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Segundo Kurz e Bartram (2002), para desenvolver um modelo de desempenho no trabalho é necessário esclarecer as diferenças entre comportamentos, desempenho e resultados, bem como considerar as formas como as variáveis pessoais e organizacionais interagem e se influenciam mutuamente. Isto porque, na realidade, a eficácia individual é tão complexa como constructo, quanto a eficácia organizacional. Assim, os indivíduos exibem diferentes modos de comportamento com diferentes juízes e estes últimos avaliam a eficácia individual sobre sequências longas de comportamentos, utilizando múltiplos critérios.

O Modelo do Mundo do Trabalho (World of Work - WoW) (Kurz, 1999, citado por Kurz & Bartram, 2002) tem sido desenvolvido nas duas últimas décadas, numa tentativa de reunir e integrar teorias académicas e a aplicação dos fluxos de avaliação profissionais. Este modelo visa delinear uma estrutura global unificadora, derivada a partir de uma colecção estruturada de taxonomias e conceitos, para descrever o comportamento, as competências e o desempenho no trabalho, e que possa ser aplicada à Gestão dos Recursos Humanos (GRH) com base nas competências. Assim, a estrutura do Mundo do Trabalho (WoW), constitui um esforço para fornecer um quadro no qual a noção ampla de eficácia individual pode ser descrita e analisada.

Segundo Kurz e Bartram (2002), o ponto de partida para a construção do modelo

WoW foi a meta-análise de 20 estudos de validação realizada por Robertson e Kinder

(1993), que demonstraram que as escalas de personalidade e de aptidões têm consideráveis correlações ponto-a-ponto com dimensões relevantes de desempenho em Gestão. Por seu lado, a concepção do Mundo do Trabalho de Boyatzis (1982), para além do contributo em termos de componentes e relações entre os mesmos, forneceu a base para a representação gráfica do modelo WoW. No modelo deste último autor, as características pessoais, separadas em traços e motivações, são apresentadas num círculo no centro de um mapa radial, seguido por um círculo com os papéis sociais e auto-imagem e um círculo de habilidades subjacentes ao comportamento. Segue-se um círculo de exigências funcionais e situacionais e, finalmente, o ambiente é representado por um círculo exterior, que contempla o ambiente cultural e organizacional. Ainda, segundo Boyatzis (1982), cada um dos componentes relacionados com o desempenho tem algum impacto sobre os restantes.

De acordo com Kurz e Bartram (2002), o modelo WoW capta, na generalidade, as mesmas características das pessoas e dos ambientes do modelo de Boyatzis (1982), mas apresenta uma estrutura mais pormenorizada, bem como um mapeamento topográfico, que coloca os elementos relacionados próximos uns dos outros. No modelo

WoW o mapa radial é composto por cinco domínios, cada um com quatro segmentos

(ver a figura 5). Os dois domínios interiores relativos às variáveis pessoais, Disposições e Realização, representam características das pessoas. Os dois domínios mais exteriores, relativos às variáveis do ambiente, Organização e Relações Sociais, representam as características da organização. Finalmente, o quinto domínio, Vida no Trabalho, está localizado no interface entre as pessoas e as características da organização. Seguidamente, descrever-se-á sumariamente esta estrutura nos termos dos cinco domínios apresentados na figura 5, bem como as relações entre os mesmos, com vista a uma compreensão do modelo.

Figura 5. Modelo do Mundo do Trabalho (WoW), retirado de Kurz e Bartram (2002, p. 241)

Capítulo 1 – O Mundo do Trabalho

1.3.1. O Domínio das Disposições

No modelo WoW as disposições abrangem as aptidões e a personalidade, sendo conceptualizadas como características pessoais subjacentes, que são moldadas lentamente através das experiências de desenvolvimento e levam os indivíduos a actuarem de forma típica:

- Aptidões - cobrem o raciocínio e habilidades de aprendizagem;

