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Educação escolar yanomami e potiguara

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Academic year: 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA

EDUCAÇÃO ESCOLAR

YANOMAMI E POTIGUARA

Hellen Cristina Picanço Simas

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EDUCAÇÃO ESCOLAR

YANOMAMI E POTIGUARA

Tese apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutora em Linguística, área de concentração: Linguística Aplicada do Programa de Pós-Graduação em Linguística (PROLING) da Universidade Federal da Paraíba - UFPB.

Orientadora: Profa. Dra. Regina Celi Mendes Pereira.

Co-orientadora: Raynice Geraldine Pereira da Silva

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S588e Simas, Hellen Cristina Picanço.

Educação escolar yanomami e potiguara / Hellen Cristina Picanço Simas.- João Pessoa, 2013.

234f. : il. Orientadora: Regina Celi Mendes Pereira

Coorientadora: Raynice Geraldine Pereira da Silva Tese (Doutorado) – UFBPB/CE

1. Linguística aplicada. 2. Língua tupi. 3. Língua yanomami. 4. Política linguística. 5. Educação bilíngue e intercultural.

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Educação Escolar Yanomami e Potiguara, tese defendida e aprovadano dia 31 de julho de 2013, como condição para obtenção do título de Doutora em Linguística, pela Universidade Federal da Paraíba - UFPB.

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Regina Celi Mendes Pereira – Orientadora

Universidade Federal da Paraíba -UFPB

___________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Stella Virginia Telles de Araújo Pereira Lima - Examinadora

Universidade Federal de Pernambuco - UFPE

_________________________________________________ Prof. Dr. Aldir Santos de Paula- Examinador

Universidade Federal de Alagoas – UFAL

_________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Socorro Cláudia Tavares - Examinadora

Universidade Federal da Paraíba -UFPB

________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Mariane Cavalcante Bezerra - Examinadora

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A Deus, por me dar sabedoria e saúde para realizar esta pesquisa;

Ao meu mentor espiritual, por me inspirar e me ajudar a trilhar os caminhos traçados para essa reencarnação;

A minha orientadora Regina Celi Mendes Pereira, por me fazer aprofundar meu olhar crítico, desenvolver meu perfil de pesquisadora, por ter contribuído riquissimamente para minha formação profissional e como ser humano;

A minha co-orientadora Raynice Geraldine, por me ajudar a desvendar o mundo indígena;

Às comunidades Yanomami e Potiguara,por terem me recebido com carinho e aberto as portas para a realização desta pesquisa;

Ao Eurico Sena, por me fazer entender a visão indígena e ter acesso ao mundo Yanomami;

Ao Cássio Ferreira Marques, por me ajudar a ter acesso ao mundo Potiguara;

À Inspetoria Salesiana (ISMA), por me acolher na casa de apoio durante a pesquisa de campo;

Ao Padre Alzimar, pela amizade e auxilio durante a visita à comunidade Yanomami; Aos amigos e parentes que me apoiaram durante os longos anos de estudo e pesquisa; Ao programa de Pós-Graduação em Linguística - PROLING, pela competência na formação de seus alunos;

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas - FAPEAM, pelo apoio financeiro, durante um ano de pesquisa, sem o qual esse trabalho não poderia ter sido realizado;

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implantação da Língua Tupi motivada por questões políticas ligadas à questão da identidade indígena e não por razões sociocomunicativas, revelando a falta de um Planejamento Linguístico para a implantação da língua. Em síntese, tanto o modelo de educação Bilíngue e Intercultural quanto a Política Linguística nacional desenvolvidos nessas comunidades merecem ser reajustados no sentido de se construir uma educação escolar indígena mais condizente com cada realidade linguística.

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Language Policy, there are the following ones: the choosing of a dead language to be taught in the Potiguara community and the deployment of Tupi language motivated by political issues linked to the issue of indigenous identity and not for socio-communicative reasons, revealing the lack of a Language Planning for the implementation of the language. In summary, both the model of Bilingual and Intercultural Education as the National Language Policy developed in these communities deserve to be adjusted in order to build an indigenous education more consistent with each linguistic reality.

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Figura 1...22

Figura 2...31

Figura 1...34

Figura 2...44

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Imagem 1...20

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Tabela 1...50

Tabela 2...60

Tabela 3...66

Tabela 4...69

Tabela 5...71

Tabela 6...72

Tabela 7...74

Tabela 8...75

Tabela 9...76

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Tabela 11...126

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Tabela 16...155

Tabela 17...167

Tabela 18...169

Tabela 19...171

Tabela 20...173

Tabela 21...182

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INTRODUÇÃO ... 16

CAPÍTULO 1 – YANOMAMI E POTIGUARA: HISTÓRIA DO CONTATO E DA EDUCAÇÃO ESCOLAR ... 30

1.1 Yanomami: 59 anos de contato ... 31

1.2 Potiguara: 511 anos de contato ... 40

1.3 Línguas yanomami e tupi: filiação genética e linguística... 50

1.4 Línguas yanomami e tupi: situação socilinguística e função social ... 59

CAPÍTULO 2 – POLÍTICA LINGUÍSTICA E ENSINO BILÍNGUE NO BRASIL ... 79

2.1 Política linguística e planejamento linguístico: conceitos ... 80

2.2 Políticas linguísticas no Brasil ... 85

2.3 Ensino intercultural e bilíngue no Brasil ... 95

2.4 A política linguística atual no RCNEI ... 106

CAPÍTULO 3 – EDUCAÇÃO ESCOLAR NAS COMUNIDADES YANOMAMI E POTIGUARA ... 114

3.1 História da educação escolar yanomami ... 115

3.2 História da educação escolar potiguara ... 122

3.3 Modelo atual de educação escolar na comunidade yanomami ... 128

3.4 Modelo atual de educação escolar na comunidade potiguara... 143

CAPÍTULO 4 – INSTITUCIONALIZAÇÃO DE LÍNGUAS NAS ESCOLAS YANOMAMI E POTIGUARA ... 158

4.1 Por que língua yanomami e portuguesa na escola yanomami? ... 159

4.2 Por que língua tupi e portuguesa na escola potiguara? ... 162

4.3 Ensino bilíngue yanomami ... 164

4.4 Ensino bilíngue potiguara ... 194

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REFERÊNCIAS ... 223

ANEXO 1 – ... 233

ANEXO 2 – ... 234

ANEXO 3 – ... 234

ANEXO 4 – ... 235

ANEXO 5 – ... 236

ANEXO 6 – ... 237

ANEXO 7 – ... 238

ANEXO 8 – ... 238

ANEXO 9 – ... 239

ANEXO 10 – ... 239

ANEXO 11 – ... 240

ANEXO 12 – ... 241

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INTRODUÇÃO

“Sou Potiguara, sou Yanomami, sou Pankararu, sou Baré”, afirmações como essas passaram a ser constantes de uns tempos para cá. Afirmações que não apenas indicam a etnicidade de uma pessoa, mas que, aos poucos, revelam um discurso de luta contra a repressão à identidade indígena e à diversidade cultural e linguística existente no Brasil.

Foram longos anos sem poder assumir com orgulho a condição indígena. Foram tempos de silenciamento, apagamento: “O índio, na constituição da mestiçagem da nacionalidade não se misturou, sumiu” (ORLANDI, 1990, p.58). Foram tempos de desaparecimento de línguas nativas; tempos em que os mitos e as lendas viraram folclore; em que se dizia que língua indígena era gíria; pajé e rituais eram vistos como exóticos e/ou práticas contrárias aos preceitos cristãos católicos. Tempos em que não havia qualquer contribuição advinda da cultura indígena para a constituição da identidade nacional: “No que se refere à identidade cultural, o índio não entra nem como estrangeiro, nem sequer como antepassado” (ORLANDI, 1990, p. 56). Não podemos afirmar que todas essas ideias tenham sido abandonadas, mas, pelo menos, passos importantes foram dados na direção do respeito a estes povos que tanto contribuíram cultural, linguística e geneticamente para a formação do povo brasileiro.

