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Em primeiro lugar, e antes de mais, importa-nos esclarecer o que entendemos por mobilidade, em particular, no contexto, mobilidade humana espacial. A questão da mobilidade é cada vez mais central na sociologia, facto perceptível mediante as vigorosas produção e divulgação científicas assentes na temática. Entendemos, então, que a mobilidade humana passa pela capacidade que os actores sociais detêm com a finalidade de se deslocarem para diferentes espaços mais ou menos geograficamente distantes entre si, com motivações diversas que poderão revelar-se mais ou menos duráveis, ou seja, permitindo enquadrar distintas estratégias de permanência medidas em períodos de tempo curtos ou prolongados.

Figura 9

Legenda: Estações Ferroviárias da Linha de Cascais

Fonte: CP – Comboios de Portugal, E.P.E.

Tencionamos neste ponto esclarecer de que forma é o concelho de Cascais acessível aos concelhos vizinhos da metrópole, em particular os provindos de Lisboa

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169 devido à sua centralidade no eixo metropolitano, bem como ao restante país e a todos os actores que pretendam utilizar e apropriar territórios cascalenses, tendo sempre em conta o objecto de estudo que esclarecemos como sendo o da nossa investigação.

Uma das hipóteses de entrada em vários territórios do concelho cascalense é o comboio, em particular a Linha de Cascais que une Lisboa, Cais do Sodré, ao coração do centro histórico cascalense, nomeadamente pela estação de Cascais. Confirmando o que afirmámos é possível observar o trajecto percorrido pelo comboio na dita Linha de forma gráfica simples na Figura 9. Trata-se de um trajecto com 17 estações de tomada e largada de passageiros que, indo até à cidade e concelho de Lisboa, serve e atravessa igualmente a vila e concelho de Oeiras. Quatro estações da linha de comboio estão inseridas na cidade de Lisboa (Cais do Sodré, Santos, Alcântara e Belém), cinco no concelho de Oeiras (Algés, Cruz Quebrada, Caxias, Paço de Arcos, Santo Amaro e Oeiras) e as restantes sete na vila de Cascais (Carcavelos, Parede, S. Pedro, S. João, Estoril, Monte Estoril e Cascais). É de notar que as parcelas territoriais na extremidade mais a oeste do concelho de Cascais não são servidas por esta Linha. Importa igualmente salientar que a linha acompanha inexoravelmente de perto o rio Tejo e o oceano Atlântico, deixando mais à distância outros territórios mais a norte e mais interiores ao concelho. A frente de água, seja de rio ou de mar, é sempre privilegiada, algo que se deve de maneira relevante à génese histórica desta linha de comboio.

Muito devido à atractividade ligada a práticas de vilegiatura, a linha de Cascais tem na sua génese de formação, datada de finais do século XIX, inaugurada em 1889 (Câmara Municipal de Cascais, 2011, p. 12), chegando a Pedrouços e com conclusão da ligação ao Cais do Sodré em 1895 (Lobo, in Pereira et al, 2009, p. 69), o acompanhamento em proximidade, desde Lisboa, das frentes de água referentes aos territórios por onde passaria. As praias de rio do concelho de Oeiras bem como algumas praias marítimas do concelho de Cascais59 evidenciavam-se como os espaços

59 Excluímos, e.g., a Praia do Guincho, onde nem a Linha nem o comboio alguma chegaram e que,

de atractividade para o visitante. Este particularismo, a origem da linha férrea em Lisboa, obtém maior evidência nas primeiras também nas primeiras décadas do século XX visto que os actores sociais expectáveis quanto a esta deslocação seriam actores socias provenientes de Lisboa, tal como se pode compreender pelas palavras de Sandra Vaz Costa, sustentando que os indicadores dos anos 1930 apontavam para uma população residente em Lisboa que atingiria os cerca de 1.100.000 habitantes (Costa, in Pereira et al, 2009, p. 22). Tratava-se de uma linha cujo uso se destinava francamente às elites sociais, sendo designado Cascais como a Riviera Portuguesa e local de passagem obrigatória de individualidades (Câmara Municipal de Cascais, 2011, p. 12), pelo que não é de espantar que esta tenha sido a primeira a abandonar a locomoção sustentada pela combustão de carvão, tornando-se assim a primeira linha cuja locomoção das máquinas era realizada recorrendo ao uso da electricidade e também uma das primeiras da Europa submetida à sua electrificação, trabalho que se concluiu em 1926 (Costa, in Pereira et al, 2009, pp. 17-18; Câmara Municipal de Cascais, 2011, p. 81).

