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CAPÍTULO DOIS – FUNDAMENTAÇÃO TÉORICA

2.2.3.2. Modalidades de tradução

Francis Aubert (2006) revisou a metodologia que ele mesmo havia publicado em 1998132, e havia sido fundamentada no trabalho pioneiro de Vinay & Darbelnet. Essa reformulação é um dos critérios utilizados nesta dissertação na análise da tradução dos provérbios ditos por Sancho Pança. O autor discorre sobre o cotejo do texto traduzido com seu original:

Se, conforme atestam seus praticantes, a tradução representa uma das formas mais detalhadas de crítica textual, a análise do texto traduzido cotejado com seu original, por sua vez, há de oferecer uma dupla visão crítica: (i) aquela que diz da adequação do texto traduzido como reflexo e como refração do seu original, lado a lado com (ii) aquela que descortina, no texto traduzido, novas leituras do texto original e nos informa, portanto, acerca da maior e menor completude das leituras propostas na comunidade original de recepção literária. (Ibid.:61).

Em colaboração com Zavaglia (2003)133, pesquisadora que também utiliza sua metodologia adaptada, Aubert menciona o interesse (lingüístico, literário e antropológico) do estudo de diferentes soluções dadas pelos tradutores às marcas

132 Ver AUBERT. Modalidades de Tradução: Teoria e Resultados. in TradTerm, 5. São Paulo:

CITRAT/FFCH-USP; 1998.

133

AUBERT, F.H e ZAVAGLIA, A. Reflexos e refrações da alteridade na literatura brasileira traduzida (1) – as versões de Sagarana para o francês e para o norueguês. TradTerm 9, São Paulo: Citrat/FFLCH/USP; pp.173- 188. 2003.

lingüísticas culturalmente específicas. Pesquisaram o universo de recepção e as imposições lingüísticas e textuais, e verificaram a existência de traços remanescentes no texto da LM e nas escolhas lexicais, semânticas e morfossintáticas feitas pelos tradutores. O pesquisador finaliza com o comentário a seguir, transcrito aqui por tratar das opções do tradutor e a sugestão lançada para o seguimento da pesquisa em traduções literárias, como é o objetivo desta pesquisa.

Mantido o conceito de escala, fez-se um reagrupamento em grandes classes – espelhamento, literalidade, equivalência – que, em muitos casos, melhor representam o que de fato ocorre na tradução, e permite separar como mais precisão os “automatismos” decorrentes das tipologias lingüísticas das “intencionalidades” manifestas pelas opções do tradutor. Resta testar o modelo, em novos estudos sobre traduções literárias de textos literários, para assegurar a confirmação cabal da relevância das alterações aqui empreendidas. (Ibid.:69, aspas e itálicos do autor).

Resumindo, as modalidades ficaram assim agrupadas, “espelhamento”, que inclui o “empréstimo” e o “decalque”; “literalidade”, que abrange as modalidades “transcrição, “tradução palavra por palavra”, “transposição e explicitação” e por último, o grupo da “equivalência”, englobando “implicitação”, “modulação” e “adaptação”. Também são descritas a “tradução intersemiótica”, a “omissão” e o “erro”, que não ocorrem nesta pesquisa.134 Os grupos e a re-organização das modalidades utilizadas para a análise nesta dissertação foram:

1- Literalidade

Um conjunto de modalidades com as quais o processo tradutório ocorreria de forma direta, sem “ruído”. Os resultados apresentariam “certa sinonímia interlingüística e intercultural no contexto dado” (Ibid.:64).

a) Transcrição

Segmentos de texto pertencentes aos acervos das duas línguas (algarismos, fórmulas e similares) ou não pertencentes a nenhuma das duas línguas, mas a uma terceira (como o caso de aforismos, palavras latinas ou designações). b) Tradução Palavra por Palavra

Se ao comparar o texto na LF e na LM ocorrem as seguintes condições: mesmo número de palavras, mesma ordem sintática, categorias gramaticais e uso de sinônimos interlingüísticos.

c) Transposição

Sempre que pelo menos um dos critérios do item anterior não é cumprido, na existência de termos rearranjos morfossintáticos, uma palavra desdobrada em várias, duas palavras traduzidas por uma só, se a ordem é alterada (inversões e deslocamentos) ou há uma alteração de classe gramatical, assim como qualquer outra combinação dos casos anteriores. As transposições podem ser obrigatórias, pela estrutura da LM ou facultativas, consideradas como parte do estilo do tradutor.

c) Explicitação

É “uma tentativa de assegurar a literalidade semântica, mediante o recurso a construções parafrásticas de diversos tipos” (Ibid.:65). As várias formas poderiam ser um aposto explicativo, notas, glossário, ou até um prefácio ou posfácio.

