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4 JOVEM E ELEGANTE CONTRASTES NOS DISCURSOS DA MODA E DO

4.3 Para a mulher gaúcha a moda e os estilistas no Rio Grande do Sul

4.3.1 Moda nos pampas – aproximações possíveis entre o Rio Grande do Sul,

Antes de evidenciarmos algumas aproximações entre a moda gaúcha e aquela produzida no Uruguai e na Argentina é preciso levar em conta que

97 Sugestão de Ruy para as nossas elegantes: um conjunto de três peças em tecido seco – linho,

piquê, tropical ou tergal – com saia em pregas, casaquinho trespassado e abotoado com quatro botões. Uma palavra autorizada. “Os vestidos devem ser usados muitas vezes” – diz Ruy. Correio do Povo, 08 ago. 1965.

98 Uma palavra autorizada. “Os vestidos devem ser usados muitas vezes” – diz Ruy. Correio do Povo,

08 ago. 1965.

99 Uma palavra autorizada. “Os vestidos devem ser usados muitas vezes” – diz Ruy. Correio do Povo,

historicamente a região possui uma relação histórica, comercial e cultural muito estreita100. Além disso, outro fator importante é a situação climática. Visto que o Rio

Grande do Sul possui um clima bastante diferente do restante do Brasil, muito mais próximo do clima dos países da região platina. O que sugere que as criações de moda desses locais podiam ser utilizadas em toda a região sul, mas os grossos casacos de frio não seriam bem recebidos mais ao norte do Brasil.

Mais do que isso, já no início de sua carreira o estilista Rui Spohr percebeu a aproximação econômica e cultural entre o Rio Grande do Sul e os países que fazem fronteira com o Estado e passou a se dirigir à Argentina para buscar inspirações para seu ateliê:

Houve uma época, no fim dos anos 50, em que isso foi viável, pois eu viajava seguidamente para Buenos Aires, sempre às quintas à noite, e voltava no domingo de manhã. Dois dias pesquisando as novidades e fazendo compras para o ateliê, adquirindo material de chapeleiro de dia, depois frequentando a noite portenha, e eu voltava a Porto Alegre de alma lavada101.

Neste trecho de sua autobiografia, Rui destaca a importância das viagens regulares à capital portenha para trazer novidades às suas clientes. À medida que foi se tornando conhecido na moda gaúcha e construindo sua marca, o estilista procurou intensificar sua relação com os países vizinhos, sendo reconhecido nacionalmente por sua relação com os países do sul. Ao mencionar uma reportagem realizada para divulgar o trabalho do estilista, Noronha salienta que, primeiramente, a mesma reforçava seu papel de criador com o período de aprendizado na França, em seguida destacava sua atuação na região (e não no país). “Esse afastamento é ressaltado através da sugestão de que Rui atende uma clientela selecionada entre as mulheres mais elegantes do Rio Grande do Sul e de Montevidéu”102. Ou seja, o estilista

era reconhecido por sua atuação na região sul, não como um nome da moda brasileira.

A Revista do Globo, por sua vez, também alertava para o interesse dos gaúchos para a região, e apresentava as vantagens de fazer turismo no Uruguai e desfrutar das belezas no país vizinho. Na edição da revista, publicada em abril de

100 Pensar, por exemplo, nas origens dos trajes “típicos” do gaúcho, conforme Figueiredo e Noronha

(2008).

101 SPOHR, VIEGAS-FARIA, 1997, p. 84. 102 (NORONHA, 2013, p. 103).

1962, a reportagem: “A vida é bela em Punta Del Este103” eram feitas descrições dos

motivos para visitar a cidade nas férias:

As pessoas se vestem como bem entendem, variando dos 'shorts' ao 'slack', das bermudas ao biquini. A 'Playa Brava'. As outras praias, com o biquini a enfeitar bonitos corpos de garotas. Gente internacional. Ponto de reunião da melhor aristocracia do Uruguai e Argentina104 [grifos nossos].

