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3 NAS TRAMAS DE ME SEGURA QUE EU VOU DAR UM VOTO

3.3 MODELO EDITORIAL ADOTADO

Diante do exposto na seção acima, isto é, da pluralidade textual fruto das articulações de Bemvindo Sequeira na cena teatral baiana e carioca, não se pode pensar na construção de uma edição para MSQVDV que se ampare na fixação de um texto único, original e acabado, pois a história do processo de transmissão e circulação prova que as diferenças de cada script não decorrem de erros ou deturpações provacados pelo tempo, e sim de fatores de ordem cultural, social, econômica, do público a que a peça se dirigiu e, principalmente, do contexto político no qual o texto vai ser encenado. Me segura que vou dar um voto são mais de dois.

Por isso, o trabalho editorial desenvolvido para o texto de Bemvindo Sequeira requer uma reflexão sobre o tipo de “edição” que, segundo Luiz Fagundes Duarte ([1997-], verbete), é o “[...] conjunto de operações filológicas necessária para escolher, fixar e anotar um texto, inédito ou édito, preparando-o para publicação num determinado circuito de leitura – isto é, para o oferecer a um tipo caracterizado de leitor”. Dialogando com esse conceito, Lourenço (2009, p. 238) afirma que “cada nova edição redefine o público de um texto e a sua forma de interagir com esse publico”. Sendo assim, após análise da tradição textual de MSQVDV, é preciso definir qual o modelo editorial a ser adotado, levando sempre em consideração qual tipo de edição se adequaria à proposta do trabalho e, ao mesmo tempo, às materialidades do texto estudado. Sobre isso, Lourenço (2009) afirma com bastante propriedade:

Para a teoria social da edição, apesar de ser possível o estudo individual de cada versão enquanto exemplo de um processo criativo, cada uma delas contém uma multiplicidade de intencionalidades, todas em pé de igualdade e em constante mutação, sem que nenhuma se constitua como centro em redor do qual as outras gravitam. A historicidade do caráter processual da criação da obra literária inscreve-se na s múltiplas versões materiais de si própria, pelas quais o texto fluído prolifera e se dissemina indefinidamente (LOURENÇO, 2009, p. 225).

A tradição textual de MSQVDV, como já visto, conta com dois scripts distribuídos em cinco testemunhos. O SCRIPT-MSQVDV.01, considerado o texto de partida, e o SCRIPT-MSQVDV.02, uma adaptação realizada por Bemvindo Sequeira para a encenação em outra localidade e em circunstâncias diferenciadas.

Mesmo sendo possível uma edição que contemplasse o estudo de todas as versões da tradição textual de MSQVDV, incluindo os dois scripts ou os cinco testemunhos, optou-se pela elaboração de uma edição interpretativa em suporte de papel e em meio digital, considerando essa “multiplicidade de intencionalidades” contidas em cada texto, apesar da edição interpretativa convencionalmente ser indicada para edições de texto que apresentem testemunho único, é possível sua utilização no estudo de MSQVDV, desde que a versão trabalhada seja tomada isoladamente no contexto de sua tradição, conforme definição apresentada por Duarte para edição interpretativa:

[1] edição crítica de um texto de testemunho único; nesta situação, o editor transcreve o texto, corrige os erros por conjectura (emendatio

ope ingenii) e registra em aparato todas as suas intervenções. [2]

Edição de um texto de testemunho único ou de um determinado testemunho isolado de uma tradição, destinada a um público de

não-especialistas: para além da transcrição e da correção de erros, o edito actualiza a ortografia e elabora notas explicativas de carácter geral (DUARTE, [1997-], verbete, grifo nosso).

Para o exercício da prática editorial, através da edição interpretativa, optou-se pela escolha das duas versões de MSQVDV : o SCRIPT-MSQVDV.01, se apresenta em três testemunhos provenientes de uma mesma matriz textual, tendo sido reproduzido para submissão à Censura conforme a legislação vigente no período em que foi produzida para encenação, trata-se do texto produzido para encenação na Bahia; e o SCRIPT-MSQVDV.02, se apresenta em dois testemunhos provenientes de uma mesma matriz textual, tendo sido reproduzido para submissão à Censura conforme a legislação vigente no período em que foi produzida para encenação, trata-se do texto produzido para encenação no Rio de Janeiro. Na edição interpretativa em suporte de papel, será apresentado o texto crítico, conforme os critérios estabelecidos, acompanhado do aparato de modificações e do aparato de notas do editor.