2- Equivalência

Seriam modalidades em que a interferência, desempenho e co-autoria do tradutor tornam-se visíveis,

Manifestam-se em diversas formas de deslocamento ou refração semântico- pragmática, e, no limite, levam o texto traduzido – ou segmentos desse – à reescrita interpretativa na óptica da cultura de recepção. (Ibid.:65).

a) Modulação

Aubert sugere uma linha de investigação que mostre a relação entre as modulações e transposições opcionais e a manifestação lingüística da liberdade do tradutor, pois, assim como a transposição, a modulação poderia ser obrigatória ou opcional. Seria a modalidade com mais facetas, portanto de caracterização mais difícil. Confundida com a “idiomaticidade das línguas” (Ibid.:66), seria marca de tradução literária135. A modulação “resulta em uma alteração perceptível na estrutura semântica de superfície, embora retenha fundamentalmente o mesmo efeito geral de sentido denotativo” (Ibid.:66), seria a expressão da “cultura lingüística”, idiomatismos de expressão, de significação, de conotação.

b) Adaptação

Segundo Aubert, essa modalidade teria como característica fundamental “ser uma intersecção de sentidos, mesmo denotativos, abandonando a busca da

135 Cfr. TAILLEFER. Um diálogo entre culturas: Jorge Amado no contexto da língua-cultura francesa. Tese

equivalência plena.” (Ibid.:67). A diferenciação, neste caso, não seria pelo estilo, maneira de dizer, ou próprio da “cultura lingüística”, mas corresponderia a um dos resultados do “embate entre as duas realidades extralingüísticas que se confrontam no ato tradutório” (Ibid.:67).

2.2.3.3 - Provérbio Equivalente

Amparo Hurtado Albir coleta um histórico sobre a utilização do termo “equivalência” pelos teóricos dos Estudos da Tradução.136

A autora discorre sobre os fatores mais importantes que constroem a equivalência tradutora proporcionando seu caráter relativo. O primeiro deles é o contexto lingüístico – um elemento poderia adquirir diversos sentidos conforme a circunstância. As equivalências de frases feitas (ou de gestual) encontradas nos dicionários não seriam fixas e poderiam significar uma coisa num âmbito público e outra no privado, podendo até caracterizar uma personagem de maneira errônea. O mesmo diz das equivalências culturais, uma mesquita poderia ser equivalente a uma sinagoga culturalmente, mas com certeza não seriam equivalentes em um romance, por exemplo. O gênero textual também seria um fator relevante, a tradução de um elemento cultural em uma história em quadrinhos será traduzida diferente em um romance. Nesta dissertação, considera-se como “provérbio equivalente” somente os encontrados na bibliografia paremiológica consultada ou com entradas em coletâneas do Google.

136 Inicia com a descrição feita por Vinay & Darbelnet para quem a equivalência seria um dos procedimentos de

tradução, entre outros. NIDA, E. A. Principles of Translation as exemplified by Bible Translating. in R. A. Brower (ed), On Translation, Harvard University Press, 1959, usa o termo para estabelecer o princípio básico da tradução, a obtenção do equivalente mais próximo. CATFORD, J. A theory of translation. Oxford: Oxford University; 1965, utilizaria o conceito para definir a tradução, que seria encontrar a substituição equivalente de um material textual de LF em LM. RABADÁN. Equivalencia y Traducción: Problemática de la equivalencia translémica inglés-español. Universidad de León; 1991, escreve uma obra sobre o tema equivalência, para esse autor a equivalência permearia todas as relações tradutológicas pois expressa a ocorrência de uma relação (do tipo que seja) do texto original com o traduzido. SNELL-HORNBY (1999), vê a equivalência como uma tentativa de solução, para a tradutologia, para a antiga controvérsia sobre tradução literal e livre. Para esta autora, o temo seria inadequado, pois criaria a ilusão de uma similitude entre as línguas, o que não seria real. Também nessa linha, verificar Hatim & Mason (1990), que discutem a utilização do termo equivalência, que para eles seria uma sugestão de potencial equivalência completa, como se existisse na LM um equivalente formal ou dinâmico para um determinado texto da LF. Eles preferem a noção de adequação. Conferir mais autores que já trataram do tema, de 1958 até 2000, na extensa lista de Hurtado Albir. (Ibid.:204).