Nascida em um dos estados que, atualmente, mais concentra grupos indígenas no Brasil- o Amazonas-, tive várias oportunidades de conhecer a cultura indígena. Algumas delas por conviver com indígenas conhecidos da minha família e outras por ter amigos indígenas, os quais em várias oportunidades falavam-me da cultura de seu povo. Por ter vivido até os 17 anos na cidade de Parintins, que, tradicionalmente, exalta a cultura indígena durante o festival folclórico em que Garantido e Caprichoso disputam o título de melhor boi-bumbá, a temática indígena passou a ser familiar. As toadas dos bumbás, cujas letras contam como se deu o contato com o branco na visão indígena, narram rituais, lendas, o dia a dia caboclo1, fatores que também são encenados durante as apresentações dos bumbás, exaltando a cultura indígena. No mês de junho2é tradição as pessoas usarem, além das tradicionais camisas vermelhas ou azuis, adereços de pena, de

1 Como também são chamados os nativos que vivem no Amazonas.

2 Mês em que acontece o Festival Folclórico de Parintins. Sempre no último final de semana do mês de

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palha, de sementes, confeccionados quase sempre por indígenas da região, como os Mawé.

Toda essa experiência positiva me fez admirar os povos nativos; conhecer a contribuição indígena para formação da identidade brasileira, respeitar esses povos, gostar de ser cabocla e querer entender mais a cultura e a língua que tanto ressoam em mim. Além do mais, verifiquei que poucos são os estudos sobre a temática indígena na área de Linguística, principalmente em se tratando do estudo do ensino-aprendizagem de línguas nas escolas indígenas. Não há, por exemplo,nenhum estudo sobre essa temática entre os Yanomami e entre os Potiguara existe somente a pesquisa que realizamos durante o mestrado, publicada sobre o título Letramento Indígena Potiguara (2012). Notei também que a maioria das pesquisas existentes preocupa-se em descrever a gramática das línguas indígenas ou criar dicionários bilíngues (língua indígena/português). Projetos fruto do esforço para não deixar as línguas indígenas desaparecerem, pois, nessa perspectiva, entende-se que, ao registrá-las, combate-se sua extinção.

Observada a carência de estudos, surgiu, na época dos meus estudos de pós-graduação, o desejo de pesquisar a educação escolar indígena, especificamente sobre o ensino aprendizagem de línguas nas escolas das aldeias e, dessa forma, contribuir para a expansão do conhecimento nesta área tão carente ainda de estudo. Dediquei-me, durante meus estudos de mestrado, a entender o ensino de Língua Portuguesa na escola potiguara de Monte Mor e, para o estudo de doutorado, resolvi ir além e investigar como a Política Linguística nacional é executada na sala de aula de comunidades nativas, objetivando verificar a institucionalização da língua indígena nas escolase entender os conflitos e confrontos na implementação da política para as línguas nativas, bem como identificar qual modelo de educação escolar vem sendo executado nas escolas.

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Estive, pessoalmente, em ambas as comunidades indígenas, coletando dados e participando do dia a dia delas. Entre os Potiguara, passei 8 meses de visitas semanais à comunidade e escola de Monte Mor; entre os Yanomami da região de Maturacá, foram 30 dias ininterruptos de permanência na aldeia. Períodos em que me dediquei à observação de aulas, da rotina da aldeia, a entrevistas, à realização de curso de formação docente e que me dediquei a entender um pouco da cultura yanomami e potiguara, em que aprendi muito além do que os livros nos revelam: como é o sorriso das crianças yanomami e potiguara, a dedicação dos professores indígenas ao ensino das diversas disciplinas e da preservação da cultura tradicional, a atuação das lideranças, o trabalho dedicado das mães e pais de família na lida das atividades diárias. Aprendi como são grandes o carinho, a atenção e hospitalidade dos membros das comunidades Yanomami e Potiguara para com aqueles que chegam respeitando seu chão e sua história.

Essa minha vivência nas aldeias e atuação como observadora nas salas de aulas das escolas das indígenas imprimem à presente pesquisa um caráter etnográfico. Principalmente porque a coleta de dados ocorreu de forma atípica, em contextos na maioria das vezes não previstos no planejamento da pesquisa de campo como em conversas informais numa caminhada pela comunidade, durante o café da manhã, durante brincadeiras com crianças yanomami e potiguara, dentro do transporte escolar etc. Logo, a ida da pesquisadora a campo foi fundamental para a descrição da comunidade e da escola, descrição que embasa as análises, de forma que se não a fizéssemos, não poderíamos aprofundar as discussões apresentadas neste trabalho.

Fez-se uso do paradigma qualitativo nas análises, pelo fato de o foco do estudo ser o Ensino Bilíngue Intercultural na esfera da Política Linguística atual. Certos dados se mostraram mais importantes do que a quantidade deles, ou seja, a partir de um número de professores indígenas e das informações por eles prestadas, conseguimos ter uma ideia geral sobre o modelo escolar, a situação sociolinguística e a implementação de políticas linguísticas nas comunidades em estudo. A pesquisa, portanto, foi qualitativa, descritivo-interpretativista e fez uso do método indutivo porque, a partir da observação dos dados particulares, procuramos fornecer respostas mais generalizantes acerca das problemáticas levantadas.

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de pesquisa junto aos grupos indígenas citados, principalmente junto aos Yanomami, revelou-nos que não podemos muitas vezes levar um roteiro de pesquisa predefinido, porque as realidades das comunidades nativas são tão específicas e diferenciadas, capazes de não corresponder ao que foi pensado e cogitado sobre a relação dos indígenas com a escrita, com a leitura, com a escola. Logo, roteiros de perguntas, formas de coleta de dados, tempo de coleta foram totalmente modificados, inclusive, redirecionando alguns objetivos, a exemplo do que investiga a importância e funcionalidade da escrita na comunidade Yanomami.

À medida que estreitávamos os contatos, pude entender que escrita, leitura, gravação de voz e áudio são atividades estranhas em comunidades ágrafas, que geram desconforto entre os participantes selecionados para pesquisa. Esse contato com os Yanomami permitiu que um novo mundo se abrisse revelando que o contexto indígena é, muitas vezes, tão específico que só nos damos conta disso quando imersos nele.

É fundamental entender de fato o que é diversidade, característica tão comentada hoje quando se discute a situação indígena. A diversidade não está somente no fato de no Brasil viverem aproximadamente 305 grupos nativos e existirem cerca de 274 línguas sendo faladas por quantidade distinta de falantes3. A diversidade existe pelo fato de cada um dos 305 povos terem uma forma de pensar, compreender a natureza e se relacionar com as coisas e pessoas de forma particular. Cada um desses grupos também teve uma forma de contato distinta, traçou uma história diferente de relação com o não-índio e com tudo aquilo que veio a partir do contato. Esse outro chamado não-índio ainda hoje não é compreendido como indivíduo detentor de religião, valores, de forma de ser e viver distinta.

O Brasil de 500 anos atrás abrigou uma imensa diversidade étnica e linguística, com mais de mil povos e línguas. Atualmente, o reduzido número de línguas nativas existente encontra-se em situações distintas de vivacidade. A língua Tikuna, por exemplo, é a língua indígena mais falada do Brasil, possuindo32,613 mil falantes; enquanto a língua Xipaia (PA) tem apenas 2 falantes. A língua Embiá, falada nos estados de Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e São Paulo, por sua vez, possui 10.000 falantes, em contraposição à língua Mura (AM), que não tem nenhum falante4.

3Dados, segundo censo IBGE - 2010.

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Linguistas, como Rodrigues (2002), com base na classificação do tipo genética, apontam que as línguas indígenas são classificáveis em dois troncos linguísticos, a saber: tronco tupi e Macro-jê. O tronco tupi é o maior deles e reúne 10 famílias linguísticas, das quais a tupi-guarani é a maior delas. Vejamos as famílias, línguas e dialetos do tronco tupi.

Imagem 1: Tronco Tupi

Fonte: SOCIOAMBIENTAL, 2013

O tronco linguístico indígena Macro-jê reúne nove famílias linguísticas, sendo as duas maiores a Karajá e a Maxakali, cada uma com 3 línguas, conforme mostra o

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Imagem 2: Tronco Macro-Jê

Fonte: SOCIOAMBIENTAL, 2013

Há famílias, entretanto, que não puderam ser relacionadas a nenhum destes troncos. São elas: Aruak, Arawá, Karib, Pano, Maku, Yanoama, Mura, Tukano, Katukina, Txapakura, Nambikwara e Guaikuru. Outras línguas, como não puderam ser classificadas pelos linguistas dentro de nenhuma família, são consideradas isoladas, como, por exemplo, a língua Tikuna (AM, Peru, Colômbia), a língua Trumái (MT), a língua Irântxe (MT).

