• Nenhum resultado encontrado

1.4 Modelos dinâmicos prosódicos

1.4.2 O gesto prosódico

Byrd & Saltzman (2003), baseados em estudos articulatórios anteriores (Byrd & Saltzman, 1998; Byrd, Kaun, Narayanan & Saltzman, 2000; Byrd, 2000; Saltzman & Byrd, 2000), apresentam à comunidade científica o gesto pro- sódico. O mesmo é elaborado a partir dos princípios empírico-teóricos da FAR, porém se propõe a analisar a relação da estrutura prosódica frasal com o controle e coordenação da articulação à luz da TSD. A idéia principal do trabalho era investigar mudanças das estruturas articulatórias em função de diferentes fronteiras frasais. Propõe-se, para explicar tais mudanças, o gesto prosódico, o qual atua localmente em tais fronteiras, modificando a organi- zação temporal dos gestos articulatórios.

A justificativa dada pelos pesquisadores do porquê de se usar a TSD como programa de pesquisa é o fato de a mesma possibilitar uma ponte nítida entre as unidades subjacentes de controle da fala e a variabilidade na superfície das mesmas. Além disso, abrem-se portas para a integração de outros aspectos da linguagem (sociais, psicológicos, biológicos e culturais) em um mesmo

programa de pesquisa.

A elaboração do gesto prosódico se baseia na FAR, como uma teoria for- mal de unidades fonológicas e suas respectivas organizações, e no MDT, como um modelo quantitativo que implementa gestos articulatórios nos sistemas de produção de fala. Recordaremos a seguir, sucintamente, as principais características da FAR.

Na FAR, as unidades fonológicas são os gestos articulatórios, os quais possuem a dupla função de servirem como unidades de informação, ou seja, atuam no contraste lingüístico, e de serem unidades de ação na produção da fala. Sendo assim, não há mediação entre a representação fonológica e sua implementação pelo sistema de produção da fala. As características principais dos mesmos são: (i) os gestos são abstratos, pois são definidos em termos de tarefas lingüísticas, como “realize uma constrição labial”, e não, “movimente os lábios superiores, os lábios inferiores, e a mandíbula em tantos milímetros em uma determinada direção”; (ii) os gestos possuem propriedades espaço-temporais inerentes; (iii) os gestos são coordenados uns aos outros em relações de fase bem definidas.

Antes de apresentarmos detalhes do gesto prosódico, resumiremos as no- ções de modelos de tempo intrínseco e extrínseco, para obstruir possíveis interpretações errôneas em relação ao relógio empregado no gesto prosódico. Nos modelos de tempo extrínseco, as propriedades temporais e o tempo não

são parte da representação simbólica das unidades lingüísticas. Por outro lado, nos modelos de tempo intrínseco, a temporalidade é incorporada na definição dessas unidades. Sendo assim, como a FAR trabalha à luz da TSD, ela se encaixa, necessariamente, nesse tipo de modelo. Da mesma forma, apesar de se utilizar um relógio para controlar o fluxo de ativação gestual, o mesmo é considerado como integrante de modelos de tempo intrínseco, pois as dinâmicas do nível de constrição e do nível de ativação são bidirecional- mente acopladas e, formam, pois, um coletivo dinâmico de alta ordem (Byrd & Saltzman, 2003, p. 156).

Definição do gesto prosódico

O gesto prosódico surgiu a partir do fato de haver alongamento gestual na vizinhança de fronteiras frasais. Dentre as características dos gestos em fron- teiras frasais, apontamos: (i) aumento local de duração (Beckman, Edwards & Fletcher, 1992; Byrd & Saltzman, 1998; Byrd, 2000); (ii) diminuição da velocidade de pico (Cho, 2001); (iii) contato linguo-palatal estendido (Fou- geron, 2001; Cho & Keating, 2001); (iv) diminuição no parâmetro rigidez (Beckman et al., 1992; Byrd & Saltzman, 1998; Byrd, 2000). Entretanto, em um outro estudo foi apontado que a modulação da rigidez sozinha é insufici- ente para explicar modificações gestuais nas fronteiras prosódicas (Saltzman & Byrd, 2000; Cho, 2001). No trabalho descrito a seguir, o controle do alon-

gamento local, em vez de se basear apenas na manipulação do parâmetro rigidez, foi feito pela modulação da composição temporal do enunciado ao redor de fronteiras frasais.

