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A ausência e a consequente necessidade de um instrumental teórico voltado para a prática jornalística, que possibilitasse tanto a avaliação crítica como a produção responsável de mensagens jornalísticas no que se refere ao uso da cor, fez Guimarães (2003) questionar se, a partir da compreensão da cor como informação e como texto cultural, seria possível elaborar um modelo estrutural para orientar a aplicação da cor na mídia, que considerasse a diversidade técnica e cultural presentes nas diversas mídias jornalísticas. Como resposta, o autor acredita que

[...] o processo investigativo da Semiótica da Cultura, ao estudar a interdisciplinaridade da cor, emergir a estrutura mais profunda da sua expressão simbólica, interpretar as características gerais e específicas dos meios de comunicação jornalística que trabalham com a informação cromática (inclusive no que se refere às suas intenções) e vincular a cor à dinâmica da cultura, possibilita a construção de um modelo de orientação para a análise e a aplicação eficiente da cor como informação nos produtos jornalísticos (GUIMARÃES, 2003, p. 22).

Como os veículos de comunicação são um verdadeiro continuum tecnológico, o autor acrescenta que esse modelo deve ser capaz de acompanhar as transformações e inovações da mídia e da dinâmica das culturas; permitir a aplicação do conhecimento gerado e possibilitar orientação para gerar conhecimentos posteriores. Para definir as propriedades gerais e as interferências que a geração, a aplicação e a publicação da cor-informação recebem das características da reprodutibilidade técnica, o estudo de Guimarães (2003) abordou quatro mídias jornalísticas que podem utilizar a cor como informação: o jornal diário impresso, a revista semanal impressa, os telejornais e os produtos jornalísticos online – cada um com exigências técnicas e editoriais diferentes quanto ao suporte, tempo de elaboração, tempo de exibição, objetivos e linguagem. Para definir as interferências que a cor- informação recebe do ambiente cultural em que sua publicação ocorre, o estudo também abarcou duas culturas distintas: a brasileira e a alemã.

Assim, após analisar e descrever uma série de ações positivas e negativas do uso da cor-informação, Guimarães (2003) apresentou um modelo instrumental teórico para a cor que serve tanto para a análise quanto para a produção das informações da mídia em que a cor seja um importante elemento de significação. Dessa forma, o Modelo Ontogênico das Cores (MOC) se caracteriza como uma estrutura de orientação para a compreensão e o uso da cor como informação, que indica comportamentos para o uso consciente e responsável ou para a análise objetiva das cores na mídia. O modelo relaciona a técnica (tempo, suporte), a linguagem (público, repertório), a cultura e as fontes de alimentação dos vários campos semânticos e sistemas simbólicos que compõem o repertório de uso da cor na mídia (arte, política, religião, indústria, etc).

Como resultado, crescem exponencialmente as possibilidades de leitura das cores, uma vez que o método proposto tem como forte marca a inesgotabilidade de novos sentidos e a falibilidade, caso seja lido segundo os princípios lógicos da verificação e falsificação. Nesse sentido, Guimarães (2003, p. 157) ressalta que nem todos utilizam a cor com a consciência que

prevê o modelo (figura 1), o que representa a maior probabilidade de falha de sua estrutura:

O fato é que o MOC pressupõe um comportamento para o uso da cor-informação e somente numa circunstância utópica em que esse comportamento fosse amplamente conhecido e assimilado – o que demandaria a adoção de várias ações por um tempo suficiente para a estabilização de um repertório comum – seria possível aplicar procedimentos lógicos para verificação e/ou falsificação.

Figura 1. Modelo Ontogênico das Cores (MOC)

Diante desse parâmetro, o autor aponta a necessidade de uma “retroalimentação” dinâmica e constante para a fixação da cor-informação

como elemento importante para os processos de comunicação e para o domínio retórico e pragmático concretos, sobrepondo definitivamente modelo e prática da mídia: “Considero que esse percurso pode ser entendido como uma cultura da cor-informação” (GUIMARÃES, 2003, p. 158). Além disso, quando a cor aparece com predominância em um texto visual, nem sempre seu uso tem o objetivo de informar, mas também de desempenhar outras funções, como a estética, sinestésica, psicológica, etc – além das vezes em que ainda sofre limitações, como as imposições técnicas. Também é possível, todavia, que o texto visual abordado tenha adotado um sistema simbólico de cores equivocado, induzindo a análise a partir do modelo ao erro, não sendo encontrada significância onde está presente uma aplicação aleatória ou fora do âmbito da intenção comunicacional.

Empregando o modelo como o desígnio de uma construção abstrata e hipotética, considerada capaz de dar conta de um conjunto de fatos semióticos, para o uso da cor como informação, Guimarães (2003) abrange aos fatos semióticos todo o universo significante das cores na mídia, com todas as suas possibilidades, desdobramentos, histórias e contextos. E é nesse sentido que o autor emprega o conceito de ontogênese – termo da biologia que designa a relação temporal que descreve o desenvolvimento de um indivíduo desde sua fecundação até a morte, passando por todo o processo de desenvolvimento embrionário, nascimento, maturação, velhice, etc (GUIMARÃES, 2003) – para compor o nome do modelo, a fim de reforçar a ideia de que o MOC deve possibilitar o estudo de determinada cor-informação considerando sua geração, quando surge uma nova cor-informação; seu desenvolvimento; como ela cria condições de se reproduzir e conduzir informações na mídia, e até mesmo, em alguns casos, seu esgotamento e desaparecimento do sistema simbólico em uso.

