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2. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

2.2 Modelos, Analogias e Linguagem na Aprendizagem de Ciências

2.2.1 Modelagem e Modelagem Analógica no Ensino de Ciências

De acordo com Hodson (2014), um ensino de Ciências pautado no uso e elaboração de modelos pode desenvolver uma visão da Ciência como uma prática que busca compreender os fenômenos e eventos para a construção de teorias, além de ter o potencial de promover o interesse dos estudantes pela Ciência e de favorecer o entendimento sobre o impacto social de uma ideia e/ou processo científico na sociedade.

6 Os vórtices de éter foram propostos como movimentos intensos em forma espiral em uma região limitada pelo fluido de éter.

Ademais, ao serem envolvidos no processo de modelagem - entendido de forma geral como a elaboração, crítica e refino de modelos (JUSTI; GILBERT, 2006) - os estudantes podem aprender a fazer Ciência, sendo introduzidos em práticas que buscam desenvolver conhecimentos científicos; na seleção de dados e informações; na elaboração de hipóteses e explicações; na comunicação de ideias e teorias; e na argumentação a partir diferentes ideias e/ou pontos de vista etc. (HODSON, 2014).

Diante da importância desse processo no ensino de Ciências, Justi e Gilbert (2002), buscaram caracterizar a modelagem científica, por meio de um diagrama nomeado “Modelo de Modelagem” (figura 1), o qual envolve ciclos recorrentes de

criação, expressão, testes (empíricos e/ou mentais) e avaliação de modelos.

Figura 1: Modelo de Modelagem (GILBERT; JUSTI, 2016 p. 32 ).

No diagrama da figura 1, as etapas de criação, expressão, teste e avaliação de modelos estão representadas por esferas. Estas, por sua vez, são interligadas por arrestas de cordas que representam quatro processos cognitivos que permeiam a modelagem. Estes são: o raciocínio analógico; o uso de representações imagéticas; os experimentos mentais e a argumentação.

Quandos os sujeitos elaboram modelos, eles podem fazer uso de raciocínios analógicos como fonte de ideias para os seus modelos (CLEMENT, 2008). Focamos nosso estudo nesse processo cognitivo, uma vez que nas atividades fundamentadas em modelagem analógica, os sujeitos buscam e/ou criam relações de similaridades entre os domínios comparados, na tentativa de gerar e ampliar seus conhecimentos sobre a entidade modelada (GILBERT; JUSTI, 2016).

Com relação ao segundo processo cognitivo mencionado, as representações imagéticas, os sujeitos buscam se comunicar por meio de imagens que são representações internas. Porém, essas representações imagéticas são consideradas também interpretações de elementos da representação interna em correspondência com os elementos da representação externa. Dessa forma, as representações externas, podem ser, por exemplo, diagramas, imagens bidimensionais e também gestos, desde que todos estes auxiliem os sujeitos na expressão da atividade cognitiva dos mesmos no processo de modelagem (GILBERT; JUSTI, 2016).

Outro processo cogntivo atrelado à modelagem é o experimento mental7. Este é

importante para a realização de inferências sobre a entidade modelada pelo sujeito, as quais influencia especialmente na revisão e avaliação dos modelos elaborados (GILBERT; JUSTI, 2016).

A argumentação também é considerada um processo cognitivo na modelagem, isto porque, no contexto científico, ela pode ser compreendida como um processo no qual os sujeitos justicam o seu posicionamento a partir da coordenação de dados e teorias científicas. Ao considerarmos os modelos elaborados pelos sujeitos como artefato de pensamento, podemos afirmar que estes podem ser utilizados como evidências, nas quais eles podem se basear para justificar suas ideas, desempenhado um papel persuasivo na comunidade científica (GILBERT; JUSTI, 2016).

