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Lipset et al. (1956), citados por Joia (2004), afirmam que o objetivo do estudo multicaso é o de generalizar, em vez de particularizar. Esse aspecto, somado ao fato de ser essa uma metodologia usada para a análise de eventos contemporâneos, sobre os quais não se tem controle, sinaliza a simbiose desse processo com o processo de geração de heurísticas.

A base conceitual para o desenvolvimento de heurísticas está ancorada no conceito de “oportunismo controlado”, desenvolvido por Eisenhardt (1989) e aplicável a sistemas complexos adaptativos, não-lineares e dinâmicos. Joia (2004, p. 127) afirma que uma heurística é boa:

“...não por causa do excessivo rigor que aplica a si mesmo, medido pelo número de variáveis levadas em consideração, mas sim pelo fato de modelar e expressar adequadamente a realidade que enfrenta”.

Contrapondo-se aos conceitos de “homem econômico” e “determinismo tecnológico” (Joia, 2004), os quais se fundamentam na capacidade que o homem tem de agir sempre de forma racional, na direção de maximização dos ganhos econômicos, Simon (1957) propõe a teoria intitulada “racionalidade limitada9”.

9 Segundo Simon (1957), o comportamento racional econômico é um ideal teórico de

Para o autor, as pessoas não buscam a melhor solução para os problemas e, sim, uma solução “suficientemente boa”.

À medida que exista uma “racionalidade limitada”, ganham em importância a busca pela construção e a utilização de heurísticas. Isso decorre do limitado repertório cognitivo de um tomador de decisão típico ao ser confrontado diariamente com uma enorme quantidade de decisões a tomar. Este fato também se explica pelo aumento da complexidade do ambiente organizacional e pela necessidade da tomada de decisões rápidas (Joia, 2004).

Nesse sentido, as heurísticas, em geral, são consideradas:

“...modelos simplificados e subjetivos de uma situação e se baseiam em experiências passadas, de modo que, em geral, soluções usadas no passado são replicadas no presente. Assim, a heurística provê a tomada de decisões em tempo hábil, visto que a falta de um conjunto perfeito de informações é uma realidade cada vez maior nos dias de hoje” (Joia, 2004,

p. 125).

Apesar da possibilidade da utilização de estudos de casos para validar modelos em áreas ainda pouco exploradas (Eisenhardt, 1989), acredita-se que os casos estudados não revelaram, de forma plena, toda a complexidade ou todos os fatores críticos de sucesso ou insucesso envoltos no fenômeno do processo de inovação que se fundamenta no conhecimento desenvolvido na universidade. Por tal motivo, este estudo não pretendeu construir um modelo amplo, que aborde todos os fatores que estão associados a este tipo específico de processo de inovação. No entanto, acredita-se que os fatores críticos apontados por este trabalho podem ser inferidos para outros processos de inovação de natureza

econômica. Apesar dos humanos procurarem agir racionalmente, eles não conseguem devido a sua limitada capacidade de reunir e processar todas as informações necessárias. Também não podem concentrar toda a atenção necessária a uma dada situação de forma

semelhante, uma vez que o modelo teórico escolhido, que pressupõe a possibilidade da geração de heurísticas (mesmo que estas ofereçam apenas uma leitura parcial do fenômeno), permite alcançar os objetivos deste trabalho.

Heurísticas similares à que foi desenvolvida por este trabalho, podem ser encontrados na literatura. Christensen (1997), por exemplo, desenvolveu uma heurística para auxiliar na compreensão sobre como surgem inovações em empresas privadas norte-americanas. Inspirado em Christensen (1997), Cavalcanti Neto (2002) desenvolveu uma heurística para melhor compreender os processos “government-to-government”, no Banco Central do Brasil.

A metodologia utilizada para a geração da heurística a partir do estudo histórico dos dois casos encontra-se na Figura 9.

FIGURA 9: Modelo teórico de pesquisa Fonte: Adaptado de Joia, 2004

O plano para a geração da heurística parte do desenvolvimento teórico. Ele teve como foco o tema central estudado. Como o tema deste trabalho se relaciona aos processos de inovação, o marco teórico focou os processos lineares, os processos organizacionais e os processos institucionais de inovação.

Após isso, selecionaram-se os casos. Eles apresentaram similaridades básicas entre si, que tornaram possível a análise comparativa. Partindo deste exame comparativo dos casos, foram identificados padrões que representam os acontecimentos relacionados ao fenômeno estudado (Joia, 2004).

Os padrões, ancorados no estudo empírico, servem para identificar uma quantidade indeterminada de fatores críticos que exercem influência direta sobre o fenômeno estudado (Figura 10). No caso deste trabalho, o fenômeno é tido como o processo de inovação fundamentado no conhecimento científico. Estes fatores críticos são nomeados de acordo com a percepção do pesquisador, sempre buscando reunir o significado amplo do que cada um deles sintetiza.

FIGURA 10: Fatores críticos que exercem influência direta no fenômeno estudado

FONTE: Elaborado pelo autor

A identificação e a análise dos fatores críticos associados à avaliação dos casos levam à concepção da heurística, base fundamental do presente

estudo. A heurística absorve, nos seus vértices, todos os fatores críticos identificados por meio do estudo dos casos. Cavalcanti Neto (2002), Christensen (1997) e Jóia (2004) identificaram três interfaces que explicaram os fatores críticos associados aos seus estudos. Estes pontos foram os valores, os processos e os recursos (VPR). No caso do presente estudo, o vértice “valores” foi substituído pelo vértice “cultura”. Isso se deu por acreditar que este último tenha se revelado mais adequado para alcançar os objetivos deste trabalho. A heurística “cultura, processos e recursos” (CPR) é apresentada na Figura 11.

FIGURA 11: Heurística CPR Fonte: adaptado de Jóia (2004)

As interfaces (cultura, processos, recursos) apresentadas neste trabalho, em parte, coincidem e derivam das que foram identificadas por Cavalcanti Neto (2002). Houve apenas duas adaptações. A primeira ocorreu com finalidade didática e está relacionada à posição assumida pelas interfaces nos vértices10. A segunda, já comentada, foi a substituição do vértice “valores” pelo vértice

10 O modelo gerado por Cavalcanti Neto (2002), discutido por Joia (2004), foi nomeado

RPV (recursos, processos e valores). No caso do presente trabalho, como a teoria que ancora o vértice “cultura” vem antes das teorias que ancoram os demais vértices, optou- se por apresentá-lo em primeiro lugar. Portanto, este é o motivo de a nomenclatura do

“cultura”. Cabe ressaltar que a repetição parcial das interfaces, bem como as alterações introduzidas pelo presente trabalho, visaram buscar a capacidade das interfaces em absorver com amplitude a síntese dos significados dos fatores críticos encontrados na investigação.

Após a geração da heurística baseada nos dados empíricos, faz-se o teste por meio de uma realimentação teórica. Nesse estágio, ela pôde ser refinada e embasada de forma mais ampla, por elementos do arcabouço teórico utilizado (Joia, 2004).