• Nenhum resultado encontrado

O modelo dinâmico da tarefa (doravante MDT), baseado nas estruturas co- ordenadas vistas na seção 1.2.3, define os gestos discretos, abstratos, os quais geram trajetórias articulatórias no espaço e no tempo sem qualquer interpre-

tação adicional ou regras ad hoc.

Um aspecto importante do MDT é que o movimento das variáveis do trato vocal (doravante VT) é caracterizado abstratamente, não o movimento dos articuladores propriamente ditos (Browman & Goldstein, 1992, p.156). Uma VT é definida por Browman & Goldstein como uma dimensão de uma cons- trição no aparelho fonador, em que os articuladores necessários à formação e soltura desta constrição são organizados em uma estrutura coordenada (cf. Turvey, 1977; Fowler et al., 1980). Por exemplo, a VT local de constrição da ponta da língua é causada pela ação de dois articuladores: corpo de língua e mandíbula. Na figura 1.2 temos as VT e seus respectivos articuladores. O gesto na FAR é especificado através de um conjunto de VT. Por exemplo, local e grau de constrição da ponta da língua são duas dimensões da mesma constrição - ponta de língua. Dessa forma, temos cinco conjuntos de VT, a saber, lábios, ponta de língua, corpo de língua, véu palatino e glote.

O MDT têm a função de especificar o modo pelo qual um sistema di- nâmico subjacente invariável gera uma variabilidade contextualmente con- dicionada na superfície e regida por regras na observação da movimentação de membros e articuladores na fala. Nessa modelação, dois níveis funcionais distintos mas interativos são necessários: (i) o nível de constrição, o qual é descrito tanto pelas coordenadas dos articuladores do modelo (ex. ponta e dorso de língua), bem como pelas coordenadas das variáveis do aparelho

Figura 1.2: Variáveis de trato e seus articuladores (Browman & Goldstein, 1992, p. 157).

fonador (ex.: abertura labial); (ii) o nível de ativação, o qual é definido de acordo com um conjunto de coordenadas de ativação gestual. Este nível governa a evolução temporal das trajetórias de ativação dos gestos, especifi- cados através de pautas gestuais, nos enunciados, bem como os padrões de relações de fase entre os gestos que participam do enunciado.

No nível de constrição, de acordo com Byrd & Saltzman (2003:153), os gestos são caracterizados qualitativamente como detentores de uma dinâ- mica de “atratores pontuais”. Os modelos de “atratores pontuais”, segundo tais pesquisadores, possuem propriedades importantes, as quais parecem ser características do comportamento na fala, a saber: (i) eles atingem seu alvo (ou “posição de equilíbrio”), mesmo quando são inesperadamente perturba- dos e independentemente de sua posição inicial; (ii) os atratores (ou tarefas fonológicas) em atrito uns com os outros se auto-organizam para realização de suas respectivas tarefas.

O atrator pontual utilizado no MDT foi o sistema massa-mola amorte- cido, o qual simula a formação e soltura de constrições no aparelho fonador. Na figura 1.3 temos a equação do movimento que descreve a dinâmica dos sistemas massa-mola amortecidos. Tais parâmetros serão necessários quando descrevermos os experimentos articulatórios desta tese. Nessa fórmula: xo, representa a posição da VT na posição de equilíbrio ou descanso da mola; m, representa a massa, que é tida, nesse momento inicial com valor 1 para

todos os gestos; k, representa a rigidez da mola, a qual representa a elas- ticidade do sistema e é proporcional à “velocidade” gestual intrínseca. Seu valor é inverso à duração do gesto, ou seja, uma rigidez baixa indica gestos com grande duração (ex.: vogais), enquanto uma rigidez alta indica gestos com pequena duração (ex.: consoantes); b, representa o amortecimento do sistema e é considerado “crítico”, ou seja, o gesto alcança seu alvo de maneira assintótica.

Figura 1.3: Equação de movimento de um sistema massa-mola amortecido (adaptado de Byrd & Saltzman, 2003, p. 154). Vide texto para maiores detalhes.

Os atratores pontuais têm sido usados para descrever sistemas físicos (Shadmehr, 1995; Mussa-Ivaldi, 1995; Flash & Sejnowski, 2001) e também, de acordo com Plaut (1995), nos sistemas cognitivos e comportamentais. Assim, Byrd & Saltzman (2003:154) afirmam que “the mass-spring model is used not as a model of physical system but of the cognitive control of abstract linguistic units”. Dessa forma, os atratores de ponto gestuais são capazes

de iluminar o caminho na transição da dinâmica subjacente invariante às variações contextuais no desempenho lingüístico. Por exemplo, estipulando o valor xo = 0 para o atrator pontual labial, na produção de um [b], resultará na movimentação até que o alvo de abertura labial atinja o valor 0, ou até que eles se reorganizem na competição com outros gestos concomitantes, como na produção de [ba, bi, bu], os quais resultam em alvos distintos para [b], devido à sobreposição dos gestos consonantais com os vocálicos. Por sua vez, a sobreposição temporal dos gestos são determinadas pelas relações de fase nas trajetórias de ativação dos gestos, modeladas pelo nível de ativação.

As trajetórias de ativação no MDT são pré-planejadas segundo regras fo- nológicas e acopladas unidirecionalmente no nível de constrição. De acordo com Byrd & Saltzman (2003:155), “the dynamical system for activation can be conceptualized in terms of a “clock” whose time flow is mapped into a pat- tern of sequentially ordered and temporally overlapping gestural activations and which is sensitive to the ongoing state of the constriction-level varia- bles”. Em outras palavras, a taxa do relógio interno (clock rate) é continua- mente modificada/atualizada pela evolução dos gestos ao longo do enunciado (Saltzman, Löfqvist, Kay, Kinsella-Shaw & Rubin, 1998). Em outros traba- lhos também verificou-se que a taxa do relógio articulatório é modificada de acordo com as estruturas silábicas e segmentais do enunciado (Bailly, La- boissière & Schwartz, 1991; Barbosa & Bailly, 1994; Port & Cummins, 1992;

dentre outros). Em Byrd & Saltzman (2003), a hipótese adotada é a de que a taxa do relógio interno é modulada pela estrutura frasal do enunciado devido à ação de gestos prosódicos (gestos-π) (vide seção 1.4.2) .

Documentos relacionados