• Nenhum resultado encontrado

Poderio económico e Definição de Grande Potência

António Paulo Duarte

1. Grandes, Médias e Pequenas Potências na Primeira Guerra Mundial

1.2 Poderio económico e Definição de Grande Potência

Vários elementos terão, em cada caso particular, contribuido para que uma grande ou média potência não virtualizasse ao máximo o seu potencial, mas isso significa igualmente que é preciso ter algum cuidado em atribuir um esta- tuto de grande potência aos Estados com base apenas no critério demográfico. Isso não significa que o quadro demográfico não seja relevante, mas deve ser combinado com pelo menos mais dois elementos de análise: a dimensão económico-industrial e a dimensão imaterial da cultura/vontade coletiva/ governação.

O levantamento do produto nacional dos Estados só na década de 30 do século XX teve, nos Estados Unidos da América, os seus primeiros estudiosos (Karabell, 2014, p. 91). Porém, outros tantos dados de carácter económico eram já utilizados no século XIX para aferir da pujança da economia e do rendimento nacional nos diversos países europeus. Um exercício sobre o pode- rio das grandes potências em termos económicos foi apresentado por Paul Kennedy (1988) no seu já clássico estudo sobre a Ascensão e Queda das Grandes

Potências, fundamentalmente com base na dimensão industrial-produtiva dos

principais poderes europeus e dos Estados Unidos da América. Vejamos os dados para as grandes potências, em 1914, que o autor apresenta:

Quadro 3 – Rendimento nacional, População e Produto nacional Bruto per capita em 1914

Países Rendimento nacional (milhões de dólares) População (em milhões de habitantes) Produto nacional Bruto per capita

(dólares)

Estados Unidos da América 37 98 377

Grã-Bretanha 11 45 244 França 6 39 153 Japão 2 55 36 Alemanha 12 65 184 Itália 4 37 108 Rússia 7 171 41 Áustria-Hungria 3 52 57 Fonte: Kennedy (1988, p. 269).

Estes dados evidenciam obviamente uma discrepância, quando comparados com o esforço de guerra; os Estados Unidos da América, a maior de todas as

potências tem um esforço de guerra muito menor que o da França, Alema- nha ou Grã-Bretanha, mas tal, é sabido, deve-se à tardia entrada deste país na conflagração e de a sua efetiva participação se ter dado basicamente nos últimos seis meses da mesma, tendo o seu 1º exército só sido ativado em agosto de 1918; com efeito, aquando da ofensiva de primavera alemã, o general John Pershing, comandante supremo das forças norte-americanas na Europa, aceitou, em nome do esforço comum, que unidades divisionais e de corpo de exército fossem integradas nos exércitos franceses e britânicos.6

Mas, ainda assim, esta situação é um belo exemplo de que o poder pode agir mesmo nas condições em que para ter efeito basta existir: a entrada dos Esta- dos Unidos da América na guerra, não só galvanizou a vontade de resistência dos seus aliados e a sua resiliência, ao mesmo tempo que, pelo facto de estar presente, demonstrou aos alemães, fracassadas as ofensivas da primavera de 1918 com que o II Reich tinha procurado alcançar uma decisão favorável para a contenda, lhes restava assumir a derrota, o que aconteceu em setem- bro desse ano.

Em termos de rendimento nacional, podem-se distinguir talvez dois grupos, o primeiro com rendimentos acima dos 100 dólares, e que poderíamos conside- rar como sendo os países mais industrializados e mais desenvolvidos. Os segundos, abaixo dos 100 dólares, ainda seriam no essencial países relativa- mente atrasados, com uma forte componente rural e tradicional na economia. Os Estados Unidos da América, a Grã-Bretanha, a Alemanha, França e em parte a Itália tinham já desenvolvido vastos setores industriais e científico- -tecnológicos. Por comparação, a Rússia, a Áustria-Hungria e o Japão ainda estavam a iniciar um processo de industrialização. Isto é conhecido no caso particular dos dois países europeus. Ambos teriam zonas já muito desenvolvi- das, às quais se juntavam ainda vastos territórios de economia e sociedade tradicional (Kennedy, 1988, pp. 198-249).

