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Mobilidade Social e Género

No documento Constatações da Realidade em Moçambique (páginas 40-44)

4. RELAÇÕES SOCIAIS DE POBREZA E BEM-ESTAR

4.3 Mobilidade Social e Género

A imagem geral que ressalta dos agregados familiares focais é de não-mobilidade para os muito pobres e mobilidade social ascendente para as famílias que já estão em situação relativamente melhor. Várias das famílias muito pobres viram falecer alguns membros durante o último ano, com implicações significativas na sua capacidade de produzir alimentos e obter um rendimento. Aparte isso, as mudanças que experimentaram são pequenas e não de molde a elevar o agregado familiar em termos sócio-económicos – embora seja suficientemente importante para as pessoas em questão verem um filho incapacitado a ser capaz de andar e poder dormir em cima de um cobertor em vez de sacos de arroz.

39 das instituições baseadas localmente. A situação parece ser particularmente grave para as pessoas sem um companheiro (violando profundas noções culturais da importância do casamento), e para as pessoas com incapacidades que são facilmente vistas como um fardo. De facto, a maioria destas famílias parece depender da ajuda de um ou de alguns familiares individuais, que são vitais para a sua sobrevivência mas que também deixam as famílias pobres em posições muito vulneráveis. Em comunidades e bairros pobres, as pessoas simplesmente não têm possibilidades de ter dívidas pendentes que sabem que provavelmente nunca serão recebidas. Quando forçadas a escolher, a escolas e unidades sanitárias. Poucos colocam o dinheiro ou a corrupção como obstáculos (o que não quer dizer que não exista), mas muitos queixam-se de tratamento medíocre e serviço insatisfatório, particularmente na saúde. O acesso à protecção social básica, na forma de apoio do INAS, mostra grandes variações entre os diferentes locais de estudo. No Lago/Meluluka nenhuma das famílias focais recebe esta espécie de apoio. Em Majune o acesso parece depender bastante de contactos pessoais com os detentores do poder. E em Cuamba a instituição aumentou o número de beneficiários, identificados através dos seus próprios representantes nas comunidades (os ‘permanentes’) e, com excepção de uma, todas as famílias focais pobres recebem ajuda.

As famílias em melhor situação são caracterizadas por terem grandes famílias alargadas (muitas vezes baseadas na poligamia) e várias fontes de subsistência e rendimento. Uma interessante característica comum parece ser também que têm uma história noutros países (Malawi e Tanzania) ou noutras províncias, onde foram capazes de acumular dinheiro para começar um negócio e aparentemente aprenderam também as competências necessárias.

Vimos também como a maioria das famílias em melhor situação foram capazes de expandir os seus negócios durante o último ano, muitas vezes estabelecendo relações de negócios fora da comunidade. Isto é particularmente notável no Lago/Meluluka, onde a pesca é a base de acumulação de capital e de expansão dos negócios.

As famílias em melhor situação estão também claramente em posição de fazer melhor uso das instituições públicas que existem, como vimos no caso do agregado familiar que recebeu ajuda para o tratamento da sua filha doente, desde o Posto de Saúde local e durante todo o percurso até ao Malawi. Estes agregados familiares também têm acesso a um espectro mais amplo de instituições públicas, frequentemente baseado – como vimos especialmente em Majune – em contactos pessoais com detentores de poder e funcionários públicos. Um agregado familiar em Cuamba até estava preparado para usar o tribunal formal para reclamar o direito ao emprego do seu filho deficiente. A diferença no acesso a instituições públicas é provavelmente uma combinação do respeito que muitos agregados familiares em melhor situação encontram quando contactam instituições públicas, e da sua capacidade para exigir os seus direitos e pagar a sua parte quando necessário.

No entanto, vimos também que mesmo os agregados familiares em melhor situação estão vulneráveis a choques súbitos, por exemplo na forma de doença e capacidade de trabalhar

40 A vida das mulheres [actualmente] é crítica. A

maioria das raparigas com 12 ou mais anos de idade só quer fumar suruma (pot) e embebedar-se. O resultado são mais infecções e gravidezes.

Se a mãe a questiona, ela dirá: “Não me chateie.

– como o agregado familiar em Meluluca cujo chefe teve de passar vários meses no Malawi com a sua mulher doente, não podendo por isso atender aos seus negócios de pesca. O que, todavia, caracteriza a maioria destes agregados familiares é que são capazes de recuperar desses choques, através de acesso mais fácil a instituições públicas e de redes sociais mais amplas. Há também uma tendência entre alguns dos agregados familiares em melhor situação de culpar os pobres pela sua pobreza (ver a Caixa).