- Interesses - abrangem os padrões de preferência relacionados com as escolhas vocacionais. O modelo WoW baseia-se na teoria de Holland (1985), que incorpora um modelo compreensivo abrangente de ajustamento pessoa-ambiente, e gira em torno de seis tipos de personalidade vocacional (Realista, Investigativo, Artístico, Social,

Empreendedor, e Convencional). Esta teoria e correspondente taxonomia, resultado de

profunda investigação e com ampla aplicação no campo prático, constitui uma importante base para diferenciar trabalhos e capacidades específicas relativas à função no que diz respeito às competências no mundo do trabalho, bem como proporciona a possibilidade de prever e planear mudanças de percurso profissional;

- Motivos - cobrem necessidades e valores subjacentes, ou seja, aspectos disposicionais que energizam e mantêm o comportamento no trabalho. Na sua forma actual, o modelo WoW incorpora quatro grupos de motivos (Energia e Dinamismo,

Sinergia, Intrínsecos, Extrínsecos), derivados da análise factorial das 18 dimensões do

Questionário de Motivação SHL (1992, citado por Kurz & Bartram, 2002);

- Estilo - abrange as consistências típicas inter-situacionais de comportamento ou personalidade, segundo o domínio do Modelo dos Cinco Factores (Big Five - por exemplo, Costa & McCrae, 2000; Goldberg, 1990, 1992).

1.3.2. O Domínio da Realização

No modelo WoW as realizações representam aquilo que as pessoas conseguem alcançar e reflectem a biografia ou história de vida de trabalho. Ao avaliar pessoas é importante distinguir entre o que se espera que tragam com elas em termos de experiência profissional (as suas realizações) e o que se espera que sejam capazes de aprender e desenvolver, uma vez escolhidas (o seu potencial). Assim, a realização cobre as áreas das qualificações, experiência, conhecimento e habilidades (skills). Estas são as

principais áreas de interesse para os empregadores, especialmente, quando avaliam a adequação de candidatos experientes a empregos, ou quando analisam as necessidades de formação:

- Experiência - constitui por direito próprio um importante domínio, que aborda a história de experiências de trabalho relevantes acumuladas por um indivíduo e que podem ser determinantes para o seu desempenho futuro numa determinada organização;

- Qualificações - incluem certificados de habilitações literárias e trabalhos relevantes, por exemplo, licenças profissionais e formação específica da organização. As qualificações relacionadas com o trabalho, em oposição às académicas, certificam que a competência foi alcançada num determinado momento. As qualificações têm uma grande importância prática, pois muitas vezes são requisitos para os indivíduos terem sucesso em certas profissões;

- Conhecimento e habilidades (skills) - o conhecimento refere-se à informação que o indivíduo tem em áreas específicas e as habilidades são a capacidade de executar tarefas físicas ou mentais. Ambos são relevantes para a conceptualização da perícia profissional e englobam: Saber o quê - conhecer dados, factos, informações, coisas e processos; Saber porquê - conhecer teorias, princípios, modelos, entender a lógica, as razões. Isto é particularmente importante na resolução de problemas e na prática profissional, onde a escolha de métodos e interpretação de informações pode ser derivada da perspectiva teórica adoptada; Saber como - aplicar métodos, técnicas e procedimentos; Saber quando - reconhecer os problemas, o tempo de intervenção, coordenar informações contraditórias e fazer julgamentos oportunos. O saber o quê e

porquê reflectem-se no segmento do domínio da obtenção de conhecimento. O saber como reflecte-se no segmento dos skills e o saber quando no segmento de experiência.

O segmento das qualificações contém declarações de competência, o que representa o reconhecimento formal das realizações que geralmente incorporam misturas de todos os quatro tipos de saber. As qualificações académicas tendem a focar-se mais no quê e

porquê, enquanto as qualificações práticas mais no como e quando.