2.2.3.4 - Análise estilística da tradução dos provérbios

Dolors C. Pinós (1997), ao estudar as traduções da obra Mil e Uma Noites, observou uma interação implícita de forte base oral, com estruturas nmemotécnicas típicas, adequadas à oralidade e ao ritmo. Seus exemplos são as repetições, antíteses, aliterações, assonâncias, frases feitas, que seriam responsáveis por reestruturar essa mensagem sintaticamente. A oralidade implicaria repetições e, mesmo parecendo redundantes, deveriam ser conservadas.

“Los clichés tradicionales que se han acuñado a lo largo de los siglos en las culturas orales no pueden ser fácilmente desmanteladas porque lo que se almacena en la memoria cristaliza en ella de una manera totalizadora y debe permanecer intacto.”…Por lo tanto, las culturas orales tienden a la amplificación y no a la reducción, y a nuestros ojos el relato resulta siempre redundante. La memoria resulta, pues, altamente conservadora, en el sentido de que tiende a preservar – a conservar – todo aquello que se ha ido transmitiendo de generación en generación.” (Ibid.:133).

Geralmente os provérbios, ditados e máximas apresentariam uma estrutura rítmica binária, reforçada ou não por paralelismos, recorrência fônica (rima, assonância e aliteração) ou recorrência semântica (pares sêmicos semelhantes, opostos ou dependentes). Segundo Mário Laranjeira um provérbio não possuiria nada além de estruturas (hemistíquios) binárias ou ternárias, ao contrário dos poemas, onde a estrutura não teria limitações. Outra diferença seria sua significação fechada, sem abertura para outras leituras, aberta nos poemas. Mais uma dessemelhança seria o freqüente aspecto arcaizante do provérbio, e Laranjeira enumera as marcas exteriores, dando os seguintes exemplos: ausência de artigo (“Cachorro que late não morde”), o uso de pronomes relativos sem antecedentes criando um valor mais generalizante (“Quem vai a Portugal perde o lugar”), ruptura da ordem sintática habitual (“A cavalo dado não se olham os dentes”). O autor infere que,

do ponto de vista estritamente lingüístico e estrutura, a tradução do provérbio deveria fazer-se em função de sua estrutura específica binária, recorrente, fechada, de modo a conservar-lhes as características. (Laranjeira, 2003:70).

Portanto, faz parte desta análise, a observação da “estrutura rítmica”, “recorrência fônica e semântica” do provérbio original e das traduções ao português.

2.2.3.5 - Entradas no Google

Segundo Heloísa Cintrão (2006:293), as ferramentas provindas da tecnologia da internet seriam parte dos recursos de pesquisa e documentação para tradutores. Ela cita não só o Google e seus principais recursos, mas também dicionários online, memórias de tradução, listas de tradutores como fontes de consulta. Nesta dissertação utilizam-se as instruções do seu anexo quatro, que inicia alertando os usuários das ferramentas que

A Internet pode funcionar como uma imensa enciclopédia, desde que não a usemos de maneira ingênua, aprendendo certos parâmetros de avaliação crítica e aplicando certos critérios que podem nos dar alguma garantia de confiabilidade do resultado obtido. (Ibid.:Anexo 4, p. VII).

Além da consulta à internet para pesquisar cada provérbio entre aspas, o aspecto da tecnologia também é abordado nas entrevistas com os tradutores.137

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Na entrevista dada à revista Cadernos da Tradução, a tradutora Dorothée de Bruchard afirma: “Outro aspecto é que temos hoje acesso a instrumentos que facilitaram muito o trabalho do tradutor (dicionários eletrônicos, glossários on-line e Dr. Google, além de contato facilitado com especialistas do mundo inteiro, com autores, outros tradutores) e permitem mais precisão, qualidade. Temos a comodidade de traduzir no computador, enviar tudo ao editor sem precisar imprimir, ir ao correio. Economiza-se energia e dinheiro, se ganha muito tempo.” (GUERRINI e TORRES 2007:296).