• Nenhum resultado encontrado

Mobilização Demográfica e Definição de Potência

António Paulo Duarte

1. Grandes, Médias e Pequenas Potências na Primeira Guerra Mundial

1.1. Mobilização Demográfica e Definição de Potência

A Primeira Guerra Mundial caracterizou-se, para os contemporâneos, como uma guerra de mobilização das massas, dado o maciço levantamento da popu- lação masculina para servir as forças armadas de cada um dos beligerantes. Com efeito, diz Jay Winter (2004, p. 1075), “a grande guerra foi um conflito revolucionário, em parte por que entre 1914 e 1918, a proporção da popula- ção masculina com a idade entre os 15 e os 49 anos, posta em uniforme atin- giu níveis jamais alcançados num conflito militar de longa duração. O nível de participação militar alcançou cerca de 50% da população masculina em idade de levantar armas”.

No que respeita ao potencial estratégico nacional interessa talvez começar por observar os quantitativos de população e os níveis de mobilização mas- culina em idade militar para aferir o posicionamento de cada Estado no quadro das grandes, médias ou pequenas potências – em parênteses apresen- tam-se outros dados, quando a data disponível é muito discrepante, entre várias fontes.

Quadro 1 – Mobilização Demográfica nacional das Potências Aliadas 1914-1918

estados (em milhões de habitantes)População (em milhões)Mobilizados (militares)Mortos

Rússia 175 18,1 (13) 1,8 milhões França 39,7 7,9 1,375 milhões (1,4 milhões) Grã-Bretanha e Império Britânico 46,2 400 9 900 mil (910 a 950 mil) Itália 35,3 5,6 580 mil Estados Unidos da América 99 4,3 114 mil Japão 53,4 0,800 900 (2 mil) Roménia 7,6 1 250 mil Sérvia 4,3 0,750 (1) 278 mil Bélgica 7,8 0,365 (0,380) 39 mil (41 mil) Grécia 4,6 0,355 (0,200) 26 mil Portugal 5,6 0,100 7,2 mil Montenegro 0,5 0,050 3 mil

Fontes: para os mobilizados e os mortos Winter (2004, p. 1077); em parênteses, quando os dados são discrepantes com os primeiros Hughes e Philpott (2005, p. 101) e Prost (2014, pp. 5-6); para a população Jefferson (1914, pp. 404, 409 e 411).

Quadro 2 – Mobilização Demográfica nacional das Potências Centrais 1914-1918

estados (em milhões de habitantes)População (em milhões)Mobilizados (militares)Mortos

Alemanha 68 13,2 2 milhões

Áustria-Hungria 50,7 9 1,1 milhões

(1,2 milhões)

Império Otomano 23,5 3 800 mil

(400 mil)

Bulgária 4,8 0,400

(0,950)

87,5 mil (49 mil)

Fontes: para os mobilizados e os mortos Winter (2004, p. 1077); em parênteses, quando os dados são discrepantes com os primeiros Hughes e Philpott (2005, p. 101) e Prost (2014, pp. 5-6); para a população Jefferson (1914, pp. 404, 409 e 411).