No entanto, há povos indígenas que, devido ao intenso contato com a sociedade envolvente, acabaram por perder sua língua original e passaram a falar somente o português. Algumas dessas línguas não deixaram registro algum, outras possuem informações esparsas sobre seu vocabulário, fonética, morfologia, sintaxe, mas que permitiram classificá-las em alguma família.

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Mapa 1: Distribuição das Famílias LinguísticasIndígenas no Brasil

Fonte: SOCIOAMBIENTAL, 2013.

O intenso e longo contato a que os povos do litoral foram submetidos os fizeram abandonar sua língua nativa e adotar o português, sendo hoje sua primeira língua (L1). Exemplos de grupos falantes somente do português são os Potiguara (PB), os Pancararu (PE), os Pancará (PE), os Atikum (PE, BA) e os Tupinambá de Olivença (BA).

As línguas indígenas, em sua grande maioria, possuem uma carência de estudos descritivos aprofundados para constituição de gramáticas de referência. E considerando as pesquisas sociolinguísticas, menor ainda é a quantidade de estudo, fazendo inexistirem informações básicas sobre a vitalidade das línguas nativas, faixa etária de pessoas bilíngues, sobre a ascensão da língua portuguesa nas comunidades cuja L1 é indígena. De acordo com Franchetto (2008, p. 2):

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imensas, como nos estudos sociolingüísticos, estes últimos indispensáveis quando se trata de entender as muitas e complexas situações de bilingüismo, multilingüismo e perda lingüística.

Os estudos sobre as línguas indígenas são importantes não só para o conhecimento das estruturas intralinguísticas, mas para conhecimento do universo cultural de cada povo, uma vez que é por meio delas que podemos acessar as suas experiências vividas ao longo do tempo, a maneira de pensar, de sentir e de viver.

Cada comunidade nativatem sua forma de compreender o mundo e se relacionar com tudo que nele existe, por isso cada povo realiza rituais distintos de passagens à vida adulta, celebram o nascimento a sua maneira, realizam de forma diferente os casamentos, fabricam remédios medicinais de forma peculiar, vestem-se de maneira única, valorizando certos artesanatos, penas e adereços.

Bom exemplo da diversidade cultural dos povos nativos são as narrativas mitológicas, uma vez que indicam o caminho para entendermos como eles concebem a origem do fogo, dos animais, do homem, do surgimento de tudo que existe no mundo.

Passemos a observar quatro narrativas míticas dos povos Guarani, Xavante, Munduruku e Dessana para entendermos um pouco da diversidade cultural dos nativos, especificamente sobre como imaginam a origem da vida e da humanidade.

Os Guarani5, por exemplo, acreditam ser filhos do Sol (Nanderuvuçu, o Pai Antepassado) e da Lua (Mãe Antepassada) quando eles estavam na terra enquanto homem e mulher: “Depois que eles geraram a humanidade, um se transformou no Sol, e a outra, na Lua. São nossos tataravôs” (JECUPÉ, 1998, p. 65). Acreditam em um ser superior (o criador), detentor de poderes, com os quais foi capaz de criar o Mundo: “O criador, cujo coração é o Sol, tataravô desse Sol, que vemos, soprou seu cachimbo sagrado e da fumaça desse cachimbo se fez a Mãe Terra” (Op. Cit., p. 65). Percebe-se que os Guarani entendem que o criador é auxiliado por anciães, seres detentores de certo poder, que executam o desígnio do criador: “Chamou sete anciães e disse: gostaria que criassem ali uma humanidade” (Op. Cit., p. 65). Infere-se a importância dos mais velhos nessa sociedade, uma vez que foram os anciães os responsáveis pela execução da vontade do criador e que osGuarani cultivam um respeito e carinho muito grande pelo Sol e pela Lua, uma vez que originaram a humanidade.

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Os Xavante6 acreditam também que um ser superior criou o homem: “Dois homens foram postos na Terra por meio do arco-íris. Eram Butsewawë e Tsa’amri. Seus nomes foram dados pela voz do Alto” (JECUPÉ, 1998, p. 66). A voz do Alto a que o narrador se refere pode ser interpretada como metonímia do Criador. Diferentemente da visão Guarani, a visão Xavante mostra que a humanidade se origina a partir de dois casais: Butsewawë e Tsinhotse’e-wawê e Tsa’amri e Wa’utomowawë. Cada casal teve dois filhos e duas filhas: “E assim tiveram os primeiros filhos. Em seguida, duas filhas. Passados os anos, Butsewawë casou o seu filho Pini’ru com a filha de Tsa’amri. E assim foi indo.” (Op. Cit., p. 66). Desses casamentos entre essas famílias, a humanidade foi se constituindo, segundo a visão Xavante. Essa pode ser a explicação para os Xavante organizarem-se ainda hoje em dois clãs, permitindo-se somente o casamento de um membro com um parceiro de outro clã.

Os Munduruku7 acreditam que os primeiros homens foram Caruçacahiby8 e seu filho Rairu: “Da escuridão saíram dois homens, um chamado Caruçacahiby e outro, que era seu filho, chamado Rairu” (SILVA, 2002, p. 251). Percebe-se que eles foram criados por si mesmos, uma vez que não há referência a um ser superior. Aspecto não encontrado nas duas narrativas anteriormente estudadas. O céu, no entanto, surgiu da vontade de Caruçacahiby: “A pedra continuou a crescer. Cresceu tanto em forma de panela que formou o céu. Apareceu então depois o sol no céu. Rairu ajoelhou-se, vendo seu pai ser o criador do céu” (Op. Cit., p. 251). Os seres que originam a humanidade não são criados, mas encontrados por Rairu dentro do buraco de um tatu: “Não me batas, porque no buraco da terra eu achei muita gente, mais que boa, e eles vêm trabalhar para nós” (Op. Cit., p.252). Os animais surgem de um castigo imposto por Caruçacahiby às pessoas preguiçosas: “Vocês são muito preguiçosos, agora vocês serão passarinhos, morcegos, porcos e borboletas” (Op. Cit., p. 253).

A presente narrativa diferencia-se bastante das demais pelo fato de estar em primeiro plano a inimizade do pai para com o filho: “Caris era inimigo do filho, porque sabia mais do que ele” (Op. Cit., p. 250). Esse sentimento desencadeia quase todas as ações da narrativa, ficando a criação do mundo em segundo plano, como fato acidental, decorrente das ações que o pai intenta para matar o filho. Essa narrativa, portanto, traz aspectos que as demais não possuem: a inimizade do pai para com o filho; os seres que

6 Narrativa completa vide anexo 3. 7 Narrativa completa vide anexo 4.

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deram origem à humanidade são encontrados e não criados; a humanidade se origina de várias pessoas, não tendo os Munduruku, dessa maneira, um pai e uma mãe determinados, como os Guarani e os Xavante.

Os Dessana9 apontam que o mundo e a humanidade foram criados por uma mulher – Yebá Burô – nomeada por esse povo de Avó do Mundo ou Avó da Terra. Segundo eles, o mundo surgiu do pensamento de Yebá Burô:

Enquanto ela pensava no quarto de quartzo branco, começou a se levantar algo, como se fosse um balão, em cima dele apareceu uma espécie de torre. Isso aconteceu com o seu pensamento. O balão, enquanto se levantava, envolveu a escuridão, de maneira que esta ficou dentro dele. O balão era o mundo (JECUPÉ, 1998, p.62).

Os primeiros homens foram criados do ipadu10, mastigado pela Avó do Mundo. Eram cinco, os quais, conforme a ordem de nascimento, foram recebendo quartos na Maloca do Universo, ou seja, no Mundo. Segundo a narrativa, o mundo tem a forma de torre, sendo o fim do mundo a morada de um grande morcego.