1.3.3. O Domínio Organizacional

Este domínio abrange as variáveis organizacionais que podem ter impacto sobre o desempenho das pessoas no trabalho. Em termos de medida é o domínio relacionado com a análise do trabalho e elaboração de perfis profissionais, envolvendo:

Capítulo 1 – O Mundo do Trabalho

- Cargos - representam o conjunto de comportamentos relacionados com a tarefa que um indivíduo tem de realizar para fazer o seu trabalho;

- Cultura - refere-se aos sistemas de crenças existentes numa organização que têm impacto sobre os objectivos do trabalho e avaliação do desempenho das pessoas;

- Funções - referem-se aos deveres e papéis que a organização espera que o trabalhador execute (por exemplo, gerir os recursos de produção, desenvolver os colaboradores, etc.).

- Contexto - refere-se a uma gama de características situacionais de um cargo. Estas podem ser em termos do nível hierárquico do emprego, da localização, da divisão ou da comunidade em que está inserido. Como categoria também serve para representar variáveis externas que podem ter impacto no comportamento das organizações e dos seus funcionários, tais como fusões, situação económica, mudanças da sociedade, etc.

1.3.4. O Domínio das Relações Sociais

Este domínio representa as estruturas sociais e processos de interacção em curso no local de trabalho, que têm uma profunda influência no comportamento dos indivíduos, quer dentro da organização, quer fora da mesma. O modelo WoW engloba quatro categorias de relacionamento social no trabalho, sendo as mesmas definidas em termos de relações de poder, controlo e responsabilidade. Assim, no local de trabalho, os indivíduos podem ter relacionamento com:

- Autoridades - os que estão em posições superiores (por exemplo, os gerentes de linha) e que lhes definem os rumos e metas a atingir;

- Dependentes - aqueles que os mesmos gerem (subordinados directos ou aqueles para quem eles são o gestor de recursos);

- Pares - os colegas na organização com igual posição de controlo;

- Externos - as pessoas relevantes fora da organização (por exemplo, clientes ou fornecedores), com quem os mesmos têm de interagir, a fim de realizar o seu trabalho.

A figura 5 (p.41) diferencia visualmente as relações verticais (acima ou abaixo na hierarquia) e as relações laterais (dentro ou fora da organização). As relações sociais são importantes para prever e explicar o comportamento das pessoas e, ainda mais, para explicar as diferenças de percepções de desempenho. A investigação em feedback a 360 graus (Warr & Bourne, 1999, citados por Kurz & Bartram, 2002) constatou que as

correlações entre gestor de linha e auto-avaliações de desempenho raramente ultrapassam .35, mesmo com instrumentos de avaliação altamente precisos. Segundo Kurz e Bartram (2002), este resultado sugere que pode ser ilusória a procura de uma medida objectiva do verdadeiro desempenho no trabalho, pois este pode legitimamente ser julgado de forma diferente, de acordo com as diferentes perspectivas organizacionais dos superiores directos, dos subordinados, colegas ou clientes.

1.3.5. O Domínio da Vida no Trabalho (Working Life)

No modelo WoW o domínio vida no trabalho destina-se a fornecer um quadro para descrever, explicar, prever e modificar os comportamentos relacionados com o desempenho, os resultados, as escolhas e os estados. Localizado no interface entre as variáveis interiores (pessoais) e as exteriores (situacionais), encontra-se segmentado em quatro categorias:

- Tarefas - englobam as variáveis da vida profissional relacionadas com as

exigências de trabalho, com incidência nos comportamentos observáveis;

- Profissões - dizem respeito às variáveis que cobrem a escolha da carreira (escolha vocacional) e a classificação em termos de ocupações e profissões. As mesmas têm estreita ligação com a definição de requisitos em termos de função do domínio organizacional. Assim, as organizações seleccionam ou formam pessoas para desempenharem funções específicas de determinada profissão ou ocupação, que exigem a aplicação de conhecimentos e skills especializados;

- Papéis - referem-se às variáveis relacionadas com processos dinâmicos e estados, tais como as que se reflectem nas relações diádicas indivíduo-equipa ou, ainda mais amplamente, nas relações indivíduo-grupo. As expectativas de papel são moldadas pelo contexto de relacionamento social vigente;

- Objectivos - estas variáveis dizem respeito, principalmente, aos estados emocionais e afectivos, por exemplo, a relação da satisfação no trabalho de um indivíduo com os seus resultados de desempenho, ou níveis de stresse induzidos por conflitos entre os valores pessoais e a cultura organizacional vigente. A adaptação no modelo WoW é vista como intimamente relacionada com o alcançar de objectivos, constituindo o processo de compatibilização dos objectivos organizacionais e individuais um aspecto central da gestão de desempenho.