Também será apresentada uma edição interpretativa em meio digital, inserindo-a no âmbito de um arquivo hipertextual. A edição em meio digital permite a quebra da linearidade que é condicionada pelo suporte de papel, assim, “[o editor] pode desenvolver sua argumentação [ou mediação] segundo uma lógica que não é mais necessariamente linear e dedutiva, mas sim aberta e relacional” (CHARTIER, 2002, p. 108). Além disso, amplia-se o espaço para a mediação do editor, o que permite uma melhor utilização das notas explicativas, que, segundo Mota (2012, p.113), “[...] trazem elementos relevantes para compreensão do texto, bem como do seu entorno histórico,

social e cultural, através de informações buscadas em outros espaços, constituindo um aparato literário e cultural para o texto”.

Ainda sobre as notas explicativas proporcionadas pela edição interpretativa, traz Almeida (2012, p. 137) a seguinte reflexão:

[...] as notas explicativas trazem elementos relevantes para a compreensão do texto, bem como do seu entorno histórico, social e cultural. Não se trata, no entanto, de uma edição comentada, pois adquire o caráter crítico, a partir do momento em que o editor busca referências literárias e culturais, confrontando-as com o texto e construindo elo entre eles. Ademais, o comportamento do editor é mediado por critérios estabelecidos para a preparação do texto, que dizem respeito à apresentação, realização de correções e atualização de grafia. Supera-se, assim, a reprodução documental ao disponibilizar uma edição preparada com base em decisões críticas.

Além da ampliação das possibilidades das notas explicativas, o meio digital proporciona para o editor, possibilidades de inter-relação entre texto e recursos multimídias como imagens e vídeos, além de outros materiais que enriqueçam a história da produção e circulação do texto. Através dos hiperlinks, o editor pode disponibilizar para o leitor toda uma gama de informações, sem a necessidade de utilização das margens do texto.

Para compor o arquivo hipertextual de MSQVDV, além da edição interpretativa em meio digital, haverá a edição fac-similar de todos os testemunhos de MSQVDV, as transcrições das duas versões do texto, além de toda documentação censória, recortes de jornal, dentre outros arquivos que compõe o processo de produção e circulação de MSQVDV.

3.3.1 Critérios gerais para a edição interpretativa

1) Geral

– Como os testemunhos estão incompletos, completa-se o texto, incluindo as folhas “faltantes”.

2) Ortografia

− Acentuar, conforme as regras vigentes, exceto quando se tratar de registro da língua em sua modalidade oral;

− Usar letras maiúsculas para nomes de pessoas, lugares e após a pontuação, conforme a gramática normativa da língua portuguesa;

− Corrigir os erros de grafia de palavras em língua estrangeira, a partir da ortografia referente à língua.

3) Erros

− Corrigir o que for comprovadamente erro, deslize ou contrassenso;

− Conservar as marcas da oralidade existentes no texto, exceto nos casos de oscilação da grafia de alguma palavra, quando se adotará a lição que predomina;

− Corrigir erros de datilografia;

− No caso de lacuna, em que haja omissão de letras, estas serão preenchidas.

4) Pontuação

− Manter a pontuação original, exceto nos casos de erro, para os quais se fará a correção, ou quando, por esquecimento, o sinal de pontuação não se registrar;

− Inserir espaço entre sinal de pontuação e palavra subsequente.

4) Opções tipográficas

− Apresentar o título da peça em negrito, caixa alta e centralizado;

− Indicar as falas com o uso de travessão e os temas diferentes separados por espaçamento de uma linha;

− Quando “boa noite” estiver substantivado será grafado com letra maiúscula;

− Numerar as linhas de cinco em cinco, de forma contínua, a partir do título;

− Indicar o número da folha do testemunho entre colchetes, no ângulo superior direito do texto;

− Substituir as aspas por travessão em contexto de discursos diretos livres;

− Trazer as informações da rubrica entre parênteses e em itálico;

− Respeitar o uso da sublinha e da caixa alta para os casos de destaque a determinadas palavras e trechos, inclusive nas rubricas;

− Juntar as sílabas das palavras separadas por limite de espaço na linha que ocupa;

− No caso de quebra de linha, separadas por limite de espaço da página, estas serão unidas na página em que inicia;

3.3.2 Texto crítico de MSQVDV.01

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