Essa narrativa permite-nos inferir o porquê de hoje os Dessana se dividirem hierarquicamente em clãs. O clã de hierarquia mais elevada vive em lugares privilegiados; seus membros são chefes nos rituais. O segundo clã na hierarquia são os responsáveis pelas danças e cantos, depois vem o clã de xamãs e, por fim, o clã servo. Isso se deve à ordem de nascimento do primeiro ancestral de cada clã, aspecto muito bem simbolizado na narrativa em estudo:

Feito isso, ela deu a cada um deles um quarto nessa grande maloca que é a Maloca do Mundo. [...]. O primeiro, como primogênito, recebeu o quarto do chefe. O segundo, o quarto da direita, acima do primeiro. O terceiro, o quarto no alto do ‘jirau do jabuti’[...]. O quarto trovão recebeu o quarto da esquerda, acima do primeiro e em frente ao segundo quarto. Por fim, o quinto, o quarto, onde havia um morcego enorme, parecido com um grande gavião. O lugar onde ele estava chama-se Umusidoro (funiu do alto), quer dizer, o ‘Fim (os confins) do Mundo’(JECUPÉ, 1998, p. 64).

9 Narrativa completa em anexo 5.

10 Arbusto ou arvoreta da família das eritroxiláceas, de folhas oblongas pequenas, flores pequenas,

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Essa narrativa Dessana diferencia-se bastante das demais nos seguintes aspectos: uma mulher é a criadora do mundo; os cinco seres criados por ela não são humanos: “Eles eram trovões, eram chamados em conjunto Uhtabohowerimahsã, quer dizer, ‘homens de quartzo branco’, porque eles são eternos, eles não são como nós” (Op. Cit., p.64); não fica claro como esses cinco seres fizeram para a humanidade surgir e são citados os elementos de onde a avó do Mundo se criou, os quais, ao mesmo tempo, são elementos criados por ela:

Havia coisas misteriosas para ela criar por si mesma. Havia seis coisas misteriosas: um banco de quartzo branco, uma forquilha para segurar o cigarro, uma cuia de ipadu, um suporte dessa cuia de ipadu, uma cuia de farinha de tapioca e um suporte dessa cuia. Sobre essas coisas misteriosas é que ela se transformou por si mesma. Por isso ela se chama a ‘Não Criada’ (JECUPÉ, 1998, p. 63).

Diante do exposto, fica claro que não é única a visão sobre a origem do mundo e da humanidade entre os grupos indígenas existentes no Brasil, cada um tem seu mito de origem. Como bem destacam os professores indígenas de Pernambuco: “Diversos são os povos indígenas e, portanto, diversos são seus mitos. Essa diversidade revela a riqueza e a complexidade das culturas indígenas, nos alertando para a necessidade de conhecer e respeitar a pluralidade étnica do nosso país” (GAMEIO, 1997, p.9). Seus conhecimentos expressos nas suas histórias, sejam em prosa ou em verso, as quais conhecemos como mitos e lendas, mostram o quanto são variadas suas concepções de mundo. Desprezá-las, considerando-as sem valor, classificando-as como pensamento primitivo, configura-se como uma das formas de preconceito contra esses povos.

Diante dessa diversidade cultural e linguística, por saber que os contextos das comunidades indígenas são diversos e específicos, nesta pesquisa intitulada Educação Escolar Yanomami e Potiguara, decidimos observar em duas realidades - a da escola Potiguara, da comunidade Monte Mor, localizada no município de Rio Tinto (PB), e a da escola Yanomami, da região de Maturacá, localizada no município de São Gabriel da Cachoeira (AM) - o modelo de educação desenvolvido nas escolas e quais os principais fatores que caracterizam a implementação da Política Linguística nacional.

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escola indígena. Esse fato nos despertou a curiosidade para entendermos o processo de ensino-aprendizagem de uma língua não mais utilizada nas interações entre os indígenas. Ao mesmo tempo, surgiu a vontade de comparar esse processo de ensino de língua com o que ocorre em uma comunidade ainda falante de sua língua nativa.

Outro motivo para investigar a questão problemática deve-se ao fato de muitos envolvidos na implantação e no desenvolvimento da educação escolar indígenaestarem interpretando a proposta do Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas – RCNEI - sobre o ensino-aprendizagem das línguas indígenas como se fosse obrigatório implantar o ensino de língua indígena em todas as escolas indígenas, mesmo nas escolas de grupos nativos que não falam mais sua língua ancestral. Porém, isso se deve mais ao discurso oficial, que é o do resgate da cultura e da identidade indígena (a língua dentro dessa concepção é vista como parte da identidade e cultura indígena), e menos por sua utilização nas interações sociais das comunidades indígenas.

A sociedade brasileira tem no seu imaginário o indígena como sujeito falante de uma língua indígena, andando nu, morando na floresta e se alimentando de caça e frutos. Essa visão, de alguma forma, influencia as políticas voltadas para a educação escolar indígena. Segundo o RCNEI (1998, p. 120): “Essas iniciativas de revitalização, mesmo que apenas parciais, devem ser incentivadas devido aos benefícios políticos e à melhoria da autoimagem que trazem, não apenas aos alunos, mas a toda a comunidade”. Isto é, o indígena, nessa visão, precisa da língua indígena, seja ela qual for, para se sentir mais índio – “melhorar a autoimagem”. Mesmo que a comunidade seja monolíngue em Língua Portuguesa e tenha outros elementos da cultura nativa, a língua indígena é vista como o principal elemento da identidade, recurso indispensável para a comunidade, de fato, ser reconhecida como indígena. Por isso, termina-se investindo em projetos de implantação de línguas indígenas, muitas vezes, de língua morta para responder aos anseios da sociedade nacional, que deseja um índio do passado e não reconhece e aceita o índio real de nossos dias.

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quarto, discutir a Política Linguística nacional a partir das formas de planejamento linguístico executadas em cada comunidade indígena.

Por entendermos que são os usos sociais que estimulam e/ou criam a necessidade de aprender uma determinada língua, estipulamos a hipótese de que o ensino-aprendizagem do tupi antigo na comunidade Potiguara de Monte Mor não possui bases comunicacionais, pragmáticas e interativas, uma vez que a língua não é mais falada, enquanto o ensino-aprendizagem da Língua Yanomami possui e visa ao letramento. E pensamos também na hipótese de que não há um planejamento linguístico voltado e adequado para a diversidade sociolinguística das comunidades, visando à implementação da Política Linguística nacional, além de o modelo escolar apresentado como o Intercultural ser, na prática, o mesmo presente nas escolas nacionais.

Três direcionamentos teóricos nos guiaram na investigação e análise desse cenário indígena de educação linguística: 1)a concepção de linguagem como interação verbal, atrelada às diferentes práticas de letramento a que os indivíduos estão expostos, evidenciada nos trabalhos de Bakhtin (2000), Marcuschi (2001); Soares (2006); Schneuwly e Dolz (2004); 2)as políticas linguísticas nacionais para o ensino de línguas indígenas e as reflexões que as problematizam e analisam, evidenciadas no Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (1998) e nos trabalhos de Maher (2007); Barros (1994), Cavalcante (1999), D’Angelis (2005), Monte (1994) e 3) as contribuições sobre bilinguismo, em Butler e Hakuta (2006), Edwards (2006), Hamers e Blanc (1989), Mackey (2000), Saer (1922).

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Pretendemos, com os resultados apresentados nesta pesquisa, fomentar as reflexões sobre o ensino-aprendizagem de línguas indígenas, uma vez que este assunto é ainda pouco discutido, havendo muito para se compreender sobre o Ensino Bilíngue Intercultural nas comunidades indígenas. Além de haver necessidade de um plano de ação para fazer a educação escolar indígena ter qualidade igual à educação escolar oferecida aos não-índios.

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CAPÍTULO 1

YANOMAMI E POTIGUARA:

HISTÓRIA DO CONTATO E DA

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1.1Os kohoroxiwëtari11: 59 anos de contato

Os mais de 220 povos indígenas proporcionam uma riqueza étnica, cultural e linguística ao Brasil. Desse universo, os povos Yanomami e Potiguara foram eleitos para compor nosso estudo. O grupo Yanomami habita a Terra Indígena Yanomami - TI, homologada em 25 de maio de 1992, pelo Presidente Fernando Collor, que compreende 9.665.980 hectares (ISA, 2012). Segundo o Instituto Socioambiental – ISA (2012), em 2011, a população total dos Yanomami, no Brasil e na Venezuela, era de aproximadamente 35.000 pessoas. E, no Brasil, a população Yanomami era de 19.338 pessoas, repartidas em 228 comunidades.

