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96 LIBERATI, Wilson Donizeti Adoção: adoção internacional – doutrina e jurisprudência 2 ed São Paulo: Malheiros, 2003 p 127.

1.4 Modalidades de Adoção no Brasil e na Legislação Estrangeira

1.4.1 Modalidades brasileiras

A adoção unilateral está prevista no art. 41, parágrafo 1º, do Estatuto, caracterizando- se pela iniciativa do cônjuge ou companheiro adotar o filho de seu par, situação em que os vínculos entre adotando e seu genitor biológico prevalecem, o mesmo se dando com o poder familiar. É pedido frequente nos tribunais brasileiros e comumente o adotando encontra-se bem acolhido no seio familiar. As novas estruturas familiares, aliadas ao fato relativamente comum de filhos sem pais registrais ou pais registrais ausentes, favorecem tal requerimento. Cumpre registrar que, na grande maioria das vezes, a adoção do filho do cônjuge ou companheiro revela ato de grande amor e reconhecimento do vínculo socioafetivo concretizado entre adotante e adotando.

A adoção por conviventes é idêntica à adoção por pessoas casadas, sendo portanto bilateral, ou seja, ambos os cônjuges ou companheiros figuram como adotantes no processo. Isso porque o ECA, em conformidade com a Constituição Federal de 88, estabeleceu que para a adoção conjunta é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável.

A controvérsia instaurada no tocante à adoção conjunta por conviventes é relativa à união homoafetiva. Esclareça-se que a adoção por casais do mesmo sexo não é fato novo no direito brasileiro, mas o procedimento se dava unilateralmente, ou seja, a adoção era concretizada como se fosse requerida por pessoa solteira, e não de forma conjunta, tendo em vista a exigência de casamento ou união estável para o deferimento do pedido, nos termos do art. 42, § 2º, do Estatuto.

A polêmica da adoção homoafetiva reside no fato do pedido ser formulado conjuntamente, apresentado um duplo problema: primeiro porque, para o deferimento do pedido há que se reconhecer a união homoafetiva como modalidade de união estável,

equiparando-a à união estável entre homem e mulher107; segundo porque, no caso da adoção homoafetiva conjunta, o nome de ambos os adotantes passa a figurar no registro de nascimento do adotado. Significa dizer que o adotado terá dois pais ou duas mães no registro de nascimento.

O art. 42, parágrafo 4º, prevê a possibilidade de adoção conjunta por divorciados,

separados judicialmente ou ex-companheiros, desde que a convivência com o adotando tenha se dado na constância da união, e ainda desde que haja acordo sobre a guarda, preferencialmente compartilhada (art. 42, § 5º), e ainda que seja comprovada a existência de vínculos de afinidade e afetividade com o não guardião.

A adoção póstuma, por sua vez, também chamada de adoção nuncupativa ou post

mortem, está prevista no art. 42, § 5º, do ECA, sendo aquela deferida ao adotante que, após inequívoca manifestação de vontade, tenha falecido no curso do procedimento, antes de prolatada a sentença, e nesse caso, seus efeitos retroagem à data do óbito, conforme previsão do art. 47, § 7º.

A adoção por tutor ou curador é permitida pela legislação estatutária, desde que preste contas da administração dos bens do tutelado ou curatelado e, caso necessário, salde compromissos pendentes, nos termos do art. 44 do ECA.

A adoção pode ainda ser nacional ou internacional. A adoção nacional é aquela pleiteada por brasileiros residentes no país. A adoção internacional, por outro lado, é aquela pleiteada por brasileiros ou estrangeiros residentes fora do Brasil. Considerando que a adoção internacional não é objeto do presente trabalho, sua regulamentação não será exposta. Todavia, cumpre apenas registrar, conforme demonstrado no item reservado à evolução legislativa do instituto, que a matéria não era tratada minuciosamente antes da vigência da Lei n. 12.010/09, a qual trouxe melhor regulamentação para a importante situação.