A realidade hoje em dia, metade da segunda década do século XXI, é bastante díspare. Hoje, tal como o afirmámos, e já desde há algumas décadas, que a linha férrea de Cascais e o seu uso passou do transporte de elites sociais para a massificação e democratização em termos de acesso e usufruto. Tal deve-se à trivialização de movimentos pendulares, dos denominados commuters, que utilizam o percurso da linha para se fazerem deslocar aos seus postos de trabalho. Desta forma, hoje associa- se a linha de Cascais ao commuter que se desloca da sua residência ao trabalho, e vice- versa, esbatendo-se desta forma a vertente lúdica para que inicialmente foi pensada. Desta maneira, hoje em dia as deslocações lúdicas de Lisboa a ou para Cascais privilegiam outras vias de transporte, nomeadamente as rodoviárias

do trajecto Lisboa-Cascais/Cascais-Lisboa que é percorrível pela linha, como está patente na Figura 9. A complementar, contamos ainda a praia da Cresmina e a praia do Abano.

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171 Figura 10

Legenda: Traçado da auto-estrada da Costa do Estoril – A5 e da Avenida Marginal – EN6

Fonte: Google Maps (© 2014)

Assim, outros dois eixos de entrada no concelho de Cascais, que são absolutamente fulcrais para as práticas de mobilidade humana espacial, são nomeadamente a Avenida Marginal, ou EN6, e a auto-estrada de Cascais, A5, que curiosamente, embora sem inocência na sua causalidade, foi a primeiro trajecto desta categoria a ser delineado e materializado em território português. Tanto a Marginal como a A5 (ambos os traçados podem ser verificados mediante a observação da Figura 10) foram igualmente pensadas numa lógica de trazer actores sociais para Cascais provenientes de Lisboa. Ambas obedeciam, e mantêm-se a obedecer, a uma lógica de fruição panorâmica de linha de costa, sendo a Marginal mais próxima a esta e a auto- estrada com traçado territorialmente mais interior (Costa, in Pereira et al, 2009, p. 20; Pereira, 2009, p. 28). Ainda hoje, como explicaremos adiante, a sua centralidade para as deslocações de actores sociais em turismo ou a pretender engajar em práticas lúdicas é indiscutível.

Exactamente como sucedeu com a linha de comboio de Cascais, estes eixos rodoviários foram, particularmente durante os início e meados do século XX, neste

último já no âmbito do PUCS, inicialmente cogitados para servir a elites lisboetas, dado que a massificação do automóvel não se apresentava como facto significativamente constatável. Porém, igualmente como sucedeu com a linha de comboio, e considerada já a massificação do transporte automobilizado, estas duas vias passaram a deter um uso mais trivializado e, também, mais democratizado. Isto veio a permitir que a par do comboio, o uso dos transportes automobilizados permitisse deslocações Cascais-Lisboa integrados numa lógica de deslocação residência-trabalho/trabalho-residência – onde também o cariz lúdico perde, notoriamente, a sua prevalência. Ainda assim, estas vias são as privilegiadas para quem se desloca a Cascais em turismo ou com finalidade de engajar em práticas de lazer.

Desta forma, como facilitadores, em termos de mobilidade humana espacial, também para o turismo e para as práticas lúdicas podemos asseverar que estas duas vias rodoviárias desempenham um papel que jamais poderíamos negligenciar. Se é verdade que as três vias de transporte que até aqui mencionámos são igualmente fundamentais para a mobilidade de commuters, não é menos verdade que as mesmas, com particular ênfase nas rodoviárias, detêm notável importância por serem a ponte de mobilidade entre os turistas chegados ao aeroporto de Lisboa com destino a Cascais. A referirmo-nos em concreto às vias rodoviárias, podemos igualmente sustentar que não se esgota o seu papel no transporte dos turistas provenientes do aeroporto de Lisboa com destino a Cascais.

É igualmente notório o facto de que a Marginal e a A5 são troços fundamentais para transportar turistas, e outros visitantes interessados, estabelecidos em Lisboa até Cascais em visitas lúdicas. Em entrevista informal, realizada a 20/07/201460, a um

condutor de autocarros turísticos, junto ao local conhecido como a Boca do Inferno, obtivemos a informação de que um número ainda significativo de turistas alojados em Lisboa recorrem aos serviços de várias empresas turísticas, proprietárias de autocarros para o efeito, para se deslocarem a territórios cascalenses que se apropriam com finalidades de lazer. Ficámos portanto no conhecimento de que muitos destes

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173 autocarros em particular, que fazem deslocar massivamente o grupo de turistas mencionado, têm como ponto de origem e de partida o Marquês de Pombal, em Lisboa, e como ponto de destino territórios cascalenses de interesse turístico e lúdico, tudo isto inserido no espaço temporal de menos de um dia. A Boca do Inferno é apenas um de diversos destinos cascalenses para uso lúdico, com visitantes em turismo provenientes da cidade de Lisboa.

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