Mapa 2 – Terra Indígena Yanomami

Fonte:http://ti.socioambiental.org/#!/terras-indigenas/4016. Acesso: 26.09.12

Especificamente, o grupo Yanomami por nós pesquisado é o dos Kohoroxitari, com 1.250 membros (MENEZES, 2010, p. 23) localizados no Parque Nacional do Pico da Neblina, às margens do rio Maturacá, no município de São Gabriel da Cachoeira,

11As denominações Xamatari e Kohoroxitari (lugar da minhoca grande) são dadas a si mesmos pelos

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estado do Amazonas – AM. Além desse grupo Yanomami, encontra-se, desde 1953, na Terra Indígena Yanomami de Maturacá, a Missão Salesiana de Maturacá e, desde 1990, o 5º. Batalhão de Fronteira. Na Missão, vivem geralmente um padre responsável pelos trabalhos evangelizadores e pela direção da Escola Estadual Indígena Imaculada Conceição,que possui Ensino Fundamental, um irmão, que o auxilia nos trabalhos missionários e um trabalhador responsável pelo apoio logístico. No 5º. Batalhão de Fronteira, vivem em média sessenta militares acompanhados de sua família ou não, os quais prestam serviços médicos, dentários e de proteção à aérea.

Imagem 3: Missão Salesiana de Maturacá

Fonte: arquivo particular, Hellen Picanço, 2010. Imagem 4: 5º. Pelotão Especial de Fronteira

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Também na TI Yanomami, há cinco organizações, a saber: Associação de Pais e Mestres Comunitários – APMC; Associação Yanomami do rio Cauaboris e Afluentes – AYRCA; Conselho Indígena de Roraima – CIR; Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro – FOIRN; Hutukara Associação Yanomami – HAY.

Este grupo indígena tem tradicionalmente a banana como principal elemento de sua base alimentar, mas cultiva também mandioca, macaxeira, batata doce, tabaco, milho, cará, plantas medicinais, dentre outros. A caça é valorizada, principalmente por seu simbolismo, em contraposição à pesca. A atividade é praticada somente por homens que, desde novos, embrenham-se na floresta à procura de porco-do-mato, capivara, paca, mutum, jacamim, inambu etc., uma vez que o bom caçador tem prestígio na comunidade. Utilizam principalmente espingardas para caçar, poucos fazem uso de arco e flechas.

Antes do contato com os missionários salesianos, os Yanomami da região de Maturacá eram nômades. No Brasil, movimentavam-se nas cabeceiras do rio Cauaburis; no rio Anta e no Tucano-igarapé. Atualmente, estes indígenas estabeleceram-se ao redor da missão salesiana e, apesar da grande área da terra indígena yanomami, estes não migram mais para outra área quando a terra fica com escassez de alimentos. Eles terminam indo à busca do assistencialismo dos padres salesianos, que lhes doam alimentos, vestuário, instrumentos (facões, anzol, linha de pescar, pólvora), miçangas para confecção de colares ou mesmo fazem troca de produtos com eles, geralmente os Yanomami oferecem cestos, colares, brincos em troca dos itens citados anteriormente. Estes Yanomami possuem sítios perenes ao longo do rio Cauaburis, sendo bastante utilizados nas férias escolares. Apesar de serem locais mais fartos de alimentos bons e mais indicados para realizar caça, segundo Menezes (2010, p. 35), os Yanomami não querem abrir mão de estarem perto do posto de saúde e das escolas.

O contato com este grupo Yanomami inicialmente ocorreu pela fronteira extrativista e pela fronteira missionária. Segundo registros salesianos, em 1952, o padre Antônio Góes manteve o primeiro contato com os Yanomami da região. Dois anos depois, foi fundada a missão salesiana de Maturacá, a partir de então, paulatinamente, estes Yanomami foram fixando-se ao redor da missão salesiana, às margens do canal Maturacá. Segundo Maria Inês Smiljanic (2002, p. 5), em 1956, o povo Yanomami veio se instalar na proximidade da missão, deixando de residir no sopé do Pico da Neblina.

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oeste do Estado do Amazonas. No rio Cauaburis, há duas comunidades Yanomami: Nazaré e Inambu. No rio Maiá, há outras duas: Tamaquaré e Maiá e, no canal Maturacá, há quatro comunidades assim denominadas: Ariabu (a mais antiga e maior), Maturacá12, União e Auxiliadora (as duas últimas são as mais novas e menores aldeias).

Mapa 3: Aldeias Ariabu e Maturacá

Fonte: jsa.revues.org/index2763.html. Acesso: 26.09.12

O mapa mostra a Missão de Maturacá – Missão Salesiana, perto da qual se localiza a maior e mais antiga aldeia Yanomami (Ariabu) da região. Possui aproximadamente 600 habitantes (MENEZES, 2010, p. 23). É possível visualizar a pista

12 Como se observou, Maturacá é tanto nome do canal da comunidade yanomami da região quanto de

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de pouso e o 50 Pelotão Especial de Fronteira. Do lado direito do canal Maturacá, estão instalados também o posto de saúde da Fundação Nacional de Saúde – FUNASA, nele, em 2010, trabalhavam 10 funcionários yanomami e 4 não-índios enfermeiros, e o posto da Fundação Nacional do Índio – FUNAI, que está fora de funcionamento desde a mudança da política de assistencialismo da referida instituição. O mapa só não registra a presença das comunidades União e Auxiliadora por serem as mais novas, cada uma possui 50 moradores (MENEZES, 2010, p. 23). Elas localizam-se do lado direito da comunidade do Ariabu. Do outro lado do canal Maturacá, localiza-se a comunidade de Maturacá, com 550 habitantes (MENEZES, 2010, p. 23).

A população dessa área é formada em sua maioria por Yanomami. Os não-índios são a minoria e podem ser considerados como moradores temporários, permanecendo na região só pelo tempo de serviço que lhes é determinado. Neste grupo, estão os militares, enfermeiros, médicos, pesquisadores e missionários salesianos.

O povo Yanomami possui também outras denominações dadas pelo não-yanomami como: Yanomam, Yainomá, Yanomae. Podem ainda ser chamados de Waika (matador bravo) pelos ribeirinhos que residem próximo às comunidades indígenas. A autodenominação desta etnia, segundo Béksta (1985, p. 8), é Yanonami13, a qual segundo o yanomami Júlio Goes, significa povo que migra: “Yano=residência temporária; na = fender-se; m = sufixo que se refere a pessoas, isto é, povo que se subdivide, fendendo-se a residência temporária” (BÉKSTA, 1985, p. 8).

Atualmente, as famílias yanomami da região de Maturacá vivem em casas individuais14, bem simples, sem divisão, feitas de palha e, em minoria, de madeira. As famílias são geralmente muito numerosas, entre 10 a 16 membros.

13 O povo indígena se autodenomina yanoNami, mas os não-índios, talvez por não compreenderem a

pronúncia correta do nome da etnia, os chamam yanoMami.

14 Xapono em Língua Yanomami. Observamos que autores como Béksta (1985) e Laudato (1998) e

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Imagem 5: Casa individual yanomami de Maturacá

Fonte: arquivo particular, Hellen Picanço, 2010.

Há entre os Yanomami deste localuma liderança geral – Cacique (periomem) e lideranças secundárias – Tuxauas, além de líderes espirituais: Hekuras (pajés) responsáveis pelos tratamentos físicos e espirituais das pessoas da comunidade. As duas maiores aldeias - Maturacá e Ariabu - possuem seus pajés (hekura) e tuxauas. As duas aldeias menores ainda não possuem pessoas exercendo tais papéis sociais, elas são atendidas pelas lideranças das outras aldeias. O Cacique é o único que pode viver um regime de poligamia, desde que consiga dar tratamento igual a todas as suas esposas. O filho homem do primeiro casamento do periomem é quem terá direito a suceder o pai e se tornar cacique. O atual cacique Joaquim Figueiredo vive, atualmente, com 3 esposas e tem 19 filhos15.