A adoção de pessoas maiores de dezoito anos é permitida no ordenamento jurídico 107 Em 05 de maio de 2011 o STF reconheceu unanimemente as uniões estáveis homoafetivas, decisão com eficácia erga omnes e efeito vinculante. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.277 e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132. Brasília, DF, 05 de maio de 2011. Diário do Judiciário Eletrônico, n. 89, 13 maio 2011.

brasileiro, regulamentada pelo Código Civil e, supletivamente, pelo ECA. A vigência da Lei n. 12.010/09 revogou 15 artigos na legislação civilista, tendo mantido, com redação alterada, apenas o art. 1.618, o qual estabelece que a adoção de crianças e adolescentes será regida pelo ECA, e o art. 1.619, o qual prevê que a adoção de maiores de dezoito anos depende de processo judicial e sentença constitutiva, aplicando-se, no que couber, as regras gerais previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Significa dizer que a adoção de maiores de dezoito anos é expressamente aceita no Brasil, e atualmente segue o regramento do ECA, no que couber. Em que pese a norma vigente, não são todos os autores que admitem tal prática, conforme se verifica pelas palavras de Venosa108:

Sempre nos colocamos contrários à adoção de maiores, a qual contraria a noção moderna e longe está da finalidade romana primitiva do instituto. Se há intuito de proteção patrimonial no ato, o desiderato pode ser atingido por inúmeros outros meios colocados à disposição no ordenamento.

Eunice Granato também se mostra contrária à adoção de maiores de dezoito anos. A autora afirma que, em regra, tal adoção se presta para fraudes previdenciárias ou sucessórias. Acredita que o legislador deveria excluir tal modalidade do ordenamento jurídico brasileiro, “vez que esse instituto, de há muito, fugiu de suas primitivas características, sendo hoje, francamente, um meio de proteção ao menor”.109. A autora afirma ainda que a legislação sobre adoção demonstra a finalidade de “imitar a filiação biológica”110 (destaque da autora).

Data venia, não é o que se percebe na prática processual da advocacia, sobretudo no atendimento a famílias carentes. Já houve situações em que as pessoas, geralmente mais humildes, jamais pensaram na necessidade de regularizar a situação de seus “filhos de criação”, inclusive no tocante ao direito sucessório. Em sua grande maioria, pessoas de pouca instrução formam verdadeiras famílias à margem do judiciário – mães criam filhos “adotivos de fato” sem nunca, jamais, proceder a qualquer ação de guarda ou adoção111.

108 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 331. 109 GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: doutrina e prática. Curitiba: Juruá, 2008. p. 55. 110 Ibid., p. 145.

111 A autora desta pesquisa já se deparou com tal situação concreta na prática processual em atendimento a famílias carentes. Em um caso específico, a mãe possuía quatro filhos biológicos e havia criado outros três, sendo que à época do atendimento dois deles já haviam completado a maioridade, se casado e seus filhos a chamavam de avó. Ela afirmou nunca ter pensado que fosse necessária a regularização jurídica daquelas pessoas,

Não parece legítimo o argumento de que a adoção de pessoas maiores apenas se valha para fraudes, tampouco que o instituto da adoção tenha a finalidade de imitar o vínculo biológico entre pais e filhos. A adoção se presta, em verdade, a concretizar laços de afetividade na relação de filiação, nada mais. Por óbvio, no caso de crianças e adolescentes, a natureza protetiva do instituto se sobressai, todavia não é a única vertente, não sendo conveniente e justo desprezar as demais.

O reconhecimento do vínculo de filiação advindo da socioafetividade, a despeito da inexistência de prévia ação judicial, deve ser garantido às situações que revelem o estado de filiação, sob pena de graves injustiças e inconstitucionalidades. Temerário afirmar que as adoções de pessoas maiores têm escopo exclusivamente patrimonial.

Ainda na análise das modalidades de adoção, pela sistemática atual vigente no país, não são admitidas, em regra, outras formas de adoção, como a adoção à brasileira, a adoção

intuitu personae (também chamada de direcionada ou preparada), e a adoção aberta.

A modalidade de adoção cunhada de “adoção à brasileira” não é admitida como forma lícita de criação do vínculo de filiação, estando inclusive prevista como crime pelo art. 242 do Código Penal, sendo caracterizada pelo ato de registrar como próprio o filho de outrem, ou seja, registrar como se filho biológico fosse. Não obstante o tipo penal, a prática ainda é comum na realidade do país, em razão dos mais diversos fundamentos. Cite-se, verbia

gratia, o julgamento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, de relatoria do Desembargador Aramis Nassif.112

No caso em comento, um casal homoafetivo feminino, temendo pela impossibilidade da adoção judicial conjunta em razão do modo de constituição de sua família, decidiu pela “adoção à brasileira” por parte da denunciada T.D.N.M., a qual afirmou ser pessoa do sexo masculino e pai da recém-nascida M.G., filha biológica de sua companheira, conseguindo êxito no registro da infante como também sua filha biológica. A ré T.D.N.M. foi condenada seja por meio da guarda, seja por adoção. Afirmou ainda que nunca imaginou que, caso viesse a óbito, seus “filhos de criação” pudessem ficar de fora da sucessão.

