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2. Capítulo II: Moda e Arte na Belle Époque

2.2. A moda e a sua relação com a arte

O livro Sistema da Moda (2009, publicado originalmente em 1967), de autoria de Roland Barthes, foi talvez o primeiro a comparar a moda à fala, aplicando a semiologia a este fenômeno cultural através das descrições em revistas de moda e definindo o “sistema da moda” como “a totalidade das relações sociais e atividades necessárias para que a moda exista”, pois, para compreender este fenômeno, é preciso entender a linguagem que a constitui como tal, completa Svendsen (2010, p. 74). De acordo com este mesmo autor, essa foi a tentativa teórica mais ambiciosa que considerou as roupas como uma espécie de linguagem, mas observa que a obra de Barthes é de difícil compreensão. Além disso, ao analisar apenas o discurso das revistas de moda, a obra de Barthes seria limitada ao não considerar a imagem visual, mas, ao mesmo tempo, não deixa de ter valor por ver a moda como uma forma de comunicação.

Apesar de ser um livro considerado clássico para aqueles que iniciam seus estudos no campo da moda, ele está longe de ser unanimidade. Na opinião de Svendsen (2010, p. 79), a moda não é uma linguagem, pois ela não tem um vocabulário, gramática ou sentido usual, mas um código de semântica extremamente instável quando comparado à linguagem verbal. Apesar de a moda comunicar algo, nem tudo que se comunica deveria ser chamado de linguagem e, de acordo com o autor, o máximo que se pode considerar é que a moda seja uma espécie de idioma visual, levando as roupas a ficarem mais próximas das artes visuais do que da “linguagem normal”.

A semântica da moda e das roupas seria instável porque, de acordo com Svendsen (2010, p. 80), na sociedade pós-moderna elas funcionariam como “textos abertos” que podem adquirir novos significados a qualquer hora dependendo do contexto e da temporalidade, ao passo que a linguagem verbal tem uma estabilidade muito maior. Além disso, há o problema de as roupas perderem seus significados originais com muita rapidez (2010, p. 80):

Quando peças de roupa com certo potencial de significado (em geral, subculturais) são introduzidas em outro contexto, e depois levadas ao público mais amplo, elas o perdem: quanto maior a difusão, menos a estabilidade do significado. A moda também é, portanto, uma batalha constante para preencher o significado que está sendo gasto com crescente rapidez.

Desta forma, Svendsen conclui que (2010, p. 83):

Não podemos excluir a possibilidade de que a moda possa “dizer alguma coisa”, mas como meio de comunicação as roupas são em geral bastante inadequadas. Se temos uma “mensagem” para o mundo externo, provavelmente seria bem mais eficaz dizê-la com palavras que vestir um traje a fim de supostamente transmiti-la.

Certamente, a maior parte das vezes é melhor falar ou escrever algo para que a mensagem seja passada com maior possibilidade de clareza e objetividade, mas até mesmo textos como poemas podem querer expressar algo e não deixar isso claro através das inúmeras interpretações possíveis. Além disso, também não se pode ignorar a mensagem que uma imagem pode passar, mesmo que essa gere muito mais interpretações que a linguagem escrita devido aos seus significados que tendem a ser mais subjetivos.

Diante das tantas interpretações possíveis sobre as relações entre moda, linguagem e arte, esta pesquisa considera que a moda está mais próxima da arte visual e plástica do que da linguagem verbal defendida por Barthes. Nem todos concordam que a moda seja de fato arte, mas defendemos a visão de que a moda pode ser considerada arte dependendo da interpretação

a ela dada, e considerando que na atualidade as front eiras da arte se diluíram e a mesma deixou de ser pura, hibridizando-se com outras formas de linguagens, processos e saberes.

Segundo Godart (2010, p. 13), a indústria da moda possui uma dualidade fundamental pois, ao mesmo tempo que é atividade econômica, é também atividade artística, já que seus designers e criadores transformam matérias-primas inertes em objetos dotados de significado expressos através de cortes, cores ou uma logomarca. Portanto, a indústria da moda gera símbolos carregados de significado, podendo ser considerada uma indústria cultural ou criativa. Além disso, mesmo podendo ser considerada arte, Svendsen (2010, p. 105 e 106) afirma que a moda ocupa um lugar especial entre a arte e o capital e que, desde o tempo do estilista Paul Poiret, “a arte foi usada para aumentar o capital cultural do estilista”.

Ainda de acordo com Svendsen (2010, p. 102), a moda começou a aspirar seu reconhecimento como arte junto com o nascimento da alta-costura por volta de 1860, com Charles Frederick Worth. Ele é comumente chamado de “pai” da alta-costura e iniciou a luta pela “emancipação do estilista” de simples artesão para criador livre que fazia suas “obras” de acordo com a sua subjetividade. Worth que começou a assinar suas coleções e, mesmo que sua liberdade como artista fosse de certa forma limitada pelo gosto do cliente, Worth fazia questão de ser reconhecido como um artista igual aos outros – apesar de Stevenson (2012, p. 50) afirmar que Worth era de verta forma arrogante e preferia impor seus gostos estilísticos acima da opinião das mulheres. Paul Poiret continuou essa luta poucos anos depois e em grau maior, chegando a declarar que ele era um artista, e não um costureiro. E, mesmo que Worth tenha sido o primeiro a usar pessoas e não manequins para mostrar seus modelos, Poiret foi o primeiro a transformar o desfile de moda em um evento social de alto padrão. Esse reconhecimento nunca foi totalmente dado aos estilistas, mas eles continuaram tentando.

A questão de a moda ser arte ou não gera muitos debates justamente por não ter sido considerada como tal de forma tradicional. Sob um ponto de vista de demarcação de uso, Svendsen (2010, p. 119) afirma que a moda usável pode ser vista como arte aplicada ou ofício, e a peça de roupa que acaba não sendo usável não pode ser considerada moda, mas pode ser arte. Entretanto, esta visão seria problemática por que no fim todas as roupas pretendem ser usadas e nem todo objeto inútil pode ser visto como arte. Há a visão de que a moda é arte quando esta faz algum tipo de reflexão com o seu meio, ligando-se à autorreflexividade da arte moderna (2010, p. 121), mas ao mesmo tempo ela não chega a nenhuma conclusão já que seus significados mudam rapidamente com o tempo e lugar. Na opinião do autor (2010, p. 122),

alguns exemplos de moda podem ser considerados arte e que os conceitos de arte e moda já foram expandidos o suficiente para englobar as duas coisas. No fim, uma acaba influenciado a outra e vice-versa.

Neste jogo de influências, destaca-se na Belle Époque a relação entre a moda e o estilo do Art Nouveau, tema a ser debatido nos próximos tópicos e que influenciou a grande maioria dos costureiros da época, dentre eles Paul Poiret. Porém, antes é necessário fazer um panorama geral sobre a arte na Belle Époque e, sobre as roupas em geral, é preciso ressaltar que apenas os trajes femininos e de classes mais abastadas (mas não necessariamente apenas os ricos) serão abordados devido ao recorte desta pesquisa que é focado na alta-costura.