Ele é reconhecido como o principal detentor dos conhecimentos tradicionais Yanomami relativos ao mundo dos espíritos, sendo também o principal formador de pajés de sua comunidade. Além de líder e pajé, ele é reconhecido como grande guerreiro, famoso por sua atuação decisiva em uma guerra contra outro grupo Yanomami na década de 1960 (MENEZES, 2010, p. 25).

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1ª Esposa: INÊS. Filhos: Miguel, Jorge, Paulina, Cecília, Isabel, Maria dos Anjos, Graziela. 2ª Esposa: TEREZA. Filhos: Xavier; Anísio, João, Maria Rosa, Joaquina, Odete.

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Imagem 6: Lideranças Yanomami de Maturacá16

Fonte: arquivo particular Hellen Picanço, 2010.

A distribuição das casas yanomami de Maturacá lembra a forma de um círculo, havendo, por isso, no centro da comunidade, grande área de convivência comum por onde circulam as pessoas. Essa forma de distribuição permite que os Yanomami tenham visão geral do movimento das pessoas em outras casas, como pode ser observado na imagem a seguir.

Imagem 7: Vista panorâmica da aldeia Ariabu

Fonte: arquivo particular, Hellen Picanço, 2010.

Existe uma casa cerimonial na aldeia Ariabu, onde os membros das comunidades se encontram para discutir assuntos importantes e tomar decisões sobre a

16Na fotografia, da esquerda para a direita, estão presentes o atual cacique Joaquim, Marcelino Tuxaua, da

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vida das aldeias e de seus membros. Neste local, também acontecem os vários rituais da comunidade, como de iniciação, dos mortos (reahu) e ritual do pariká. Nesse espaço, acontecem também reuniões com pesquisadores, representantes do governo etc., quando necessárias.

Imagem 8: Casa Cerimonial – aldeia Ariabu

Fonte: arquivo particular, Hellen Picanço, 2010.

O horário estipulado pelos Yanomami para o ritual do pariká acontecer é a partir das 10h da manhã e o término mais ou menos por volta das 17h. Os índios iniciados, ou seja, aqueles que já passaram pelo ritual que os habilita a participar de tal prática, na hora que escolhem, dirigem-se para a casa cerimonial e inalam o epema17. Em seguida, numa espécie de transe, dentro da casa cerimonial, individualmente ou em grupo, dançam, cantam e têm acesso a um mundo sobrenatural.

Imagem 9: Inalação do pariká

Fonte: arquivo particular, Hellen Picanço, 2010.

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Antes, dizem os antigos, não era permitido às pessoas desabilitadas ao ritual se aproximarem dos índios, mas hoje permitem até pessoas não-índias assistirem à celebração quando em festejos na comunidade. Contam os Yanomami que, durante o rito, recebem, por exemplo, orientações de seus ancestrais e têm visões de como proceder dentro da comunidade.

O Heahu é um ritual que acontece durante a festa da banana. Consiste na ingestão de mingau de banana contendo pó da cremação dos restos mortais do cacique falecido ou de pessoas falecidas de sua linhagem. Depois de pronto o mingau, o pó é espalhado por cima do alimento e servido aos participantes da festa.

Para a realização da festa da banana, os homens, quinze dias antes da data marcada para o festejo, saem em grupo para caçar, retornando cedo no dia da festa. Mandam um dos seus avisar a comunidade que estão voltando; pintam-se passando breu no corpo todo e colocam penas na cabeça de forma a ficarem irreconhecíveis. Em fila, dançando e cantando, adentram a aldeia. As mulheres e filhos alegres e em vibração tentam adivinhar quem é seu esposo ou pai. Cada um imita um bicho da floresta. Eles depositam o que caçaram na casa cerimonial, a fim de que seja dividido entre todos da comunidade.

Imagem 10 Reahu

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Imagem 11: Reahu

Fonte: arquivo particular, Hellen Picanço, 2010.

Essa comunidade contatada há pouco tempo conserva sua maneira de ser e viver e luta para ter um diálogo intercultural com o não–índio. Distante deste grupo indígena, outra etnia resiste ao processo colonizador: os Potiguara, devido à localização, ao tempo de contato e forma como ele ocorreu, sua maneira de ser e viver originária foi muito modificada, porém anseiam também manter um diálogo intercultural como o não-índio. Nas páginas seguintes, passaremos a conhecer os “comedores de camarão” Moonen (1992, p. 93).

1.2 Os potiguara: 512 anos de contato

O único grupo indígena existente atualmente no estado paraibano é o Potiguara. No século XVI, os Potiguara ocupavam o litoral do nordeste brasileiro, segundo Moonen (1992, p. 93), eram mais de cem mil índios em idos de 1500. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2010) apontam uma população potiguara de 11.452 habitantes. Eles estão em contato com o não-índio desde o início do processo colonizador em idos de 500, conforme comprovam relatos históricos, especificamente os escritos em 1501 por Américo Vespúcio:

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porém, se mantinham bem distante de nós, fazendo entrementes alguns sinais para que com eles, adentrássemos a terra. Diante disso, dois de nossos cristãos imediatamente se dispuseram a enfrentar esse risco, para descobrir que gentes eram e que riqueza ou espécie aromática possuíam, e insistiram tanto ao capitão da frota que ele anuiu ao que pediram. Eles, então, preparando–se para pôr em prática o que pretendiam, tomaram lhes os seus pertences vários objetos pequenos, com que pudesse adquirir os daquela gente e despediram-se de nós com ordem de voltar no máximo em cinco dias, que eram o tempo que haviam lhes de esperá-lo. E assim tomaram caminho de terra adentro, enquanto regressamos às naus, onde permanecemos a esperá-los por seis dias, durante os quais quase que diariamente novas gentes vinham à praia, mas nunca quiseram falar conosco. No sétimo dia, dirigimos outra vez a terra firme e percebemos que aquela gente trouxe consigo as mulheres. Assim que chegamos logo enviaram muitas esposas para falar conosco, embora estivessem inteiramente seguras a nosso respeito. Percebendo, concordamos em vias entre elas um de nossos jovens, que era valente e ágil, e para torná-las menos temerosa, entramos nos navios assim que desembarcou, misturou-se entre elas, que, circundando, tocavam e apalpavam, maravilhadas por eles: eis que do monte vê uma mulher portando uma grande estaca aproxima-se do jovem e, pelas costas deu-lhe tamanho golpe com a estaca que, imediatamente, ele caiu morto no chão. Num instante, outras mulheres o pegaram pelos pés e o arrastaram para o monte. Os homens que ali estavam descendo a praia com arcos e flechas puseram-se a disparar e infligiram tão terror em nossa gente – os bateis em que estavam resvalarão na areia ao navegar, não podendo fugir com rapidez, que ninguém então se lembrou de pegar em armas, de modo que muitas flechas eles dispararam até que desferimos quatro tiros de bombarda sem atingir ninguém. Ao ouvir o estrondo, todos em fuga correram de volta ao monte onde estavam as mulheres a esquartejar o jovem que haviam matado, enquanto nos olhávamos em vão, mas não era em vão que nos mostravam os pedaços que, assando no grande forno que tinha acesso e depois comia: também homens, fazendo sinais semelhantes, davam entender que haviam matado a assim comido outros dois cristãos nossos, e exatamente por isso acreditamos que falavam a verdade. Esse ultraje ofendeu-nos a fundo, pois vimos com nossos próprios olhos a profanação com que tratavam o morto. Por isso, mais de 40 de nossos homens tomamos a deliberação de descer todos em terra firme e impetuosamente atacá-los para tirar vingança de ação tão desumana, de ferocidade tão bestial.

Mas o capitão da frota não permitiu e, assim agindo nosso comandante, apesar de termos sofrido injuria tão grande e tão grave, contra nossa vontade e com grande desonra, partimos

dali, sem puni-los (...) (In BUENO, 2003, p.103-106).

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traição, que surgiu o nome do município paraibano que concentra o maior número de Potiguara: Baía da Traição. Nesse relato, verifica-se que esses indígenas eram praticantes de ritual antropofágico, algo comum entre os grupos Tupi.

