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Modelo atual de educação escolar na comunidade yanomami

No documento Educação escolar yanomami e potiguara (páginas 128-143)

CAPÍTULO 3 – EDUCAÇÃO ESCOLAR NAS COMUNIDADES

3.3 Modelo atual de educação escolar na comunidade yanomami

Neste momento, passaremos a verificar se o Modelo Intercultural e Bilíngue de Educação Escolar é desenvolvido na Escola Estadual Indígena Imaculada Conceição na comunidade yanomami da região de Maturacá. Para tanto, analisamos a escola yanomami a partir das características elencadas no capítulo 2: Comunitária, Bilíngue/Multilíngue, Específica/Diferenciada e dos itens currículo, calendário, professor, gestão escolar e material didático-pedagógico por terem que se constituir deste modo muito distinto da forma como são organizados nas escolas nacionais.

A Escola Estadual Indígena Imaculada Conceição é constituída de um grande prédio que comporta 17 salas58, ao redor do qual se encontra a quadra poliesportiva, campo de futebol, a igreja Nossa Senhora da Conceição, a residência salesiana e a casa de apoio da instituição religiosa59.

Imagem 16: Escola Estadual Indígena Imaculada Conceição

Fonte: arquivo particular, Hellen Picanço, 2010.

5812 (doze) salas de aula, 1 (uma) sala de diretoria, 1(uma) sala de secretaria, 1 (uma) sala de professores, 1 (uma) cozinha, 1(uma) quadra poliesportiva coberta, 1 (um) campo de futebol e 1 (um) laboratório de informática. Fotos anexo 6.

Segundo o censo 2011 da Secretaria de Estado e Educação - SEDUC, havia 402 alunos matriculados nesta escola, distribuídos nas várias séries de acordo com a tabela a seguir:

Tabela 12: Dados do Censo Escolar SEDUC

Escola Estadual Indígena Imaculada Conceição

Educação Infantil

Ensino Fundamental Ensino Médio Total

Pré-escola Creche 1º . 2º . 3º. 4º. 5º. 6º. 7º. 8º. 9º. 1º. 2º. 3º. - - - 49 60 65 70 30 38 38 26 26 - 402 Fonte: SEDUC, 2011.

Os alunos dos anos iniciais (1º. e 2º.) são atendidos pela Escola Municipal Indígena Infantil São José, da prefeitura de São Gabriel da Cachoeira. Em 2011, estavam matriculados 61(sessenta) alunos na pré-escola; 26 (vinte e seis) alunos no 1º. ano do ensino fundamental e 22 (vinte e dois) alunos no 2º. ano do ensino fundamental, somando um total de 109 (cento e nove) alunos.

Imagem 17: Escola Municipal Indígena Infantil São José

Fonte: arquivo particular Hellen Picanço, 2010. Calendário

O calendário escolar dos kohoroxitari adequa-se aos festejos da comunidade como festa da banana60, festa da pupunha e aos festejos religiosos promovidos pelos

60 Momento em que ocorre o Reahu (ritual em que os membros da comunidade bebem mingau de banana polvilhado com pó dos restos mortais do cacique geral ou de pessoas da sua linhagem).

salesianos, nos quais são inseridas as danças e pinturas yanomami, possuindo datas comemorativas do não-índio e do povo yanomami no calendário da escola em estudo.

As datas de festejos dos Yanomami foram introduzidas no calendário escolar principalmente para as aulas serem suspensas nos dias de festa na aldeia, uma vez que toda a comunidade fica bastante ocupada em sua organização. Não há um trabalho de reflexão aprofundado sobre as festas em sala de aula, no sentido de se explicar a importância delas e se promover reflexões no sentido de levar os alunos a continuarem valorizando-as e não as deixarem desaparecer frente às possíveis ameaças às manifestações culturais yanomami.

Os professores e alunos se mobilizam também para organizarem festejos religiosos, conforme programação salesiana. Acompanhamos a coroação de Maria. Evento que se realizou num domingo de manhã. As crianças saíram em procissão ao redor da escola e depois de um pequeno percurso chegaram à igreja. Algumas se trajavam com vestes que lembravam anjos, ostentando pinturas tradicionais yanomami no rosto; alguns meninos carregavam o andor da santa, e outros, vestindo roupas de dia de festa, acompanhavam a procissão, tudo em harmonia e sob os olhos atentos das professoras indígenas que organizavam o cortejo.

Durante a semana que precedeu o evento, diariamente, antes das aulas, os alunos eram organizados em várias filas uma ao lado da outra, em frente a uma imagem de Maria para rezarem a Ave Maria, só depois seguiam para as salas de aula.