Este quadro demográfico merece alguns reparos importantes. A população calculada para 1914, de acordo com um geógrafo coevo, Mark Jefferson, apoiado por indicações de outras fontes mais recentes, é uma estimativa, pro- vavelmente bastante correta, dado o desenvolvimento existente em muitas das sociedades europeias no que se refere às computações estatísticas (Jefferson, 1914, pp. 409-410). Não obstante, em geral, os dados dos últimos censos derivavam do início da década, e, por exemplo, no caso específico da Rússia, mesmo de fins do século XIX (1897) (Jefferson, 1914, p. 410). A evolução do quantitativo populacional é dinâmico, ainda mais no início do século XX na Europa, onde ainda se refletia o impressionante crescimento demográfico europeu produzido ao longo do século XIX. Com efeito, em 1914, o quanti- tativo de populações de origem europeia no mundo, rondava os 35% da população mundial – 460 milhões de europeus, a que se poderiam juntar 100 milhões de norte-americanos, não se incluindo nesta contabilização os 10 milhões de afro-americanos, havendo ainda espalhados pela América Latina e pela África larga dezenas de milhões de outros tantos migrantes de origem europeia, para uma população mundial de 1,8 biliões de habitantes (Jefferson, 1914, p. 413). O geógrafo coevo, já mencionado, que este texto segue, efetua no mesmo uma análise da tendência de crescimento demográfico da Europa até 1920, no qual se observava um ritmo de crescimento elevado para a maio- ria dos países europeus, com a exceção da França. O texto, como deverá pare- cer óbvio, foi escrito antes da eclosão da Primeira Guerra Mundial e de acordo com a prospetiva do autor, o geógrafo Mark Jefferson, todos os países euro- peus manteriam um elevado crescimento demográfico, passando o Império Alemão, por exemplo, de 68 milhões de habitantes para 73,5 milhões em 1920 (Jefferson, 1914, p. 409). Os quadros servem antes de mais como um indicativo geral, uma aproximação de elevada precisão, contudo, sobre a dimensão populacional de cada um dos países beligerantes e o seu potencial peso relativo no cômputo geral.

O que nos dizem então os quadros em termos do potencial peso relativo de cada país no sistema internacional?

Só um dos países beligerantes referidos ultrapassa os 100 milhões de habi- tantes, a Rússia. O Império Britânico suplanta claramente a Rússia em ter- mos demográficos, com 400 milhões de habitantes, mas o grande esforço de guerra da Grã-Bretanha por si só é muitíssimo mais relevante que o do Impé- rio como um todo, ou por outras palavras, o Império Britânico coadjuva com algum esforço adicional a colossal mobilização da metrópole. Esta, com efeito mobiliza pelo menos 6,2 milhões dos 9 milhões de soldados que com- bateram pelo Império Britânico (Hughes e Philpott, 2005, p. 101), e mesmo destes, uma proporção ingente resulta do esforço de guerra do Canadá – 7,7

milhões de habitantes em 1914 com cerca de 624 mil mobilizados –, da Austrália – 4,4 milhões de habitantes, com cerca de 413 mil mobilizados – e da Nova Zelândia – 1,1 milhões de habitantes, com cerca de 128,5 mil mobilizados4.

Quatro beligerantes ultrapassam os 50 milhões de habitantes, os Estados Uni- dos da América, com cerca de 99 milhões de habitantes, o Império Alemão, com cerca de 68 milhões de habitantes, o Japão com 53 milhões de habitantes e a Áustria-Hungria com cerca de 51 milhões de habitantes. A Grã-Bretanha estava próxima, com cerca de 46 milhões de habitantes. Todavia, pode ser incluída nos Estados com mais de 50 milhões de habitantes se a ela juntarmos os domínios do Canadá, da Austrália e da Nova Zelândia, em razão da popu- lação desses territórios ser maioritariamente composta por nativos de língua inglesa, muito correlacionados com a metrópole e a terra-mãe. Nesse sentido, estaríamos a falar de uma entidade estatal e nacional com cerca de 59 milhões de habitantes. Por sua vez, dado o crescimento populacional dos Estados Uni- dos da América, em 1917, quando este país entra na contenda, já ultrapassaria os 100 milhões de habitantes – segundo os cálculos de Mark Jefferson (1914, p. 404) seriam 109 milhões de habitantes5.

Subsequentemente aparecem-nos os países abaixo dos 40 milhões mas acima dos 30 milhões. Estão nestes casos, a França com 39 milhões de habitantes em 1914 e a Itália com 35 milhões de habitantes. A França estava muito próxima dos 40 milhões de habitantes, todavia Mark Jefferson nos seus cálculos pros- petivos só a fazia chegar aos 40 milhões de habitantes em 1918 (Jefferson, 1914, p. 409), considerando as baixíssimas taxas de crescimento que esse país tinha e tivera ao longo de todo o século XIX.