Capítulo 1 – O Mundo do Trabalho

Segundo Kurz e Bartram (2002), o domínio central da vida no trabalho, segmentado nas quatro categorias acima descritas, fornece uma base para conceptualizar numa forma descritiva, mais do que avaliativa, as questões relacionadas com a vida no trabalho e para ligar as características psicológicas das pessoas com as variáveis organizacionais ou contextuais. Para este efeito, as quatro categorias ou segmentos anteriores estão elaborados da seguinte forma:

- Tarefas - tenta capturar, no geral, as actividades directamente observáveis e os aspectos intimamente relacionados com a vida profissional. A taxonomia de competências de trabalho correspondente pretende ser, tanto quanto possível, geralmente aplicável, sendo para este fim amplamente assente em teorias bem fundamentadas de inteligência, de motivação e da personalidade;

- Profissões - está projectado para capturar as escolhas de carreira e outros aspectos vocacionais, sendo amplamente baseado na teoria dos Tipos Vocacionais (Holland, 1985), pelo que também fornece o ponto de partida para a captura do conhecimento geral relativo à função. Central para este segmento é uma taxonomia de tipos vocacionais e famílias de trabalhos;

- Objectivos - visa dar conta dos objectivos tangíveis e resultados ou critérios de desempenho que são valorizados por uma variedade de avaliadores. A taxonomia correspondente é em grande parte baseada em teorias motivacionais ou de necessidades; - Papéis - representa os processos sócio-dinâmicos no trabalho. Neste caso, uma ampla taxonomia de processo de interacções foi adoptada, baseada em teorias relativas ao grupo social, dinâmicas e transacionais.

1.3.6. Interacções entre os cinco domínios do modelo WoW

Segundo Kurz e Bartram (2002, p. 248), “as formas de categorização do desempenho na vida profissional são destinadas a capturar e representar o que realmente acontece no local de trabalho”, devendo englobar sequências comportamento-resultados de curto prazo (por exemplo, um diálogo com o cliente), bem como sequências de longo prazo (por exemplo, percurso profissional de um indivíduo). Desta forma, estas sequências podem servir como indicadores positivos ou negativos de eficácia e, portanto, ressaltar um bom ou um mau desempenho. Ainda, de acordo com os autores,

os segmentos dos cinco domínios do modelo WoW interrelacionam-se de forma acentuada e interagem dinamicamente.

As disposições são responsáveis por impelir os indivíduos a agir de determinada maneira, embora a actuação dos mesmos seja mediada pelas realizações e moderada pela situação. Isto porque as consequências do desempenho na vida profissional manifestam-se em determinados resultados que ajudam a construir o portfólio de realizações e, por sua vez, a longo prazo, também influenciam as disposições. Deste modo, as realizações medeiam a relação entre as disposições e a vida profissional.

As características da organização pressionam os indivíduos a mostrar os comportamentos socialmente aceites na mesma, bem como a atingirem os resultados esperados. Contudo, as exigências e possibilidades situacionais podem ser percepcionadas de forma bastante diferente pelos indivíduos, autoridades, subordinados, pares e entidades externas (por exemplo, clientes). Assim, a relação das características da organização com os comportamentos e resultados individuais é mediada pelas percepções e opiniões das relações, dentro do domínio das relações sociais. Por sua vez, o comportamento e os resultados do indivíduo podem afectar as características da organização, sendo moderados pelas atitudes e expectativas próprias do observador. Deste modo, as relações sociais medeiam a relação entre a organização e a vida profissional.

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