Não sabemos precisar até que ponto essas datas de festejos religiosos são discutidas e incentivadas em sala de aula, mas a comunidade participa do evento. A igreja fica lotada, cheia de pais para apreciarem seus filhos cantando e louvando em Língua Portuguesa à Maria. Notamos que as crianças não têm uma visão clara do que estão fazendo, agem sob orientação e fica a impressão de que a catequização do indígena, como em idos de 500, continua a acontecer, porque entendemos que a prática da religião católica não é determinante para diálogo com o não-índio. Os Yanomami precisam saber o que é o catolicismo, saber que alguns não-indígenas são praticantes dessa religião, que existem outras religiões e não necessariamente praticar o catolicismo para entendê-lo. O que se nota é a tentativa de conversão dos Yanomami aos preceitos cristãos pelos salesianos que administram a escola yanomami.

Imagens 18: Dia do índio – 2010

Fonte: arquivo particular Hellen Picanço, 2010.

Imagens19: Festa da Banana - Reahu

Fonte: arquivo particular, Hellen Picanço, 2010. Imagem 20: Festa da Pupunha

Fonte: arquivo particular Hellen Picanço, 2010. Imagens 21: coroação de Nossa Senhora

Fonte: arquivo particular Hellen Picanço, 2010. Professores

O quadro de docentes atualmente é formando somente por Yanomami, situação decorrente da implementação da formação de professores indígenas através do programa de professor-auxiliar e do investimento na formação superior dos Yanomami.

Em 2010, quando nossa pesquisa foi realizada, a E.E. Indígena Imaculada Conceição contava com 100% do quadro de professores formado por Yanomami, com variada formação escolar, vejamos:

Tabela 13: Formação dos Professores Yanomami em 2012

Formação dos professores yanomami Quantidade %

Superior concluído 06 49,99%

Magistério indígena concluído 04 28,57%

Magistério indígena cursando 03 21,42%

Ensino médio 01 7,14%

Ensino fundamental 00 0%

Total 14 100%

Imagem 22: Encerramento do Curso Formação de Professores Yanomami - 201061

Fonte: arquivo particular Hellen Picanço, 2010.

Deste quadro, somente um professor é efetivo, os treze (13) são contratados por Processo Seletivo Simplificado.

Estes profissionais, por serem bilíngues, sempre que se fazem necessárias reuniões com funcionários do governo (FUNAI, IBAMA, UFAM, UEA etc.), são logo solicitados a estarem presentes para intermediar o diálogo. Atuam como tradutores de

61 Na primeira imagem, temos a presença do padre salesiano Alzimar (no canto direito de blusa azul) e do irmão salesiano José Aparecido (no canto esquerdo de blusa verde). Na segunda imagem, eu estou em pé entre os homens yanomami.

documentos e intérpretes das falas dos membros da comunidade e dos não-índios, essa atuação faz com que tenham papel importante no diálogo com a sociedade envolvente.

Essa atuação traz problemas à organização das comunidades indígenas, pois o professor indígena, devido à sua formação escolarizada e pela função que desempenha no contexto institucional, torna-se uma liderança e passa a ter papel e opinião mais significativos, muitas vezes, do que o papel e opinião do cacique ou da liderança tradicional da aldeia. Se, por um lado, para alguns, isso contraria a hierarquia da comunidade, comprometendo a estratificação da sociedade indígena, por outro lado, reconhecemos que toda estrutura social é passível de transformações e reformulações, até a própria comunidade indígena.

Essa atuação aponta justamente para a reformulação dos papéis sociais dentro da comunidade indígena, ou seja, o professor termina, muitas vezes, tendo liderança maior que os tuxauas e cacique, uma vez que esses não são proficientes em Língua Portuguesa. Na comunidade yanomami em estudo isso acontece, os professores bilíngues estão a frente do processo de diálogo como não-índio, justamente por serem também falantes de língua portuguesa.A mudança que a escola proporciona na vida social da comunidade yanomami é uma possibilidade de pesquisa para verificar até que ponto ocorrem as mudanças nos papéis sociais tradicionais dos integrantes dessa comunidade.

Gestão escolar

A gestão da escola estadual indígena Imaculada Conceição é exercida (e sempre foi) por padre salesiano. No entanto, segundo o padre Reginaldo (entrevista 2011), é através da Associação Yanomami do Rio Caburis e Afluentes – AIRCA - que são escolhidos os Yanomami que atuarão como professores na escola; em seguida, a relação com o nome dos escolhidos é entregue ao gestor da escola que a encaminha para a SEDUC, a fim de que sejam contratados para o ano letivo. Caso a atuação deles seja satisfatória para a comunidade, são recontratados por mais um ano e assim sucessivamente.