A reportagem sugeria que as praias uruguaias eram frequentadas por pessoas importantes e com informações de moda, vestindo o que lhes agradava, aparentemente sem preocupações com as convenções sociais. E seguia: “O turismo uruguaio não chama apenas os gaúchos, mas também paulistas e cariocas”105,

evidenciando a grande presença de gaúchos na região. Na edição seguinte, numa continuação, a revista segue reforçando as vantagens de visitar o país na reportagem “Uruguai é país de turismo”, com descrições das belezas naturais do território e as vantagens de visitar a capital: “Em Montevidéu sempre há locais para diversões: cinemas, teatros, boates, restaurantes, cafés, os bares dos hotéis famosos”106.

A publicidade veiculada pelo jornal Correio do Povo também mostrava essa aproximação. No periódico, são recorrentes os anúncios de viagens do Rio Grande do Sul – seja partindo de Porto Alegre ou de Pelotas e Rio Grande – para o Uruguai e Argentina como ótimos destinos para férias. A recorrência impressiona, e apesar de haver também propagandas de viagens para outros estados brasileiros e para a Europa, os destinos platinos costumavam ser mais referenciados.

103 LISBOA, A vida é bela em Punta Del Este. Revista do Globo, n. 818, 1962. 104 LISBOA, A vida é bela em Punta Del Este. Revista do Globo, n. 818, 1962. 105 LISBOA, A vida é bela em Punta Del Este. Revista do Globo, n. 818, 1962.

Ilustração 19 - Anúncio veiculado no Correio do Povo

Fonte: Anúncio veiculado no Correio, 11 nov. 1965. Ilustração 20 - Anúncio veiculado no Correio do Povo.

Ilustração 21 - Anúncio veiculado no Correio do Povo.

Fonte: Anúncio veiculado no Correio do Povo, 21 de ago.1965.

Os anúncios aqui exibidos mostram viagens com destino a Montevidéu com a possibilidade de fazer conexões em Buenos Aires. São oferecidos assentos de luxo e leito, o que pode indicar que pessoas de grande poder aquisitivo realizavam essas viagens. O segundo anúncio informa que era possível ter acesso aos jornais Correio do Povo, Folha da Tarde e Folha Esportiva em Montevidéu, o que nos permite inferir que a presença de gaúchos na capital uruguaia era bastante comum, tendo em vista que havia a possibilidade de comprar e até assinar esses jornais na cidade. A última imagem é a de um anúncio de uma loja de roupas e artigos de lã em Montevidéu, mais uma vez sugerindo que os gaúchos faziam compras no país vizinho, de roupas para a casa e confecções.

Por sua vez, a recorrência das viagens de gaúchos a Buenos Aires também deve ter sido notada pelos comerciantes locais, que possivelmente faturavam bastante devido a esses turistas. Esse deve ter sido um dos motivos para a Casa Pasteur ter feito uma propaganda no jornal Correio do Povo. Como é possível observar através da imagem, o anúncio diz em letras garrafais: “Nestas férias de julho só se faz bom turismo em Buenos Aires visitando a Casa Pasteur” e abaixo em letras menores são divulgadas “criações de alta costura, malhas, confecções modernas” e roupas produzidas em couro e camurça para todas as idades e todos os sexos. O anúncio ainda explicava que quando apresentado na loja, o cliente tinha a possibilidade de poder comprar a preços especiais.

Ilustração 22 - Anúncio veiculado no jornal Correio do Povo.

Fonte: Anúncio veiculado no jornal Correio do Povo, 10 out. 1968. Coleção de Obras Raras e Especiais do Memorial Jesuíta Unisinos.