Cada núcleo tupi vivia em guerra permanente contra as demais tribos alojadas em sua área de expansão e, até mesmo, contra seus vizinhos da mesma matriz cultural (Fernandes, 1952). No primeiro caso, os conflitos eram causados por disputas pelos sítios mais apropriados à lavoura, à caça e à pesca. No segundo, eram movidos por uma animosidade culturalmente condicionada: uma forma de interação intertribal que se efetuava através de expedições guerreiras, visando a captura de prisioneiros para a antropofagia ritual (RIBEIRO, 1995, p. 34).

Outro fato que fortaleceu a adoção do referido nome ao município citado foi porque os Potiguara se aliaram aos franceses e não aos portugueses nas lutas pela conquista das terras brasileiras na época da colonização. Assim, contaram-nos alguns professores potiguara.

Baumann (1981) in Franz Moonen (1992, p. 153) aponta que existiam pelo menos 50 aldeias só na terra de Acakutibiró, atual Baía da Traição, por volta do século XVI, e os Potiguara estavam distribuídos, no estado da Paraíba, em todo o vale do rio Mamanguape. Hoje, localizam-se na Mesorregião da Mata Paraibana, na Microrregião do Litoral Norte do estado da Paraíba, entre os municípios de Rio Tinto, Marcação e Baía da Traição.

Catalogamos, em 2011, 31 aldeias, que estão localizadas em três terras indígenas, a saber:

TI – Terra Indígena Potiguara Área: 21.238 hectares

Situação: Homologada em 1991

População estimada: 8.000 índios

Total de aldeias: 24

Aldeias em Marcação: Val, Brejinho, Grupíuna, Camurupim, Caeira, Carneiras, Tramataia, Jacaré de César e Estiva Velha.

Aldeias em Rio Tinto: Silva de Belém e Borel

Aldeias em Baía da Traição: Bento, Silva, Tracoeira, Laranjeira, Santa Rita, São Francisco, Forte, Galego, Cumaru, Lagoa do Mato, Akajutibiró e São Miguel.

TI – Terra Indígena Jacaré de São Domingos Área: 5.032 hectares

Situação: Homologada em 1993 e confirmada pelo STF – Supremo Tribunal Federal.

População estimada: 450 índios

Total de aldeias: 2

Aldeias em Marcação: Jacaré de são Domingos e Grupíuna de Cima.

Aldeias em Rio Tinto: Nenhuma

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TI – Terra Indígena Potiguara de Monte - Mór Área: 7.487 hectares

Situação: Declarada de posse indígena em 14 de dezembro de 2007 por portaria ministerial, encontra-se na fase de demarcação física.

População estimada: 3.002 índios

Total de aldeias: 5

Aldeias em Marcação: Três Rios, Lagoa Grande e Ybikûara.

Aldeias em Rio Tinto: Monte – Mór e Jaraguá.

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Mapa 4 – Aldeias Potiguara

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Cada aldeia possui um cacique, escolhido por seus moradores, com função que pode ser desempenhada tanto por homem e quanto mulher. A comunidade como um todo é quem escolhe qual das lideranças locais será o cacique geral. Esse processo ocorre por meio de votação democrática em assembleia. Dependendo da atuação da liderança indígena, ele poderá permanecer por longo tempo como cacique, se a atuação não agradar ao povo, novamente em assembleia, é destituído do cargo e é eleita outra liderança. Diferentemente dos caciques yanomami, os caciques potiguara vivem regime monogâmico igual aos outros membros da comunidade.

Atualmente, a economia potiguara está baseada em várias atividades: pesca; artesanato; confecção, principalmente de colares e pulseiras; extrativismo vegetal, coleta de frutas regionais de acordo com a época e agricultura de subsistência; plantação principalmente de milho, feijão, inhame e mandioca. Parte da produção da mandioca é beneficiada nas casas de farinha, produzindo-se a farinha e o beiju. Essas atividades econômicas tradicionais dividem espaço com a atividade de criação de galinha, bois e cavalos principalmente. Os Potiguara também arrendam parte de suas terras a usineiros para o plantio de cana-de-açúcar e mamão. Outras atividades que geram renda à comunidade nativa é o trabalho assalariado em usinas e em órgãos públicos, principalmente nas escolas indígenas. A economia também é movimentada pelos programas assistencialistas do Governo Federal e pelo recebimento de aposentadorias. Em entrevista (2011), o potiguara Cássio Marques explica que

a economia potiguara varia muito de aldeia para aldeia, conforme posicionamento geográfico. Nas aldeias mais próximas do mar, a economia predominante está relacionada com a pesca. Nas aldeias mais interioranas, predomina a agricultura de subsistência, como os roçados, enquanto nas aldeias mais próximas aos centros urbanos (Baía da Traição, Marcação e Rio Tinto), predominam as atividades assalariadas.

Como as aldeias potiguara são aldeias urbanas, os não-índios são bastante presentes entre os Potiguara. Alguns não-índios são moradores permanentes nas TI’s, apesar da demarcação das terras potiguara. Muitos deles permaneceram em suas residências dentro das TI’s.Muitos Potiguara também vivem fora das TI’s, na de Rio Tinto, Marcação e Baía da Traição onde se localizam suas aldeias. Um dado interessante é que dos 8.01218 habitantes de Baía da Traição, 20% são não-índio; dos

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7.609 habitantes de Marcação, 20% também são não-índios e, dos 22.976 habitantes do município de Rio Tinto, 90% são não-índio. Índios e não-índios, nesse contexto, relacionam-se nos vários setores da vida social: casam entre si, são colegas de trabalho, vizinhos etc.

A participação política dos Potiguara se faz notar no cenário nacional. Em 1992, elegeram para governar o município de Baía da Traição a primeira prefeita indígena do Brasil, Iracy Cassiano Soares (PMDB). Nas eleições de 1996, elegeram seu sucessor Marcos Antônio dos Santos (PMDB), o qual, na eleição de 2000, foi reeleito. Eleição esta que levou 09 representantes potiguara a ocuparem as Câmaras de Vereadores das cidades de Marcação e Baía da Traição. Na eleição de 2004, fizeram prefeito do município de Marcação o potiguara Paulo Sérgio Araújo (PMDB), reeleito em 2008. Neste ano eleitoral, o potiguara Adelson Deolindo da Silva foi eleito vice-prefeito de Baía da Traição e a então cacique da aldeia Monte Mór, Claudecir da Silva Braz, foi eleita vereadora em Rio Tinto. Na última eleição, novamente os Potiguara assumiram cargos políticos: 13 Potiguara no total, sendo três vice-prefeitos e oito vereadores indígenas.

Os Potiguara têm participação, desde 2002, na Comissão Estadual de Educação Indígena. Em 2005, a potiguara Iolanda dos Santos Mendonça foi nomeada como membro do Conselho Estadual de Educação (CEE). E criaram, em 2004, a Organização dos Professores Indígenas Potiguara (OPIP).

Um dos elementos caracterizadores da cultura potiguara é o Toré: uma manifestação cultural resgatada e fortalecida entre os Potiguara da Paraíba devido ao movimento de afirmação e de autorreconhecimento da identidade indígena19. Esta cerimônia religiosa é realizada em datas significativas para o povo Potiguara ou em momentos para celebrar luta e resistência, bem como para as aldeias se confraternizarem. É possível que visitantes ilustres sejam saudados com a realização do Toré.

o Toré é uma dança sagrada, pode ser dançada em momentos especiais pelos índios. O Toré significa a própria cultura indígena, ele é o símbolo de nossa luta e resistência ao longo dos 505 anos. O toque dos tambores e o som das gaitas significam que os guerreiros ainda lutam e resistem, pois a cultura é uma das coisas mais importante para nós Potiguara (PROFESSORES E ALUNOS POTIGUARA, 2005, p. 12).

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Para participar desta cerimônia, os indígenas vestem-se com saias de embira de jangada20 e imbiriba, pintam-se e ornamentam-se com colares e cocares. Vestes que dividem espaço com roupas de tecido para cobrir a nudez. Trajados dessa forma, o nativo pode entrar na roda e dançar o Toré.

Imagem 12: Toré

Fonte: arquivo particular, Hellen Picanço, 2010.