Todos os membros da comunidade yanomami fazem parte da associação e opinam nas discussões, embora em um ou outro momento o cacique geral se pronuncie, ele não dá o veredito final sobre todos os assuntos. Segundo o padre Reginaldo (entrevista 2011), ele dá a opinião dele, e as pessoas se manifestam favoravelmente a ela

ou não, assim não é ele exclusivamente quem decide. A AIRCA resolve também casos em que se precisa afastar professor e opina inclusive sobre os alunos da escola, ou seja, quando determinados alunos, envolvidos, por exemplo, em briga, devem continuar ou não estudando na escola ou determinam o tempo que eles devem ficar afastados das atividades escolares.

Essa forma de gerir a escola mostra que realmente essa escola é comunitária, apesar de haver um gestor não-yanomami, não é ele quem dá a palavra final na escola, ele resolve mais as questões burocráticas e logísticas, ficando a cargo da comunidade, através da AIRCA, tomar as decisões sobre sua educação escolar.

Por meio da atuação dos professores da comunidade, pouco a pouco os Yanomami tomam a frente dos trabalhos na escola. Alguns demonstram interesse em assumir a gestão da escola inclusive, sendo esse talvez o próximo passo rumo à autonomia perante a educação escolar.

Expectativa de autogerenciamento compartilhada por outros grupos indígenas, como os Makuxi (RO). A construção da escola indígena dos Makuxi reflete uma expectativa básica: “o autogerenciamento de uma escola que tenha seu currículo e materiais didáticos produzidos a partir da realidade de cada grupo ou subgrupo” (FREITAS, 2003, p. 63).

Currículo

Além das disciplinas Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, Estudos Sociais, Educação Religiosa, que compõem a base nacional do currículo da escola yanomami, as disciplinas Língua Yanomami, Arte Yanomami e Prática Agrícola62 compõem a parte diversificada do currículo.

A disciplina Língua Yanomami faz comque a língua indígena passe a ser objeto de estudo, apesar do professor yanomami não possuir, assim como parte dos professores das escolas nacionais, conhecimentos mais específicos de Linguística. Fato que os impossibilita de refletirem sobre a fonêmica, morfologia e sintaxe da Língua Yanomami, não conseguindo, na maioria das vezes, mostrar a distinção entre a representação fonêmica e ortográfica da Língua Yanomami, até porque não há uma

definição da ortografia da língua, conduzindo a uma “mistura” entre os códigos da escrita em Língua Portuguesa e em Língua Yanomami.

A Língua Yanomami nos outros momentos que adentra o espaço educacional é língua de instrução, pois as crianças chegam monolíngues em língua indígena à escola, logo, o ensino necessariamente exige o uso da língua nativa. Essa situação aponta para um programa de ensino que visa a vitalização ou a manutenção linguística, pois os professores preocupam-se em desenvolver a competência linguística das crianças, observamos principalmente o trabalho com a escrita em ambas as línguas: Yanomami e Portuguesa. Apesar de contraditório, ou seja, não haver uso da escrita em Língua Yanomamino cotidiano da aldeia e pouco uso de escrita em Língua Portuguesa, mantém-se um ensino grafocêntrico, com certeza porque a orientação da escola ainda é fortemente ligada ao modelo nacional de ensino de línguas, além de possuir forte influência do modelo religioso salesiano de ensino. Bases que valorizam extremamente o ensino-aprendizagem da escrita.

O trabalho com a oralidade aparece em segundo plano, e o ensino volta-se para a Língua Portuguesa, uma vez que são falantes do Yanomami. D’Angelis (2000, p. 3) destaca que

num programa como esse, a escola não pode simplesmente alfabetizar na língua indígena; a língua indígena tem que ser, de fato, língua de instrução, isto é, de ensino. Por isso, em tais programas a língua indígena ocupará seu lugar de honra em todas as séries.

Na escola yanomami, podemos apontar que um ensino Bilíngue/Multilíngue, conforme orienta o RCNEI, acontece, no entanto, ainda não dando a devida atenção ao trabalho da oralidade das línguas, mas coloca a Língua Yanomami num lugar de destaque e valorização.

