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3 BRINCANDO COM FOGO: O HUMOR NAS LEGENDAS

3.1 O MODELO DESCRITIVO DE ANÁLISE

Em 1980, Gideon Toury publica o livro In search of a theory of translation, seu primeiro projeto de desenvolver uma teoria menos prescritiva para a tradução. Baseando-se na teoria dos polissistemas de Itamar Even-Zohar, Toury propõe mudanças significativas, que marcaram os rumos dos Estudos da Tradução quando em 1995 ele publica o livro Descriptive Translation Studies and Beyond, resultado de 10 anos de trabalho em busca de uma teoria.

Apesar de ter sido pensado para a literatura, o modelo descritivo proposto por Toury já ganhou novas aplicações, como para o meio audiovisual, e modificou os caminhos dos Estudos da Tradução que, até então, concentravam-se no prescritivismo e voltavam suas atenções para o texto de partida, o “original”. Com o trabalho de Toury, esse foco muda: a importância do contexto receptor de toda e qualquer tradução é ressaltada, não apenas para sua realização, mas para a compreensão do processo tradutório. Contudo, isso não implica que o texto de partida das traduções não seja considerado, comentário visto em algumas críticas a esse modelo, como por exemplo em Milton (1998, p.188), que diz que: “talvez o ponto mais controvertido levantado por este grupo se refira ao fato de que a fonte deve ser totalmente desconsiderada. Conforme Gideon Toury, traduções são fato de um único sistema: o sistema-alvo”. Ser voltado para o sistema alvo não implica que o pesquisador deva evitar qualquer estudo da fonte ou comparação entre o original e a tradução, pelo contrário, isso também faz parte de um estudo descritivo, mas não é seu ponto de partida, muito menos seu elemento fundamental. Como o próprio Toury (1995, p.36) afirma: “the present approach is characterized as target-oriented because this is where its observation start.

By no means should it be taken to mean that this is where these observations would also be exhausted”27.

Sendo assim, os principais fundamentos do modelo descritivo de análise são:

1. A literatura é vista como um sistema dinâmico e complexo

2. A abordagem tem caráter descritivo (e não prescritivo) e é voltada para o texto alvo (o original deixa de ser o foco e o ponto de início da análise é a tradução) 3. São analisadas as traduções que são de fato tidas como traduções no pólo

receptor

4. A análise não visa julgar as traduções que têm êxito ou que falham, e sim suas regularidades que governam a produção e a recepção das traduções e que poderão ou não ser usadas como referência em futuras traduções.

Muitas críticas são feitas à teoria descritiva, mas ainda assim é inegável que as mudanças nos Estudos de Tradução que dela decorreram trouxeram inúmeros benefícios e uma nova forma de entender a atividade tradutória. Apesar da crítica que se faz à Toury pelo fato de não reconhecer que os julgamentos não podem ser evitados em nenhuma teoria, já que qualquer interpretação acadêmica está carregada com os valores de sua situação cultural (cf. VENUTI, 2002, p.58), Venuti reconhece sua importância:

Não há dúvida quanto à importância histórica do trabalho de Toury. Juntamente com Itamar Even-Zohar, André Lefevere e José Lambert – outros teóricos que compartilham suas idéias -, Toury ajudou a estabelecer os estudos da tradução como uma disciplina distinta ao definir o objeto de estudo, o texto-alvo circulando num “polissistema” de normas e fontes culturais. (VENUTI, 2002, p.57).

Depois de Toury, os trabalhos subseqüentes foram em grande parte aperfeiçoamentos de sua teoria. Apesar das críticas, o modelo descritivo se aplica muito bem ao meio audiovisual e foi determinante para a realização deste estudo. Com este modelo, pudemos descrever as opções tradutórias de Sex and the City na TV e no DVD, comparando suas regularidades, o que nos permitiu tirar algumas conclusões sobre as políticas tradutórias nos dois meios, dentro do contexto definido pela pesquisa.

27

Esta abordagem se caracteriza como sendo voltada para o pólo receptor porque é aqui que sua observação começa. Mas isso não significa de nenhuma forma que é nesse pólo que essas observações também serão esgotadas. (tradução minha)

Além dele, nos respaldamos também na teoria do Skopos (que em grego significa finalidade, objetivo), proposta por Reiss e Vermeer (1996). Por ser uma teoria funcional se aplica muito bem ao estudo da tradução de humor, já que a função de um texto humorístico deve ser o principal objetivo de um tradutor ao se deparar com tal gênero, como afirma Reiss e Vermeer (1996, p.80):

Las decisiones de uma traslación dependen de um principio dominante a partir del cual se decide si y qué se transfiere, así como la estrategia (el cómo) de esta traslación. El principio dominante de toda traslación es su finalidade.28

Desse modo, da mesma maneira que a função de um texto publicitário deve ser considerada no momento da tradução de uma propaganda para outra língua e cultura, ou que um livro a ser traduzido numa adaptação para o público infantil terá uma outra função que também deve ser considerada na tradução, a função de um texto humorístico (o que esse tipo de texto provoca, o riso) deve ser o ponto de partida para as decisões tradutórias para que esse tipo de texto permaneça sendo considerado como tal.

Portanto, faremos uma análise descritivo-comparativa das duas traduções do seriado Sex and the City, tendo como ponto de partida a função humorística embutida em cada uma das opções tradutórias.

28As decisões de uma tradução dependem de um princípio dominante a partir do qual se decide

se e o quê se transfere, bem como a estratégia (o como) desta tradução. O princípio dominante de toda tradução é sua finalidade. (tradução: Eliana Franco)

3.2 A TRADUÇÃO DOS TÍTULOS: O QUE SE ESCONDE ATRÁS DAS