Vimos também o que parece serem diferenças sistemáticas entre os diferentes locais de estudo e entre homens e mulheres. Em Majune, dada a situação generalizada de pobreza, as redes sociais e estruturas de apoio parecem ser mais fracas que nas outras duas áreas.

Perder uma colheita facilmente faz com que as pessoas caiam na categoria mais baixa de pobreza. No Lago/Metangula, a dinâmica situação económica, particularmente entre as pessoas envolvidas nas pescas, tem implicações também para os pobres em termos de mais dinheiro em circulação e melhor acesso a emprego de curto prazo – embora tenhamos visto que também aqui há agregados familiares que estão completamente desligados desses desenvolvimentos. membros do agregado familiar alargado. Há também algumas pessoas que de várias formas parecem ter desistido de fazer mais pela sua vida – aparentemente incluindo mulheres jovens, como se pode ver pela citação acima.

Posto isto, a relação entre género e mobilidade social parece ser complexa. A maioria dos agregados familiares muito pobres entre as nossas famílias focais são chefiados por mulheres, sendo a sua pobreza baseada numa combinação do estigma e implicações de viver sem um homem e do seu acesso mais difícil

às instituições públicas e tradicionais. Ao mesmo tempo, porém, as mulheres que são bem sucedidas em termos económicos não parecem encontrar quaisquer reacções particularmente negativas por serem mulheres – aspecto que conhecemos de outros cenários similares noutras partes de Moçambique (Tvedten et al. 2010, 2011). Uma conclusão pode ser que, embora os constrangimentos económicos e culturais sociais possam tornar mais difícil às mulheres ascender socialmente, as que o conseguem estão em posição

de desenvolver as suas fontes de rendimento da mesma maneira que um homem. Isto não significa que as mulheres não enfrentem reacções negativas por parte dos homens (ver a Caixa).

Um desenvolvimento que afecta um grande número de mulheres, particularmente no cenário urbano de Cuamba, é a aparentemente rápida desintegração do sistema de parentesco matrilinear, que afecta tanto a sua segurança social, dado que elas e os seus filhos são vistos como pertencendo mais à família do pai biológico do que à sua própria família como as suas relações sociais dado que cada vez mais se estabelecem perto da família do seu marido (patrilocalidade) ou separadamente (neolocalidade) em vez de com a sua própria família alargada (matrilocalidade). Embora tivéssemos identificado essa tendência também

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não funciona. O homem tem de levar a mulher e não o contrário.

Nós descobrimos que a família pertence ao pai e que o homem deve levar a família. O homem é

oprimido, porque quando se divorciava deixava tudo à família

[da sua mulher] e tinha de começar outra vez do nada.

Era atraso!

Homem em melhor situação, Cuamba

no Lago/Meluluka durante a primeira Constatação da Realidade, é provável que o desenvolvimento aconteça com muito maior rapidez num contexto urbano (ver a Caixa).

Finalmente, o nosso Estudo de Base, bem como os agregados familiares focais, mostram que as mulheres têm menos contacto com as instituições públicas do que os homens. Isto não está necessariamente relacionado apenas com a sua condição de mulheres, em que os maridos são geralmente considerados responsáveis pelo bem-estar da família e pelo controlo do rendimento do agregado familiar. Está também estreitamente relacionado com o facto de as mulheres – e particularmente as mulheres que chefiam agregados familiares – serem geralmente mais pobres do que os homens e os agregados familiares chefiados por homens. Há casos em que mulheres, entre os que estão em melhor situação, tratam elas próprias de questões com as instituições públicas – ao ponto de se fazerem ouvir em reuniões públicas com detentores de poder externos à comunidade. A forte posição das rainhas em algumas das comunidades é outra indicação da complexidade da situação das mulheres.

Em resumo, nenhum dos agregados familiares focais experimentou entre 2011 e 2012 qualquer mudança dramática da sua posição económica e social, no sentido ascendente ou descendente da hierarquia de pobreza e destituição que identificamos. No entanto, mesmo as mudanças negativas mais pequenas tornam a vida difícil particularmente para os agregados familiares mais pobres e, em Cuamba, no Lago e em Majune, a mobilidade social descendente parece infinitamente mais fácil do que a mobilidade social ascendente. A próxima Constatação da Realidade (2013) analisará em particular a agricultura e outras fontes de emprego e rendimento – ou a base económica da mobilidade social.

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No documento Constatações da Realidade em Moçambique (páginas 40-44)

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