Material didático-pedagógico

Na biblioteca da escola yanomami, existem quatro livros em Língua Yanomami, a saber: uma cartilha intitulada Primeiras letras para o povo Kohoroxitari Yanomami, produzida pelo padre Kazys Jurgis Béksta em 1985, que é direcionada para o ensino do alfabeto e da escrita de algumas palavras da Língua Yanomami.

Imagem 23: Cartilha da Língua Yanomami

Fonte: Beksta, capa, 1985.

Imagem24: Página da cartilha yanomami

Fonte: Beksta, 1985, p. 28 e 29. Tradução para o português

Arara empoleira-se. Arara

Arara empoleira-se. O irmãozinho vigia.

Dois livros que são coletâneas das lendas do povo yanomami, um intitulado Yoahiwe – Texto de leitura I e outro intitulado Hapa te pe re Kuonovawei – Mitologia Yanomami – Texto de Leitura II, organizados por Hamires Ramirez em 1993.

Imagem 25: livro de Histórias e Mitos Yanomami

Fonte: Ramirez, capas, 1993.

Há também, na biblioteca da escola yanomami, o livro Iniciação à língua Yanomami, produzido também por Henri Ramirez, em 1993.

Imagem 26: livro de Iniciação à Língua Yanomami

Fonte: Ramirez, capa, s.d.t.

Este livro dedica-se ao ensino da fala da Língua Yanomami para os brancos. Ele foi produzido durante o curso de formação dos professores não-indígenas que trabalhavam na escola yanomami Imaculada Conceição. O material didático possui exercícios que enfatizam a aquisição de vocabulários e possui algumas noções sobre a fonologia, morfologia, sintaxe e semântica da Língua Yanomami.

Os quatro livros citados não são utilizados em sala de aula na escola yanomami. Também inexistem livros para o ensino da Matemática, Ciência, Língua Portuguesa demais disciplinas em Língua Yanomami, nem mesmo existem, no momento, projetos

para elaboração de tais recursos. Apenas há a vontade de produzir os livros, enquanto isso, os professores reúnem seus planos de aula, visando à confecção de cartilhas a partir das aulas que elaboraram e que deram melhor resultado. Enquanto isso, os docentes utilizam em suas aulas os mesmos livros didáticos das escolas nacionais. Assim, constatamos que o objetivo de ter material didático-pedagógico em Língua Yanomami está longe de ser alcançado, havendo, por isso, considerando-se esse aspecto, uma distância muito grande entre o modelo de educação escolar indígena e maior proximidade com o modelo nacional de educação escolar.

As citadas modificações nos itens analisados são responsáveis pela diferenciação da escola yanomami das escolas nacionais, mas não são suficientes para demonstrar que existe de fato um novo modelo escolar: o intercultural, porque as mudanças são mais estruturais, ou seja, a pedagogia e os processos de ensino indígena não são uma realidade nesta escola; os professores yanomami estão a reproduzir o modelo de ensino do não-índio, sem modificá-lo, usam os mesmos métodos de ensino, valem-se dos livros didáticos das escolas nacionais e têm o mesmo apego à escrita.

A escola, portanto, continua com funcionamento, ideologia e práticas não-índias, até porque a instituição escolar não fazia e ainda não faz parte da cultura yanomami, ela configura-se como um “objeto não identificado” no sentido de que os Yanomami não conhecem realmente o funcionamento desse espaço e ele ainda é visto como pertencente ao não-índio, apesar da nomenclatura Escola Indígena indicar o contrário. A visão dos Yanomamipesquisados restringe-se a ver a escola como o lugar para aprenderem, principalmente a Língua Portuguesa, e adquirirem conhecimento de fora da sua cultura, ou seja, é monocultural e não intercultural, apesar de apresentar-se como. Mantém-se, então a ideia de que a educação escolar é a educação voltada para aprender e assimilar cultura e valores dos não-indígenas.

A escola é um elemento exógeno no contexto yanomami, pois esse povo não tem uma instituição sequer parecida com essa em sua cultura, nunca precisaram de uma escola e nem foram submetidos a outro modelo de escola, por isso a questão central neste processo é como modificar o modelo educacional existente e quais parâmetros devem utilizar para isso. Pensamos que, caso pedíssemos aos Yanomami que explicassem como gostariam que fosse a escola, possivelmente não falariam em um lugar muito diferente do que existe, porque não se pode falar daquilo que não se conhece. Bruno Ferreira, professor kaingang, do Rio Grande do Sul, aborda essa problemática:

A escola dentro da comunidade indígena entrou como um corpo estranho que ninguém conhecia. Quem estava colocando sabia o que queria, e os índios não sabem, hoje ainda os índios não sabem para que é uma escola! Os índios pegam uma escola para reproduzir um projeto que está aí. Ele muda a cara, mas o grosso continua o mesmo. E esse é o problema. A escola entra para dentro da comunidade e se apossa da comunidade. Ela se torna dona da comunidade e não a comunidade dona da escola. Porque a escola tem condição de ter autonomia porque existe apoio legal para isso. Mas nós não estamos sabendo usar isso ainda (NASCIMENTO, 2004, p. 124 – 125).