O Toré inicia com uma oração feita pela liderança indígena, estando todos ajoelhados nesse momento. Não há nenhum ritual específico que habilite o membro indígena a participar desse ritual, por isso, criança, jovens, adultos e idosos dançam, formando círculos, os quais são, segundo Marques (2009, p. 193), organizados da seguinte maneira:

No centro da roda, os índios tocam os instrumentos utilizados na dança, seguidos das crianças no anel do meio, dançando em círculos. No anel maior, os idosos, mulheres e homens seguem o ritmo dos cânticos e instrumentos da dança. As lideranças se posicionam no anel do centro, junto dos tocadores e transitam no anel externo, sempre denotando a sua posição de poder entre o grupo. O único instrumento que é utilizado tanto no círculo interno como nos outros círculos é o maracá, que dependendo da melodia da música, é girado ou movimentado de baixo para cima.

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Durante a realização do Toré, cantam músicas, cujas letras “refletem a experiência vivida na luta pela terra e valorizam o ser indígena, associando-o à natureza e atributos positivos” (PALITOT; SOUZA, 2005, p. 199). Vejamos a letra de uma música executada durante a realização do Toré dos Potiguara:

Apesar de tal prática religiosa, de acordo com Barcellos (2005), entre os Potiguara há seguidores do catolicismo e há os que praticam o protestantismo. Duas grandes festas religiosas que acontecem e reúnem indígenas e não-indígenas: a festa em homenagem a Nossa Senhora dos Prazeres, no aldeamento de Monte Mor, e a festa em homenagem a São Miguel, no aldeamento de Baía da Traição. Os Potiguaraadotaram as religiões do colonizador, mas há mais ou menos uma década,voltaram a praticar o Toré, fazendo práticas religiosas e seu ritual, bem comoconviverem nas comunidades potiguara.

A prática deste ritual entre os Potiguara, segundo Grünewald (2005, p. 29), é uma marca maior da identidade indígena, assumindo o Toré um papel importante na

Caboquinha da jurema eu dancei no seu toré para me livrar das flechas

do tapuia canindé rei canindé, rei canindé

palma de jurema

prá rei CANINDÉ, prá rei canindé (...)

Estava sentando na pedra fina Rei dos índios mandou me chamar

caboca índia, índia guerreira caboca índia do jurem com meu bodoque sacudo flecha com meu bodoque que vou atirar

(...)

Sou Tupã, Sou Tupã Sou Potiguara

Sou potiguara nessa terra de tupã tenho uma arara, caraúna e um

xexeu

todos os passaros do ceú quem me deu foi tupã, foi tupã

sou potiguara Os caboclos da aldeia

Quando vão pro mar pescar Dos cabelos faz o fio

Do fio faz landuá (...)

Minha tapuia poronga bebeu água no coité me livrei daquelas flechas,

do tapuia canindé (...)

Estava no meio da mata em meu cantinho, tirando mé

lá chegou meus caboquinho do tapuio canindé No pé do cruzeiro jurema eu brinco com meu maracá na

mão

pedindo a meu jesus cristo com fé em meu coração

(49)

mobilização étnica dos índios do Nordeste. Marques (2009, p. 176) segue essa mesma linha de pensamento e comenta que

Nesse ritual, da letra aos corpos, o movimento em seu todo representa um divisor de fronteiras étnicas, seja quando ele é utilizado como brincadeira/comemoração ou quando utilizado por reivindicação material (terra, recursos) e/ou simbólica (identidade etnicamente diferenciada). De caráter simbólico e político quando lutam pela terra, os indígenas têm no toré a representação da diferença e o instrumento de comprovação de uma identidade que não se reduz a uma única etnia, mas a um povo que reivindica um bem comum: a terra.

O Toré, portanto, passa a ser considerado o elemento que marca definitivamente a fronteira entre a cultura potiguara e não-índia, ao mesmo tempo que une os povos indígenas do Nordeste e os diferencia do outro, seja esse outro não-indígena e ou indígena de outra região. Por isso, esforços no sentido de conscientizar a comunidade a voltar a realizar o Toré e de incentivar as crianças a valorizarem esse ritual e também participarem dele foram lançados, masreinventando-o, como papel político importante no processo de emergência da comunidade indígena, ou seja, do ressurgimento do grupo indígena silenciado e no anonimato por anos.

(50)

1.3 Línguas yanomami e tupi: filiação genética e linguística

1.3.1 A Língua Yanomami

A língua Yanomami é falada por índios Yanomami, que habitam um grande território entre o Brasil e a Venezuela. Essa etnia indígena divide-se em grupos que falam quatro línguas, cujas diferenças lexicais e gramaticais são pequenas, segundo Rodrigues (2002, p. 92). Essas quatro línguas são assim denominadas: Ninam, Sanuma, Yanomám e Yanomami. “Elas não fazem parte de nenhum tronco lingüístico indígena da América do Sul” (SECOYA, 2011, p. 1). O local e quantitativo de falantes delas estão sistematizados na tabela a seguir:

Tabela 1: Família Linguística Yanomami

Família Yanomami Estado Falantes

Ninam (Yanám) RR 466

Sanuma RR 462

Yanomám (Yainomá) RR 6.000

Yanomám AM, RR 2.000

Fonte: Rodrigues (2002, p.92).

Os muitos grupos de índio yanomámi que têm seu território no extremo norte do Brasil, no Território Federal de Roraima e no Estado do Amazonas, falam línguas estreitamente aparentadas, que constituem uma família lingüística a que recentemente se tem dado o nome de família Yanomámi, mas que anteriormente era chamada de família Xiriána ou Xirianá, tendo sido usados também nomes de família Yanoáma ou Yanomáma e família Waiká(RODRIGUES, 2002, p.89).

Considerando os estudos de Migliazza (1972 apud LAUDATO 1998, p. 20), os falantes das línguas indígenas citadas estão, assim, localizados:

Ninam (Yanám): localizam-se na região norte-central entre a Venezuela e

Brasil;

Sanuma: localizam-se na Venezuela e, do lado brasileiro, nas cabeceiras do rio

Auaris;

Yanomám (Yainomá): localizam-se na área sul ocidental no Brasil e

Venezuela;

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Essas quatro línguas formam uma família linguística nomeada Yanomami, classificada como família isolada, uma vez que não tem semelhanças com os troncos linguísticos até o momento identificados.

Dessa família composta por quatro línguas, selecionamos para estudo a língua Yanomami falada por índios residentes no Parque Yanomami brasileiro ou Parque Nacional do Pico da Neblina, os Yanomami da região de Maturacá.

Segundo a ISMA21, entre os Yanomami da região de Maturacá, a língua portuguesa passou a ser introduzida por volta de 1952, quando, então, ocorreu o contato do padre Antônio Góes com índios moradores da região. Em 1954, foi instalada a missão salesiana no canal Maturacá, a qual tratou logo de fundar uma escola para alfabetizar os Yanomami. De monolíngues em Língua Yanomami, paulatinamente, esses Yanomami foram se tornando bilíngue em Yanomami e Português.

Segundo o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas - RCNEI (1988):

É bastante comum que num espaço de apenas três gerações uma comunidade, antes monolíngüe em língua indígena, se torne bilíngüe (português/língua indígena) e depois volte a ser monolíngüe novamente: só que desta vez, monolíngüe em língua portuguesa. (RCNEI, 1998, p.118).

Por isso, fazem-se necessárias pesquisas sociolinguísticas em comunidades indígenas para identificar, por exemplo, se atualmente ainda existem membros monolíngues em língua indígena, qual língua as crianças aprendem primeiro, se há indígena monolíngue português, em que contextos exigem o uso da escrita em língua indígena, dentre outras. Questões que investigamos durante nossa pesquisa entre os Yanomami, por considerarmos o atual estágio linguístico primordial para se pensar a Política Linguística implantada na comunidade em estudo para, por meio dela, assegurar a vitalidade da Língua Yanomami. Dependendo dos usos e deslocamentos linguísticos, a geração vindoura poderá não mais ter como primeira língua (L1) a língua indígena.

Imagem

Tabela 1: Família Linguística Yanomami
Tabela 2: Línguas faladas e escritas pelos professores yanomami
Tabela 3:Usos e Atitudes Linguísticas de acordo com os contextos sociais
Tabela 4: Preferências Linguísticas
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Referências

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