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Os sujeitos deste estudo são mulheres e homens trabalhadores que lutam por suas carências em suas formações educacionais, com o propósito de superar suas condições de vida na perspectiva de uma mobilidade social que caracteriza-se como um problema que está na raiz do analfabetismo.

PASSOS (2005, p. 53) em seu estudo sobre a Escolarização de Jovens

Negros e Negras realizado no núcleo de Educação de Jovens e Adultos Capoeiras –

EJAC – da rede municipal de ensino de Florianópolis – Santa Catarina, indica que não é possível discutir os processos de escolarização de jovens afro-descendentes sem levar em conta o racismo como elemento de estratificação social que se

materializou na cultura, no comportamento e nos valores dos indivíduos e das organizações da sociedade brasileira. Este aspecto, segundo a autora, produz

grande parte das desigualdades que a população afro-brasileira acumula ao longo da história, nos mais diferentes aspectos das suas trajetórias de vida.

Em suas representações, os estudantes deste estudo, consideraram a escolarização na Educação de Jovens e Adultos importante, enquanto valor social. O reconhecimento da função e importância da escolarização está relacionado a imposição como exigência do mercado de trabalho, significada como garantia de uma mobilidade profissional.

Nas representações dos estudantes sobre o papel da escolarização identificamos, também, o segundo processo cognitivo apresentado por TAJFEL (1996), referente a “assimilação”, que se caracteriza como o saber que apóia a base para que os sujeitos tenham instrumentos para a “categorização”, constituindo-se na aprendizagem social como noções sobre diferentes grupos, inclusive o seu próprio, geradas numa cultura, geralmente aceitas pela sociedade em que se vive.

[...] eu perdi muitas oportunidades de emprego e como a gente é muito mais... muito mais de cor... essas coisas assim é que traz um tipo de constrangimento das pessoas empregar. Eu acho assim... quanto mais tu... eu acho assim... eles valorizam a pessoa... talvez que seja assim eles olham pela aparência e não vêem o potencial da pessoa. Então eu me senti muito assim... posso dizer humilhado, incapacitado né pra vencer. Então eu botei dentro de mim que eu ia voltar a estudar né para que eu pudesse ter uma colocação melhor. Porque toda vida: há ta com o ginásio incompleto né e ficava ruim. Então eu disse: não eu vou voltar a estudar porque se algum dia eu for fazer uma entrevista de trabalho; ou prestar algum concurso, alguma coisa assim, eu vou ter, pelo menos o 2º grau completo. (Carlos)

dia-a-dia, porque eu trabalho com carpintaria, eu trabalho em obra, aí eu trabalhando numa obra que eu peguei, aí eles botaram um cara lá para trabalhar comigo. Aí o rapaz nunca tinha trabalhando com obra, mas ele tinha já o 2º grau. Aí com o meu entendimento que eu tinha em obra já, porque eu já trabalho vinte e poucos anos em obras já, o rapaz já tinha o 2º grau, nunca tinha trabalhado em obra e eu com um monte de projetos pra resolver a obra, eu comecei então a dar uma orientações pra ele, aí daqui a pouco eu já senti que ele já estava mais esperto do que eu, porque pelo estudo dele, ele já tinha mais visão... assim... aí eu... peguei e pensei: Pô, parei, pensei, eu vou parar um pouco o meu serviço, não digo trabalhar no dia-a-dia, mas assim, depois do horário eu sempre saia, fazia uns “bicos”, alguma coisa. Aí eu disse: Não. Eu vou parar um pouco com o serviço de “bico”, eu vou estudar a noite. É mais... é mais... “sacrificoso”, mas eu vou estudar a noite pra mim ter mais visão no meu serviço. Embora eu fique trabalhando o resto da minha vida em obra, mas a visão que eu fui correr atrás pra buscar. E agora que eu já conclui o terceirão e to contente porque eu tenho mais visão. (Jovino)

Eu cheguei através assim oh... eu tava trabalhando né, de limpeza, como eu to atualmente ainda, e aí eu fui trabalhar num lugar onde tinha bastante pessoas estudadas. E aquilo começou a me dar um certo constrangimento assim, de eu, a única negra lá dentro e não ter estudo nenhum. Então eu comecei a procurar um lugar para que eu pudesse estudar. (Erli)

Eu fui incentivado pela minha mulher. Ela deu o empurrãozinho falando que eu tinha que voltar a estudar, foi assim que eu cheguei lá. Daí eu procurei a Diretora Juçara e ela me deu uma vaga. Porque faltava o segundo grau pra mim. Na verdade eu tava trabalhando, mas precisava de um lugar melhor pra trabalhar e todos os lugares precisava do segundo grau completo e eu não tinha. Tinha um curriculum bom, experiência na época de 11 anos na minha área e mesmo assim não conseguia emprego em grandes empresas porque eu não tinha o segundo grau. (Claudiomir)

As representações sobre a escolarização como possível fator de mobilidade59 se manifestam também reconhecendo uma determinação e exigência de mercado. Dito de outra forma, é possível identificar nas entrevistas que os/as estudantes ingressaram na Educação de Jovens e Adultos, em que pesem outros motivos, por perceberem que a educação formal é fator importante na conquista de um “trabalho melhor”, mas não determinante.

Afeta. Infelizmente o pessoal ainda não distingue isso. Eles acham que... como é que se diz? Eles fazem muita distinção. Então é muito difícil. E muito não é só nós que falamos, mas muitas pessoas falam que é muito difícil tu ser um negro respeitado. Tu tem que ser melhor que um branco. É a realidade. Não sei se tu concordas comigo, mas a gente, eu acho, nós temos que dar o melhor de nós para eles reconhecerem que a gente é alguma coisa. E nós vemos na Universidade poucos negros. Na universidade tem poucos negros na universidade. Então é isso né. Nós temos que ter força de vontade e buscar o que a gente quer. Não para competir, tais entendendo, e sim pra nós mostrar que nós somos capazes também. (Carlos)

A fala de Carlos é emblemática no que diz respeito a algo que ele mesmo tem dificuldades em elaborar e está relacionada ao dar-se conta do que é ser “negro” em uma sociedade racista e meritocrática60. Ele questiona a parca incidência de afro-descendentes nas Universidades e acrescenta que a permanência, quando há uma chegada no ensino superior, impõe a homens e mulheres afro-descendentes que sejam e façam mais do que os não-afro para “mostrar que nós somos capazes também”. Ou seja, que não há igualdade de oportunidade pela educação formal, em sua visão.

59

DALLABRIDA (2001, p. 28-29), em seu trabalho “A Fabricação Escolar das Elites” assevera que “a “atmosfera cultural” herdada na família transforma os filhos de burgueses em alunos mais seguros e soltos, que relativizam a importância da educação escolar, enquanto os filhos das classes menos abastadas, que recebem exortações e encorajamento de suas famílias, destacam-se pelo esforço, pois percebem a escola como praticamente o único caminho de ascensão social”.

60

Por Meritocracia se entende o poder da inteligência que, nas sociedades industriais, estaria substituindo o poder baseado no nascimento ou na riqueza, em virtude da função exercida pela escola. Os méritos dos indivíduos, decorrentes principalmente das aptidões intelectivas que são confirmadas no sistema escolar (...), viriam a constituir a base indispensável, conquanto nem sempre suficiente, do poder das novas classes dirigentes (...). Sob esta concepção, troca-se o privilégio do nascimento pelo da capacidade individual. (BOBBIO, 1994, p. 747)