O autor acrescenta que, assim, o modelo instrumental, de caráter generalizante, contribui para a não banalização das leituras de textos da mídia fundados em informações cromáticas, pois a banalização dos argumentos sob os quais se costuma “ler” textos cromáticos tem suporte justamente no uso limitado de significados; muitos inclusive considerados, equivocadamente,

universais. Portanto, o MOC não pretende servir como um dicionário de cores, no qual diretamente se revelaria a relação entre significantes e significados, mas como uma estrutura de orientação para a compreensão e o uso da cor como informação.

Para indicar o modo como o modelo deve ser utilizado, Guimarães (2003) o decompõe em cinco etapas de descrição: os princípios; os filtros; a organização dos campos semânticos em subsistemas; os filtros em atividade e o espaço entre camadas; e projetando cores na mídia – os filtros de ações, cada qual com seus desdobramentos para a análise do emprego de cromatismos. De forma bastante resumida, as cinco etapas do processo de investigação devem cumprir o seguinte roteiro:

1) Identificar as características técnicas da mídia em questão, avaliando os recursos que estavam disponíveis para a aplicação cromática, quais foram utilizados e quais limitações técnicas restringiram a paleta de cores, considerando, ainda, o tempo disponível para a produção, que varia conforme cada mídia, e a qualidade de reprodução de cores possível.

2) Tentar identificar a linha editorial da publicação a partir da avaliação de outras notícias publicadas, observando se o comportamento pressuposto é eventual ou frequente; relacionar a programação visual aos outros códigos utilizados na publicação e verificar que desdobramentos propiciados pela aplicação de cores foram positivos ou negativos.

3) Levantar as relações hierárquicas entre as cores utilizadas e deduzir o sistema simbólico incumbido a elas.

4) Identificar os campos semânticos utilizados em todas as camadas de significação que participaram dos processos de filtragem (definição de operacionalidades) e suas interferências, e verificar os códigos que foram utilizados, analisando as funções que cada um teve na seleção de cores e determinando suas estruturas narrativas.

5) Por fim, reconstruir o trajeto das cores utilizadas, desde a emissão do fato até a publicação da mensagem, verificando sua coerência.

Avaliando também o todo da informação, o roteiro para a construção de informações cromáticas deve seguir, ao contrário da análise, a mesma ordem da emissão da informação:

1) Identificar quais cores estão associadas à natureza concreta do fato apresentado.

2) Determinar quais os filtros, e seus comportamentos, que devem ser empregados, e os campos semânticos de cada camada de significação que participará da construção da paleta de cores-informação.

3) Obter um sistema simbólico coerente, responsável e de alto valor informativo.

4) Delimitar o sistema simbólico às intenções da publicação, buscando evitar ações negativas do emprego cromático.

5) Por último, adaptar o sistema simbólico aos recursos e limitações técnicas do meio.

3 CATEGORIZAÇÃO DA ANÁLISE

Neste capítulo, a análise das imagens, com ênfase nas capas e aberturas de grandes matérias, referentes à campanha eleitoral de 2010 veiculadas nas revistas Veja e Istoé, é apresentada com base em características gerais do jornalismo visual divididas em três tópicos de categorias específicas identificadas como principais no tratamento visual oferecido pelos veículos: 1) Fisionomia: expressão e gestualidade dos candidatos; 2) Ilustrações: charges, caricaturas, fotomontagens e desenhos; e 3) Cor-informação: aspectos positivos e negativos. A descrição é complementada com importantes visões e conceitos de autores que abordam cada temática.

Uma vez que a proposta aqui apresentada não é realizar uma análise quantitativa, mas qualitativa, do corpus proposto, a descrição das imagens selecionadas para compor esses três tópicos de características observadas como mais latentes nas imagens veiculadas não segue um padrão de amostragem por quantidade de vezes em que determinado candidato aparece, por exemplo, mas sim pelo fato da composição de sua imagem ter sido retratada de forma positiva, negativa ou neutra, e se, de modo geral, o mesmo tratamento foi empregado em comum a todos os presidenciáveis ou se há um favorecimento/desfavorecimento maior em relação a um ou outro.

Dessa forma, considera-se aqui o conjunto entre enquadramento das imagens, função semântica das cores na composição (se for o caso) e relação destas com as chamadas em destaque, legendas e textos que as acompanham como positivo, negativo ou neutro levando-se em consideração os seguintes aspectos: 1) Positivo: se o enfoque dado ao candidato/aliado/partido político evidencia seu plano de governo, estratégias de campanha e declarações ou destaca resultados favoráveis a ele nas pesquisas de intenção de voto; 2) Negativo: se a ênfase é na reprodução de ressalvas, ataques ou críticas da oposição ao presidenciável ou destaca resultados desfavoráveis a ele nas pesquisas de intenção de voto; ou 3) Neutro: se a abordagem se restringe a ambientar o candidato e seus compromissos de campanha ou destaca

declarações isentas de juízo de valor, avaliação política, moral ou pessoal sobre o presidenciável.

Por último, as imagens selecionadas4 para esta análise contemplam apenas os três principais candidatos à presidência em 2010 – Dilma Rousseff, José Serra e Marina Silva (e aliados) –, em primeiro lugar, porque não houve veiculação de material visual significativo em referência aos outros presidenciáveis que participaram da campanha eleitoral, além de ter sido verificada na análise a predominância, já antes do segundo turno, pela polarização entre os candidatos do PT e PSDB.