Além dos processos cognitivos representados nesse tetraedro, todas as esferas estão a uma mesma distância umas das outras e, independentemente do giro desta estrutura no espaço, as esferas continuam relacionadas da mesma forma. Essa representação busca ressaltar que esse processo é não linear, dinâmico e que não segue uma ordem pré-determinada (GILBERT; JUSTI, 2016).

De maneira resumida, as etapas da modelagem são caracterizadas por Gilbert e Justi (2016) como a seguir:

 Criação (ou elaboração): ocorre a produção do modelo a partir da interação dinâmica e simultânea em alguns casos, das seguintes subetapas: (i) definir e entender os objetivos propostos para os modelos; (ii) obter informações sobre a entidade a ser modelada a partir das estruturas cognitivas originadas dos sujeitos e/ou de fontes

7 Um experimento mental é um processo individual, porém, em nosso trabalho, focamos na negociação social das inferências originadas dos experimentos mentais durante a revisão e avaliação dos modelos.

externas: como atividades empíricas, referências e outros; (iii) selecionar os aspectos que poderão ser utilizados para descrever a entidade modelada, ou seja, a fonte do modelo: definir uma analogia ou modelo matemático para fundamentar o modelo.

 Expressão: o modelo elaborado pelos sujeitos é materializado de alguma maneira para que a sua manipulação seja possível à outros sujeitos. Nesse sentido, o modelo pode ser expresso de várias formas representacionais externas como: 3D (concreto), 2D (desenhos, diagramas e outros), virtual (programas computacionais), gestual, matemática, verbal (p. ex., analogias), ou qualquer combinação destes.

 Teste: os modelos devem ser testados com relação ao seu poder explicativo e, se necessário, eles devem ser reformulados ou abandonados com a proposição de novos modelos. Nesta etapa, são realizados testes empíricos e/ou mentais. As simulações mentais são realizadas com o objetivo de possibilitar previsões ou explicações para o comportamento das entidades modeladas. Já os testes empíricos dependem do aspecto da entidade do alvo modelado e dos recursos materiais disponíveis para a sua realização.

 Avaliação: nessa etapa a validade explicativa do modelo (abrangência) e as suas limitações devem ser identificadas a partir da contraposição do modelo com seus objetivos iniciais e da tentativa de usá-los em outros contextos.

Durante todo o processo de modelagem descrito, os modelos são criados, discutidos, testados e avaliados dentro de uma comunidade científica até que sejam consensualmente aceitos dentro dessa comunidade (GILBERT; JUSTI, 2016).

Justi e Gilbert (2002), apoiaram-se nesses aspectos centrais para propor as bases para a elaboração e desenvolvimento de atividades colaborativas de criação, crítica, revisão, validação e utilização de modelos no Ensino de Ciências Fundamentado em

Modelagem. No trabalho de 2002 e em outros subsequentes (JUSTI, 2006; GILBERT; JUSTI, 2016), os autores apresentam diretrizes para guiar professores e estudantes em atividades de modelagem de diferentes níveis de complexidade, as quais podem ser desenvolvidas nas salas de aulas de Ciências. Algumas delas contempladas na próxima seção.

Em trabalhos anteriores, Justi, Gilbert e seus colaboradores assumiram a visão de modelos como representações parciais da entidade modelada. Porém, esses autores

argumentam que quando os estudantes estão envolvidos em atividades de modelagem, eles têm a possibilidade de elaborar conhecimento, utilizando os modelos como artefatos epistêmicos. Em outras palavras, nas atividades de modelagem destinadas ao ensino de Ciências como as propostas por esses autores e seus colaboradores as duas funções dos modelos discutidas anteriormente são conjugadas (GILBERT; JUSTI, 2016).

Pesquisas destinadas ao ensino de Ciências e realizadas principalmente no domínio do ensino de Química - como as de Mozzer e Justi (2009), Mendonça e Justi (2010) e Maia (2006) – ressalta que atividades fundamentadas em modelagem têm contribuído para o ensino e aprendizagem de temas químicos de difícil compreensão pelos estudantes, como interações intermoleculares, ligações químicas e equilíbrio químico, além de fomentarem o desenvolvimento de práticas científicas como a argumentação (MENDONÇA, 2011) e desenvolverem a capacidade de visualização8 dos estudantes

(QUEIROZ, 2009).