O Império Otomano formaria um novo nível, com uma população estimada de cerca de 23 milhões de habitantes, por conseguinte, no horizonte entre os 30 milhões e os 20 milhões de habitantes.

Por último vem um rol de beligerantes abaixo dos 10 milhões de habitantes – Bélgica, Roménia, Portugal, Bulgária, Grécia, Sérvia e Montenegro.

4 Para a população, dados de Jefferson (1914, pp. 404 e 411); para os mobilizados, dados de

Hughes e Philpott (2005, p. 81). A Índia contribui também com cerca de 1,45 milhões de mobilizados (Idem, p. 81).

5 Todavia, uma informação mais atual, encontrada em U.S. Census Bureau (2018; 2000),

consultada em 14 de junho de 2018, dão para os EUA, em 1914, 99 milhões de habitantes, tal qual referido por Mark Jefferson, mas tão só 103,3 milhões de habitantes para 1917. É plausível que a Primeira Guerra Mundial ao constranger a navegação e ao impor a mobilização maciça dos beligerantes tenham condicionado um dos vetores essenciais de crescimento da população dos EUA, a emigração.

Pode-se, em termos demográficos, distinguir assim cinco níveis:

1) Com mais de 100 milhões de habitantes: Império Russo e Estados Unidos da América (desde 1915).

2) Entre os 100 milhões e os 50 milhões de habitantes: Império Alemão, Grã-Bretanha com os seus domínios autónomos, Japão e Áustria- -Hungria.

3) Entre os 50 milhões e os 25 milhões de habitantes: França e Itália. 4) Entre os 25 milhões e os 10 milhões de habitantes: Império Oto-

mano.

5) Abaixo dos 10 milhões de habitantes: Bélgica, Roménia, Portugal, Bulgária, Grécia, Sérvia e Montenegro.

Genericamente poder-se-ia agora definir, de entre estes Estados, quais seriam incorporados nas grandes, médias e pequenas potências. Assim, nas grandes potências seriam considerados os Estados com mais de 50 milhões de habitan- tes, médias potências, todos aqueles entre os 10 milhões e 50 milhões de habi- tantes, e as pequenas potências todos os restantes Estados abaixo dos 10 milhões de habitantes.

Todavia, se olharmos para o contributo de cada um para o esforço de guerra, esta primeira análise tem variadíssimas discrepâncias. Todos os pequenos paí- ses tiveram um contributo para o esforço de guerra das respetivas alianças muito maior do que o Japão, se medido em número de mortos. Com efeito, para uma população de 53 milhões de habitantes, o Japão mobilizou apenas 800 mil combatentes e teve tão só cerca de 900 mortos – ou 2 000 noutros dados –, por comparação, por exemplo, como a Sérvia, que com uns parcos 4 milhões de habitantes, mobilizou quase tantos ou mais soldados que o pri- meiro país e sofreu quase 300 mil mortos (militares).

Igualmente, a Rússia, a Áustria-Hungria e os Estados Unidos tiveram um con- tributo para o esforço de guerra comum, no que se refere aos respetivos alia- dos, muito menor do que aquele que teve a França e a Grã-Bretanha, ou a Alemanha, se medido em número de mortos pela população total. Efetiva- mente, a Alemanha e a França terão sido, dos grandes beligerantes, aqueles que mais mobilizaram a população masculina entre os 15 e os 49 anos de idade, cerca de 80% da qual foi uniformizada (Winter, 2004, p. 1175). Como veremos mais adiante, poucos ou nenhum dos pequenos beligerantes terá alcançado os níveis de mobilização da França e da Alemanha, e isso por óbvias razões que mais adiante serão desenvolvidas. Por enquanto interessa salientar que por pequenos beligerantes julgamos poder considerar os países com menos de 10 milhões de habitantes.