O termo gesto prosódico foi inaugurado em Byrd, Kaun, Narayanan & Saltzman (2000) e Byrd (2000), onde se propôs que os gestos prosódicos atuam em fronteiras frasais, agindo transgestualmente, para lentificar todos os gestos de constrição ativos, de acordo com o nível de ativação do gesto prosódico (vide figura 1.11). Tal proposta foi feita como uma tentativa de se fazer uma implementação dinâmica da estrutura frasal, seguindo os parâme- tros da FAR. Dentre as suas características principais, apontadas por Byrd & Saltzman (2003), estão: (i) os gestos prosódicos, tais como os gestos da FAR, possuem uma extensão temporal e se sobrepõem aos gestos de cons- trição; (ii) as pautas gestuais do gesto prosódico representam a atividade de um conjunto de atratores pontuais gestuais abstratos, a fim de se manter o modelo o mais abstrato possível; (iii) os gestos prosódicos não possuem uma realização articulatória independente. Sendo assim, eles só são realizados indiretamente pelo seu efeito na dinâmica articulatória.

O trabalho de Byrd & Saltzman (2003) difere dos trabalhos anteriores sobre o gesto prosódico. Nos trabalhos anteriores, o gesto prosódico era considerado como perturbador do parâmetro rigidez, lentificando, assim os gestos na vizinhança da fronteira frasal. Byrd & Saltzman (2003), por outro

Figura 1.11: Gesto prosódico agindo sobre dois gestos adjacentes, como nas consoantes em negrito de “I can’t make it. Pay it yourself” (adaptado de Byrd & Saltzman, 2003, p. 160).

lado, verificam a incompletude de tal modificação de parâmetro para explicar os fenômenos estudados e propõem que o gesto prosódico lentifica localmente o relógio que controla o fluxo temporal de um enunciado.

Segundo Byrd & Saltzman (2003), a aplicação dos gestos prosódicos em um modelo dinâmico de produção da fala é capaz de fazer várias previsões lingüísticas, dentre elas: a) os gestos serão lentificados se ocorrerem durante o período de ativação do gesto prosódico (Beckman et al., 1992; Byrd & Saltz- man, 1998; Byrd, 2000; Fougeron, 2001); b) o grau de lentificação será maior no grau de ativação máximo do gesto prosódico (Byrd & Saltzman, 1998; Byrd, 2000); c) os efeitos do gesto prosódico se limitarão aos gestos perto da fronteira frasal e não ocorrerão em gestos longe desta (Cambier-Langeveld, 1997; Edwards et al., 1991); d) a fonte dinâmica de duração intragestual e os

efeitos de organização temporal intergestuais serão, em princípio, os mesmos à direita e à esquerda dos gestos na vizinhança de uma fronteira frasal (Byrd & Saltzman, 1998; Byrd et al., 2000; Cho, 2001); e) diferentes tipos de fron- teira, como sintagma entonacional, intermediário, diferirão apenas em grau, não no tipo de efeito de alongamento (Byrd & Saltzman, 1998; Cho, 2001).

As simulações10feitas por Byrd & Saltzman (2003) mostraram que a mo-

dulação da taxa do relógio foi realmente mais eficaz do que a modulação da rigidez, a qual afeta apenas as durações gestuais, para explicar o compor- tamento articulatório em fronteiras frasais. Além do aumento de duração do gesto, tal modulação explica a redução de sobreposição intergestual e o aumento na magnitude espacial, ambos presentes nas fronteiras prosódicas.

Os autores, pois, propõem que tal relógio é capaz de explicar diferen- ças de TE associadas a fatores sociolingüísticos, dialetais e individuais. Por fim, Byrd & Saltzman (2003) concluem que seus resultados, apesar de es- tarem ainda em um estágio primitivo de análise, são promissores para uma confluência da prosódia com a dinâmica da fala.

Pelo relatado acima, notamos que diversos autores mostraram ser possível estudar a linguagem com base na TSD, a qual consegue abarcar num mesmo sistema aspectos tradicionalmente considerados segmentais quanto prosódi-

10Para detalhes do modelamento do gesto prosódico, consultem Byrd & Saltzman

cos da linguagem. No entanto, nenhum desses pesquisadores relacionou de forma clara e concisa os aspectos segmentais com os aspectos prosódicos. O modelo dinâmico do ritmo da fala, em contínuo desenvolvimento pelo Grupo de Estudos em Prosódia da Fala da UNICAMP, apresenta, por outro lado, de maneira bastante precisa, a interação prosódia-segmentos. Além disso, o modelo relaciona todos os componentes lingüísticos hardcore da gramática: fonética-fonologia, léxico, semântica e sintaxe. Tal modelo ainda abre possi- bilidades para inclusão de aspectos culturais, sociológicos, etnológicos, dentre outros, em uma etapa futura de seu desenvolvimento. Descreveremos a se- guir tal modelo, o qual será usado como base empírico-teórica das análises lingüísticas de nossa tese.

Documentos relacionados