Baseadas nas contribuições dessas e de outras pesquisas realizadas com atividades fundamentadas em modelagem, na importância das analogias e do raciocínio analógico como fonte de ideias para elaboração de modelos, Mozzer e Justi (2009) propuseram uma descrição para o processo de elaboração, crítica e refino de modelos e analogias, ao qual denominaram modelagem analógica. As etapas desse processo são descritas a seguir.

Na etapa de criação de modelos e analogias, os estudantes são confrontados com a entidade a ser a modelada. Ao mesmo tempo, eles são estimulados a ter ou recordar experiências com o alvo (entidade modelada), as quais podem surgir de observações diretas ou indiretas, de informações disponíveis ou de suas estruturas cognitivas. Em paralelo, os estudantes selecionam um domínio análogo com o qual seja possível estabelecer similaridade para a criação de modelos iniciais e da própria analogia.

Na etapa de expressão, os estudantes são solicitados a expressar o modelo e a analogia criados. Eles podem expressá-los por meio de materiais (por exemplo: bolinhas de isopor, massinhas de modelar, palitos de dente e outros), imagens, representações matemáticas e verbalmente. No caso das analogias, elas são expressas verbalmente e

8 O termo visualização diz respeito a capacidade do estudante no desenvolvimento e na utilização de representações no ensino de química, tanto na elaboração quanto na comunicação de conhecimentos (QUEIROZ, 2009)

nesse processo os estudantes devem identificar de forma explícita as similaridades e as diferenças entre os domínios comparados.

Nessa etapa, o professor tem o papel fundamental de auxiliar os estudantes no processo de alinhamento entre as partes mapeadas dos domínios comparados, para facilitar a expressão do mapeamento9 das similaridades estabelecidas. Além disso, o

professor também pode guiar os estudantes a reconhecer e expressar, as diferenças entre os domínios, ou seja, aspectos que não devem ser comparados, uma vez que elas traduzem as limitações de uma analogia (HARRISON, 2008).

Os modelos expressos são testados (etapa de teste) através de experimentos mentais e/ou empíricos, nos quais os estudantes podem ter a oportunidade contrapor os modelos elaborados com os objetivos iniciais para os quais eles foram criados. Com relação ao teste das analogias, este é realizado de maneira mental, quando os estudantes contrapõem as similaridades e as diferenças identificadas na comparação elaborada. Caso a analogia venha a falhar, ou seja, as diferenças entre os domínios comparados superarem as relações de similaridade que eles estabelecem, ou que as relações de similaridade não forem condizentes com os aspectos do alvo modelados, os estudantes necessitam ser guiados pelo professor no sentido de reformulá-la ou propor uma outra analogia. Isto também ocorre quando são identificadas possíveis incoerências no modelo produzido (MOZZER; JUSTI, 2009).

Os estudantes necessitam avaliar os modelos e analogias propostos (etapa de

avaliação). Isso ocorre quando esses modelos e analogias são usados em outros contextos. O objetivo dessa etapa é de que os estudantes identifiquem as limitações e a abrangência dos modelos e analogias elaborados e revisados, ou seja, o que eles são e o que não são capazes de explicar (MOZZER; JUSTI, 2009).

Especialmente no caso das analogias, isso significa identificar quais aspectos do análogo e do alvo comparados devem e quais não devem ser mapeados (limitações da analogia) e em quais casos a analogia elaborada se aplica (abrangência da analogia) (MOZZER; JUSTI, 2009).