Considerando estes dois elementos, rendimento nacional e produto bruto per

capita, onde se situariam os pequenos países da Europa?

6 Para uma síntese sobre o papel dos Estados Unidos da América, veja-se Hughes e Philpott

Quadro 4 – Produto nacional Bruto e Produto nacional Bruto per capita na europa ocidental em 1914

Países Produto nacional Bruto Produto nacional Bruto per capita

Áustria 19 572 2 876 Bélgica 30 300 3 923 Dinamarca 12 405 4 110 Finlândia 6 108 2 001 França 134 230 3 236 Alemanha 202 207 3 059 Itália 95 413 2 543 Países Baixos 24 281 3 868 Noruega 6 111 2 472 Suécia 17 543 3 100 Suíça 16 496 4 233 Reino Unido 226 864 4 927 Irlanda - - Grécia 8 208 1 502 Portugal 7 520 1 258 Espanha 41 075 2 014 Roménia 21 810 1 534 Bulgária 7 240 1 741 Austrália 24 797 5 027 Nova Zelândia 5 931 5 189 Canadá 32 577 4 025

Estados Unidos da América 477 545 4 799

Fonte: Bolt, et al. (2018) e Maddison (2009).

O mais pujante dos pequenos beligerantes, a Bélgica, tinha uma economia em que o rendimento nacional per capita equivalia e até suplantava o da Alema- nha e da França, cerca de 4.000 dólares para 3.000 e 3.200 dólares respetiva- mente a cada um dos países referidos. Não obstante, em termos brutos, a economia belga era 1/5 da francesa e 1/8 da alemã – 134 milhões e 202 milhões de dólares respetivamente. O país que mais se aproximava da Bélgica em termos de rendimento bruto era a Roménia com o rendimento nacional de 21 milhões de dólares, mas com um rendimento per capita muito baixo, na ordem dos 1.800 dólares. A explicação para um diferencial tão elevado pode- -se prender com o facto de o Madison Project, do qual extraíram estes dados, atribuir à Roménia 12,5 milhões de habitantes (Bolt et al., 2018), quando

outras fontes só lhe atribuem 7,5 milhões de habitantes. Esta discrepância é igualmente um bom elemento para evidenciar a complexidade da natureza das estatísticas. Assim, deve-se olhar para estes elementos mais como um ele- mento de apuramento de diferenciais de pujança económica, o que para o foco deste estudo julga-se ser o bastante para se tirarem conclusões válidas sobre equilíbrios e desequilíbrios de poder. O diferencial relativo à população pode dever-se ao facto de os autores incorporarem na Roménia territórios então pertencentes à Áustria-Hungria.

Todos os outros pequenos beligerantes têm um rendimento nacional bruto abaixo dos 10 milhões de dólares, mais de 13 vezes inferior ao francês e mais de 20 vezes inferior ao alemão, e ainda mais em relação ao dos Estados Unidos da América ou da Grã-Bretanha. Não é que seja surpresa esta discrepância. Mesmo quando o país fazia uma excelente figura com a sua riqueza nacional, o seu poderio económico era muito limitado. O caso da Bélgica é exemplifica- tivo. Nesse sentido, o rendimento nacional é outro meio de qualificar e distin- guir os pequenos beligerantes das grandes potências. Pode-se considerar que diferenciais de poder económico de um para dez já justificariam a inserção de um país no rol das pequenas potências – é o caso da Bélgica em relação aos Estados Unidos da América, de acordo com o quadro exposto estar-se-á a falar de um diferencial de um para quinze. Inequivocamente, todos os outros peque- nos beligerantes têm economias muito débeis, quando comparadas com as das grandes potências, por isso é que são pequenas potências. Estamos a falar da Sérvia, da Bulgária, da Grécia, de Portugal, da Roménia e do Montenegro.

1.3 Cultura e Poder: para uma Avaliação dos Pequenos Beligerantes na