112 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação crime n. 70021254552.

pelo juiz a quo à pena de três anos de reclusão, em regime inicial aberto, pena substituída por duas restritivas de direito, pelo crime tipificado no caput do art. 242 do Código Penal.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em julgamento da apelação manejada, reformou parcialmente a sentença de origem, ante o entendimento de que se tratou do tipo penal previsto no parágrafo único do art. 242, do CP, e não aquele descrito no caput, ou seja, o crime teria sido praticado por motivo de reconhecida nobreza. O acórdão trouxe a seguinte fundamentação:

[…] parece-me plausível que a ré, ciente das dificuldades que encontraria para a adoção da filha menor de sua companheira, alternativa que se parece interessante pela situação afetiva, optou equivocadamente, pois, ao invés de ingressar com o pedido judicial a fim de pleitear o direito, valeu-se de documento falso, com a anuência da mãe da menor, para atingir seu objetivo. Neste contexto, mesmo persistindo o juízo de reprovabilidade diante da conduta praticada, o reconhecimento da intenção elevada da agente se faz necessário, uma vez que o intuito de registrar a filha de sua companheira, não reconhecida pelo pai, visava lhe conferir a identidade civil, qualidade esta negada, infelizmente, a significativa parcela das crianças brasileiras. A idealização de ter um filho recém-nascido, a conhecida espera pelos pretendentes na “fila” dos cadastros para adoção, e o temor da recusa pelo Poder Judiciário acaba por estimular essa prática que, embora ilícita, ainda é frequentemente praticada no país113. Basta verificar a quantidade de julgados acerca do tema nos tribunais de justiça brasileiros nos últimos anos114.

A adoção intuitu personae (também chamada de direcionada ou preparada) é aquela em que os pais biológicos escolhem, por conta própria, a família que adotará a criança, geralmente entregando diretamente a criança, sem qualquer interferência do poder público. Posteriormente, a família adotante busca regularizar a adoção no Poder Judiciário, normalmente sem procedimento de habilitação prévio ou inscrição no Cadastro Nacional de Adoção115.

113 Suely Kusano relata alguns fatos concretos da prática da adoção à brasileira e suas implicações. KUSANO, Suely Mitie. Adoção intuitu personae. 2006. 341 f. Tese (Doutorado em Direito)-Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006. p. 79-86.

114 LAMENZA, Francismar. Um raio-x da “adoção à brasileira”. Disponível em:

<http://www.promenino.org.br/TabId/77/ConteudoId/d2931648-6ab1-426f-a51e-891d478662da/Default.aspx>. Acesso em: 27 abr. 2011.

Essa modalidade é considerada ilícita por alguns teóricos do direito116 117, em que pese ser reconhecida pela jurisprudência e por parte da doutrina como forma legítima de colocação da criança ou adolescente em família substituta, sobretudo quando a finalidade é garantir o superior interesse da criança mediante o reconhecimento dos vínculos socioafetivos já estabelecidos. Cite-se, verbia gratia, a jurisprudência abaixo do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, expondo o pensamento doutrinário de Maria Berenice Dias118:

ADOÇÃO DIRIGIDA OU INTUITU PERSONAE. CADASTRO DE ADOÇÃO. REQUERENTES HABILITADOS. ORDEM CRONOLÓGICA. INOBSERVÂNCIA. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE. Direito Civil. Adoção. Mãe e avó materna que desconheciam o estado gravídico da primeira. Descoberta apenas quando do parto. Pai desconhecido. Gravidez fruto de relacionamento passageiro. Adoção intuito [sic] personae configurada. Decisão da genitora e de sua mãe de entregarem a filha para adoção. Interesse da autora em ter o bebê recém-nascido como seu filho. Convivência estabelecida desde os cinco dias do nascimento. Concordância da família biológica após conhecer a pretensa adotante, que já se encontrava cadastrada para adoção. Laudo da assistente social afirmando estar a criança bem cuidada e adaptada ao lar onde é criada pela adotante e pelo filho desta. Lar harmonioso e em perfeitas condições para o pleno desenvolvimento da criança. Aplicação do art. 227 da Constituição da República: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, a saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. "E nada, absolutamente nada impede que a mãe escolha quem sejam os pais de seu filho. Às vezes é a patroa, às vezes uma vizinha, em outros casos um própria, sem interferência do poder público, é a chamada “adoção pronta”, e não adoção intuitu personae. A autora defende que esta última tem interferência do judiciário, sendo que os genitores indicam os adotantes, mas no processo de adoção. Não parece ser este o entendimento majoritário da doutrina e jurisprudência que entende ser a adoção intuitu personae aquela em que os pais biológicos escolhem os adotantes, sem qualquer interferência do Poder Judiciário. O conceito da autora parece se confundir com a adoção aberta, prática não utilizada no Brasil. KUSANO, Suely Mitie. Adoção intuitu personae. 2006. 341 f. Tese (Doutorado em Direito)-Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006. p. 126-127.

116 “[...], apesar de aceita jurisprudencialmente, a prática pode realmente estimular a compra de crianças e a escolha de pessoas menos capazes de dirigir a criação e a educação do que os previamente habilitados e cadastrados. A obrigatoriedade da inscrição e habilitação dos pretendentes (art. 50 do ECA, e seus parágrafos) parece ser incompatível com a adoção pronta, já que esta não se coaduna com a proteção integral da criança, na defesa de que se prevê a realização de verificação prévia da capacidade do pretendente à adoção”. BITTENCOURT, Sávio. A nova lei de adoção: do abandono à garantia do direito à convivência familiar e comunitária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 134.

117 Nesse sentido: DIGIÁCOMO, Murillo José. Da impossibilidade jurídica da “adoção intuitu personae” no

ordenamento jurídico brasileiro à luz da Lei nº 12.010/2009 e da Constituição Federal de 1988.

28 maio 2010. Disponível em: <http://www.mp.pr.gov.br/arquivos/File/AdocaoIntuituPersonaeImpossibilidade Juridica0206.pdf>. Acesso em: 28 abr. 2011.

118 RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. SEXTA CÂMARA CÍVEL. Autos n. 0006371- 74.2009.8.19.0061. APELAÇÃO. Relator Desembargador NAGIB SLAIBI. Julgamento: 05 maio 2010. Diário

do Judiciário Eletrônico. Disponível em: <http://www.tjrj.jus.br/scripts/weblink.mgw>. Acesso em: 02 maio

casal de amigos que têm uma maneira de ver a vida, uma retidão de caráter que a mãe acha que seriam os pais ideais para o seu filho. É o que se chama de adoção intuitu personae, que não está prevista na lei, mas também não é vedada. A omissão do legislador em sede de adoção não significa que não existe tal possibilidade. Ao contrário, basta lembrar que a lei assegura aos pais o direito de nomear tutor a seu filho ( CC , art. 1.729 ). E, se há a possibilidade de eleger quem vai ficar com o filho depois da morte, não se justifica negar o direito de escolha a quem dar em adoçao" (DIAS, Maria Berenice. Adoção e a espera do amor. Disponível em: www.mariaberenice.com.br ).

Diferentemente das modalidades anteriormente expostas, a adoção aberta, por sua vez, é aquela em que há possibilidade de contato entre pais biológicos e adotantes, antes da realização da adoção e também após. Comum nos Estados Unidos, são os pais biológicos que escolhem os adotantes e realizam acordos, geralmente por escrito, de que o contato da família biológica e o adotado continuará após o nascimento da criança, mesmo havendo ruptura dos vínculos jurídicos. Em regra, são as famílias envolvidas que definem os “graus de abertura” da adoção e os critérios para o contato entre família de origem, família adotiva e adotado119.

A modalidade da adoção aberta, seja na perspectiva da escolha dos pais adotantes pelos pais biológicos, seja na perspectiva da continuidade do contato ou vínculo afetivo entre todos os envolvidos, não é, em regra, admitida no Brasil, mas revela-se a mais focada no melhor interesse da criança. Será melhor explicada na análise legislativa do direito estrangeiro e no último capítulo.