quais o mito sugere a solução vivida. (Dabezies 2005: 735)

Dabezies ainda alerta para a necessidade de se distinguir os simbolismos marginais e fortuitos dos complexos simbólicos essenciais, que aparecem em quantidade bem reduzida, os quais constituem os pólos de tensões contraditórias, de cuja combinação surgem a estrutura dinâmica e o esquema dramático e simbólico polivalente que fazem a força e a originalidade do mito em questão.

Acerca da transposição de uma personagem histórica para uma figura mítica, Nicole Ferrier-Caverivière (2005) esclarece as relações entre os eventos históricos e a formação dos mitos. Segundo a pesquisadora, em relação aos mitos do tipo político-heroico, não há evento real que justifique seu surgimento, pois “nem a história nem o real são em si mesmos míticos” (Idem: 385). Uma personagem histórica de transforma em mito

se forem penetrados, entre outros, por um mistério insondável, se deixarem de ser legíveis, de evoluir com lógica. Quando um acontecimento histórico ou a atitude de um grande personagem aparece em ruptura com a trama da época ou com a normalidade dos comportamentos humanos, quando uma zona de sombra e de incompreensão os invade de repente e os faz escapar ao domínio da ciência e da pura inteligência, a imaginação de um grupo de homens ou de um povo, encontra naturalmente o meio de impor suas cores e suas metamorfoses, suas deformações e suas amplificações. (Ibidem)

A transfiguração da imagem do ser histórico em personagem mítica se concretiza mediante a elaboração da imaginação popular, revestindo-o do sagrado, do grandioso e do simbolicamente significativo. A necessidade de compreensão da realidade inapreensível é tão intensa que a história é substituída pelo mito. Georges Dumézil, em Mythe et Epopée, contextualiza essa irrupção mítica:

Os mitos [...] não são invenções dramáticas ou líricas gratuitas, sem nexo com a organização social ou política, sem nexo com o ritual, com a lei ou com o costume; sua função é, pelo contrário, justificar tudo isso, expressar em grandes imagens as grandes ideias que organizam e sustentam tudo isso. (Dumézil apud Ferrier- Caverivière 2005: 386)

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Produtos de uma necessidade profunda do psiquismo coletivo, que condensa medos, anseios, conflitos, esperanças, desejos de vingança, expectativas, os surgimentos dos mitos constituem a oportunidade de cristalização, como uma elaboração inconsciente, desses sentimentos na realidade. Dessas emoções constitui-se a ideia-força em torno da qual o trabalho estético do escritor tece o aparato de realce que lhe garantirá a atualização no imaginário, não como uma ornamentação superficial do mito original, porém de seu sentido mais profundo. “Uma imagem mítica só se configura se corresponder a uma necessidade que lhe dá, ao mesmo tempo que sua significação, uma forma concentrada, uma organização particularmente firme” (Idem: 390).

Uma vez surgido, o mito se expande e se fortalece por meio de formas artísticas de qualidade que o sustentam e alimentam, assegurando-lhe lugar de destaque no patrimônio cultural de um povo, representando um fenômeno de cultura. Nessa elaboração artística, incluem-se deformações ou metamorfoses do mito original, consoante as circunstâncias políticas, sociais e econômicas, o imaginário e as exigências da coletividade. Esse aspecto constitui interessante fonte de investigação, visto que os mitos não são desprovidos de parcialidade. A imagem mítica que se forma atende a expectativas e anseios do grupo e deve dar-lhe uma resposta convincente, entretanto é forjada conforme a criação artística, portanto subjetiva e fundamentalmente comprometida. Assim é que personagens históricas reconhecidamente boas transformam-se em figuras míticas más e vice-versa, só podendo ser recuperadas, em sua verdade histórica, pela História das Mentalidades. A distinção entre as figuras históricas e as míticas, contudo, não são de relevância, pois que

mesmo que se consiga reconstituir a verdade do real, (...) não há em caso algum como apagar os vestígios da criação mítica. O herói que nasce desta última e o herói da história existem lado a lado, como duas realidades diferentes, quase estranhas uma à outra; jamais se destroem, nem se excluem, nem põem o outro na sombra, porque pertencem a dois universos distintos: o da arte e o da história. Ora, o primeiro confere ao mito uma marca indelével; este, de fato, assume a forma de uma obra literária, de uma narrativa, (...) que fixam para sempre uma certa imagem. (Ferrier- Caverivière 2005: 388)

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Tal paralelismo dispensa, pois, a concordância história, uma vez que a recriação artística, sob o colorido da imaginação popular, confere-lhe a graça e o prestígio da consagração do mito no imaginário.

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