O fato de os Yanomami não dominarem plenamente a Língua Portuguesa e pouco entenderem a cultura do não-índio, devido ao pouco contato decorrente do difícil acesso à comunidade, faz com que a escola continue sendo um corpo estranho sob a capa da interculturalidade, do bilinguismo e da classificação indígena.

Por outro lado, podem não desejar um modelo diferente de escola, por ser um trabalho complexo modificar o modelo assimilacionista de ensino. Veiga e D’Angelis (1993, p. 250), ao tratarem do povo kaingang, apontam que “parece ser mais fácil, prático e eficiente usar os atributos da escola do branco, já assimilados, em favor deles do que fazer a crítica e o desmonte dessa escola”. Essa situação pode também estar acontecendo entre os Yanomami.

São valores externos à cultura indígena que acabam ditando os padrões da escola indígena, por mais paradoxal que seja.

Parece-me que estamos sempre pensando na escola como um projeto de futuro nosso; um projeto de sociedade que a gente tem. E sem tentar conhecer primeiro o projeto de futuro, o projeto de sociedade que cada povo tem em mente para si próprio (AZEVEDO, 1997 in D`ANGELIS & VEIGA, 1997, p. 148).

Logo, a escola indígena é e não é dos Yanomami: de um lado, há yanomami responsável pelo ensino, por outro lado, ele reproduz um modelo nacional de escola e não o modelo idealizado (isso, se houver um) da comunidade yanomami. Por isso, o projeto de futuro tanto divulgado, que é o de autonomia, no sentido de

viver conforme seus valores, seus costumes, seus modos de organização social e sua política e ainda como o reconhecimento da capacidade de auto-representação em

condições de igualdade em uma sociedade que se reconhece pluriétnica, como constitucionalmente declara-se o Brasil (NASCIMENTO, 2004, p. 71).

Não está sendo executado como tal, mas sim com o sentido de que conhecerão a burocracia do funcionamento escolar, segundo o modelo nacional. Autonomia, nessa vertente, é levar o indígena a gerir a escola, reproduzindo as ideologias e práticas nacionais de ensino.

Não adianta nada falar-se em “escola indígena que respeita a cultura”, e querer impor um modelo de administração que não tem nada a ver com a cultura deles, que é a organização social e política. (AZEVEDO, 1997 in D`ANGELIS & VEIGA, 1997, p. 154)

Diante do exposto, o discurso de autonomia não se sustenta, pois subliminarmente ao modelo intercultural, continua a ser propagado o modelo nacional de educação e, acrescentamos ainda, o modelo religioso de ensino está sendo propagado na escola e, possivelmente, em todas as escolas indígenas em que se tem na administração escolar uma instituição religiosa.

Ressaltamos que os indígenas podem não estar criando um modelo novo, não porque achem melhor o que já existe, mas simplesmente porque eles nunca pensaram uma escola e/ou criaram uma, sempre foram submetidos ao modelo existente. Atualmente o indígena é colocado como responsável pelas mudanças na escola, as quais terminam sendo reprodução do modelo nacional de ensino. Logo, se a escola não passar a contribuir para o fortalecimento de sua cultura, a culpa não é mais do não-índio, mas do indígena, pois a escola agora é dele, pelo menos em tese.

Outra questão que se destaca nesse contexto conflituoso da educação escolar indígena é que educação diferenciada pode ser entendida como educação inferior/pior que a oferecida aos não-índios, pensamento identificado por Freitas(2003, p. 64) entre os Makuxi: "Mas professora, me diga uma coisa, finalmente o que é esse negócio de educação específica e diferenciada? Porque se for prá ser pior do que é para os brancos, a gente não quer, não". Júlio (em conversa informal, 2000).

Apesar de ter sido uma exigência vinda dos próprios indígenas, muitos não entendem como deve ser essa educação escolar, há dúvida e desconfiança de ser algo para prejudica-los, pensamento fruto dos intensos anos subjugados a um modelo escolar voltado para desestruturação de sua cultura, forma de ser e viver dos grupos indígenas.

Almeja-se a educação de qualidade igual à do branco porque é através dela que

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