O fato de as férias em Buenos Aires estarem associadas a uma visita na Casa Pasteur permite observar uma incidência de turismo de consumo e possivelmente este era um destino bastante procurado pelos gaúchos enriquecidos, o que gerava forte apelo à divulgação da casa de modas. Relacionar seus produtos à capital argentina e ao bom turismo pode ter sido uma maneira de atrair esses clientes que buscavam sofisticação na cidade. Além disso, como mencionamos anteriormente, as condições climáticas parecidas favoreciam os consumidores que gostariam de exibir roupas importadas em solo gaúcho.

A recíproca, por sua vez, parece ter sido verdadeira. Em matéria intitulada “Porto Alegre em ritmo de Turismo Internacional”, a Revista do Globo mostrava os encantos de Porto Alegre sobre o olhar dos turistas uruguaios.

Como exemplo de turistas ideais, de classe média e com o característico espírito esportivo do uruguaio, encontramos o casal do qual colhemos as impressões que correspondem à totalidade das opiniões gerais dos turistas que nos visitaram107 [grifos nossos].

Segundo o autor, o relato do casal entrevistado dava a dimensão de que todos os uruguaios que passaram por Porto Alegre pensavam a respeito da cidade.

107 FERNANDES, Carmen. 1962. Porto Alegre em ritmo de turismo internacional. Revista do Globo, n.

Exageros à parte, é interessante observar o que os relatos sugerem. De acordo com o texto, em referência aos calçados e peças de vestuário, o jornalista afirma:

Os artigos de couro, que criamos não constituir objetos de boa venda para quem os possui em tão alto padrão de qualidade, foram o que mais chamou a atenção pela qualidade propriamente dita, modelos diversos e de bom gostos e... preços108 [grifos nossos].

A reportagem dá ênfase a grande produção de calçados no Rio Grande do Sul e o autor parece se surpreender com o fato de que, apesar de os turistas possuírem estes artigos em boa qualidade em seu país de origem, eles aproveitavam as visitas ao Estado para adquirir os produtos gaúchos que consideravam de bom gosto e bom preço.

Se como havia afirmado Rui em entrevista, o que havia no Brasil em termos de moda era uma adaptação ao clima e à personalidade das mulheres brasileiras, neste caso, as criações dos estilistas porto alegrenses devia se adequar a um clima muito mais próximo dos países platinos. O Rio Grande do Sul, não se via contemplado em uma brasilidade, no frescor buscado pelos estilistas mais ao norte. As mulheres do Sul tinham outras necessidades e essas se aproximavam muito mais das necessidades das argentinas e uruguaias do que das cariocas e paulistas. Esse fator parece ter influenciado a criação de moda no Estado e favorecido o diálogo entre os estilistas da região que tentavam contemplar as necessidades de suas freguesas, como era o caso de Rui. Os anúncios publicitários e artigos de revista reforçavam essa aproximação através da mensagem de que o turismo e o consumo de moda estavam associados. Em diversas reportagens era possível notar a aproximação entre férias/viagens e a moda, ressaltando esta relação. Dessa forma, não bastava apenas conhecer o país vizinho, era necessário trazer consigo algumas peças de vestuário importado que evidenciassem a sua visita.

Estas informações nos mostram que mesmo que a moda veiculada no Correio do Povo sugerisse que agora ela era destinada a um público mais amplo, em alguns casos ela ainda reforçava as “senhoras de alta sociedade”. Como é o caso da associação entre moda e o turismo internacional. Sobre as criações produzidas pelos estilistas gaúchos, é possível constatar que sua influência francesa ou italiana

108 FERNANDES, Carmen. 1962. Porto Alegre em ritmo de turismo internacional. Revista do Globo, n.

se aproximava bastante daquela divulgada no jornal e elas não estavam no ritmo da moda jovem estadunidense ou inglesa. Neste sentido, no Rio Grande do Sul, aparentemente, quem vencia a disputa mencionada por Barthes era Chanel e a elegância europeia.

5. ENTRE O DITO E O FEITO – ABORDAGENS ENTRE O DISCURSO E A