Pesquisas como as de Clement (2008), Olivia e Aragón (2009) e Mozzer e Justi (2012), realçam resultados frutíferos de trabalhos fundamentados em atividades de modelagem

9 O processo de mapeamento ocorre quando os aspectos similares dos domínios análogo e do alvo são colocados em correspondência (MOZZER; JUSTI, 2015).

analógica com relação à aprendizagem dos estudantes, uma vez que em atividades desse tipo eles têm oportunidades de estabelecer relações de similaridade que fazem sentido para eles; vivenciar práticas semelhantes às científicas; e desenvolver seu raciocínio analógico, criatividade e imaginação.

Atividades dessa natureza são concebidas para que os estudantes trabalhem em grupo e com auxílio do professor, uma vez que estas propiciam várias situações dialógicas e argumentativas (GILBERT; JUSTI, 2016). Ao realizarem essas atividades em grupos, os estudantes têm oportunidade de expressar suas ideias e similaridades para os outros colegas, e isto contribui para a reflexão sobre elas. Neste sentido, essas atividades também favorecem a comunicação e a elaboração de significados pelos estudantes, uma vez que eles estão envolvidos em uma comunidade (grupos e a turma) e que por isso, os processos de socialização são recorrentes.

De acordo com Maia (2006) e Mozzer e Justi (2009), os professores possuem papel relevante em atividades fundamentadas em modelagem e modelagem analógica, um vez que eles guiam os estudantes durante todo o processo de elaboração e revisão crítica das analogias e dos modelos.

Durante os processos de modelagem, o professor auxilia os estudantes na identificação de possíveis incoerências no modelo proposto, orienta-os nas possíveis correspondências entre o domínio alvo e o análogo, no reconhecimento das limitações e da abrangência dos modelos e analogias. Por isso, ao auxiliar os estudantes, os professores têm boas oportunidades de acompanhar o processo de expressão e negociação de ideias que ocorre entre eles e a progressão dos modelos elaborados (MAIA, 2006).

Na negociação de significados, as perguntas e questionamentos dos professores mostram-se relevantes. Maia (2006), por exemplo, destacou que quando os professores conduzem os estudantes nessas atividades, eles podem dirigir a seus estudantes as chamadas questões geradoras (VOSNIADOU, 2002): perguntas que não podem ser respondidas com base nos conhecimentos já existentes, mas requerem um conhecimento genuíno para a resolução de um novo problema. Essas perguntas que podem estimular o pensamento dos estudantes, que por sua vez pode possibilitar o refino dos modelos e das analogias propostos e do conhecimento que os fundamentam.

Nesse mesmo sentido, Clement (1989) afirma que, nesse tipo de processo, os professores podem contribuir ao realizar perguntas sobre as explicações das construções

dos estudantes, favorecendo o desenvolvimento dos raciocínios analógicos e mesmo a ocorrência de insights que poderão desencadear a elaboração do conhecimento.

Concordamos com as visões dos autores acima, com relação à importância das perguntas realizadas pelos professores em atividades dialogadas de elaboração de novos conhecimentos pelos estudantes, como as de modelagem analógica. Em um trabalho inicial (ANDRADE; MOZZER, 2016) buscamos identificar alguns dos tipos de questionamentos de professores, específicos a essas atividades. Um exemplo, é o questionamento que denominamos checar o estado de desenvolvimento dos modelos, o qual tem como objetivo auxiliar o professor na identificação dos aspectos da entidade modelada que o estudante já compreende e daqueles que o mesmo ainda apresenta uma compreensão inadequada ou incompleta. Por meio desses, o professor pode contribuir no processo de construção do modelo ao avaliar, juntamente com os estudantes, as suas representações.

No entanto, ainda são relativamente poucos os estudos como os de Chin (2007) e de Andrade e Mozzer (2016), que têm se preocupado em investigar quais são os tipos desses questionamentos, como eles são realizados pelo professor em salas de aula de Ciências e como estes contribuem na elaboração dos significados dos conceitos científicos nos contextos escolares. Desejamos com este trabalho compreender e interpretar as relações existentes entre os questionamentos da professora em atividades de modelagem analógica e o processo de elaboração dos significados pelos estudantes.