• Nenhum resultado encontrado

5.1 Identificação dos fatores críticos

5.1.1 Os valores (Fator I)

Como abordado na subseção anterior, o modelo linear de processo de inovação, presente nas políticas de geração de inovação da maioria dos países desde a época pós-guerra, representa muito mais do que uma forma de conceber o processo de inovação tecnológica. A literatura, em geral, aborda esse assunto. Apesar de o fenômeno ser representado de maneira excessivamente simplista, se comparado à realidade envolvida no processo, a presença do modelo linear está disseminada entre os cientistas por meio do compartilhamento de valores que admitem a importância da ciência básica como forma independente de se atingir objetivos no longo prazo.

Nos casos estudados, percebeu-se a presença de alguns elementos que fazem aproximar as suas trajetórias científico-históricas ao conceito amplamente disseminado do modelo linear. A maior evidência disso foi o fato de terem sido observadas realimentações constantes de temáticas parecidas. No entanto, não se observou, nos casos, a mudança por inércia própria da pesquisa básica para a aplicada e assim por diante, como preconizado pelo modelo linear. Ao contrário, a pesquisa se realimentou, sob roupagens diferenciadas, da mesma problemática. Condições relacionadas ao tempo e ao espaço foram fundamentais para o desencadeamento de processos inovativos.

Em geral, a busca científica realimentada em círculos está relacionada à confirmação da viabilidade técnica das novas tecnologias. Assim, uma vez alcançados resultados técnicos favoráveis, não se observaram novas abordagens ligadas a problemas distintos, especialmente os que pudessem envolver necessidades de mercado, demanda potencial, meios de produção, dentre outros.

Dessa forma, houve uma realimentação teórica de objetivos repetidos, o que contribuiu muito pouco para que as inovações atingissem definitivamente o mercado e nele se tornassem viáveis.

Ao se desconsiderar a ação dos principais pesquisadores, que reconheceram a importância da união dos atributos científicos com as necessidades do mercado, não se observou entre outros pesquisadores, dos tantos envolvidos, a manifestação dessa mesma atitude. Nesse sentido, segue a afirmação de um dos pesquisadores:

“... faço pesquisa básica. Por isso não espero que minhas pesquisas sejam absorvidas (no mercado). O que interessa é o aumento do conhecimento sobre o assunto. Talvez no futuro elas possam ser muito úteis” (relato de pesquisa – pesquisador,

2006).

Portanto, a presença da concepção linear é uma realidade. Ela está nos valores compartilhados pelos cientistas que levam a crer na evolução inercial da ciência, até que seja possível a sua utilização prática na sociedade. Este fato não está relacionado necessariamente a um problema ou ao fato de que não existe a necessidade de se desenvolver conhecimentos básicos em determinadas áreas. O que ele indica é que deve haver a preocupação de se justificar a inserção desses novos conhecimentos em um sistema multidisciplinar, que funciona de forma complexa e articulada. Além disso, é preciso lembrar a respeito do viés de fazer com que tanto objetivos como resultados de pesquisas caminhem em círculos, em vez de progredir de uma forma normal ou acumulativa.

Enquanto presente, a concepção linear torna o entendimento da forma como ocorre o processo de inovação obscurecido. Impede, portanto, a admissão que o processo de inovação inicia-se a partir da articulação do conhecimento existente. Em vez disso, faz acreditar que problemáticas desarticuladas do sistema multidisciplinar mais amplo, em um momento incerto do futuro, fazem

parte do processo de geração de inovações. Essa crença tem sido o subsídio para a legitimação de um modo de agir diferente do que se observa na realidade. Em geral, pesquisas realizadas dentro dessa filosofia linear - intradisciplinares e alienadas do sistema multidisciplinar no qual deveriam se inserir - são pouco promissoras. A respeito disso, cabe repetir o comentário de um dos entrevistados:

“...muito resultado de pesquisa, pesquisa em cima de pesquisa, repetição de pesquisas, pesquisas engavetadas...” (relato de

pesquisa – pesquisador, 2006)

O modelo linear leva ao primeiro dos fatores críticos presentes no tipo de processo de inovação aqui estudado. Esse fator crítico se relaciona ao fato de que a influência conceitual do modelo linear alimenta a desarticulação entre resultados intradisciplinares de pesquisas e o sistema multidisciplinar amplo no qual elas se inserem. Dessa forma, a concepção linear age como “legitimadora” de pesquisas que não se articulam bem com o sistema. Disso decorre de valores compartilhados levam ao descompromisso entre a geração do conhecimento e a geração do desenvolvimento, por considerar a geração de conhecimento como parte integrante e não como base para o processo de inovação.

Nos dois casos, apesar de, muitas vezes, eles revelarem o seu viés linear, especialmente por meio da realimentação constante de pesquisas cujos objetivos e os resultados foram demasiadamente repetitivos, o sucesso das inovações deveu-se à clara integração, de certa forma acidental, entre os objetivos das pesquisas e a busca por soluções no sistema mais amplo, representado pelo momento vivido pela sociedade e pelas características do mercado no qual os produtos deveriam se inserir. Esse fato não significa que o processo ocorreu de forma ideal.

Diminuir os efeitos deste primeiro fator crítico não deve ser uma tarefa muito fácil. Isso porque o que ele revela está ligado, muito intimamente, a atributos culturais disseminados no próprio ambiente de pesquisa e partilhados, por um grande período de tempo, por pesquisadores das mais diversas áreas. No entanto, a simples consciência da sua existência pode em muito ajudar em qualquer processo de inovação que se dê, em parte ou completamente, dentro desse ambiente. Isso porque, por seu intermédio, torna-se possível prever e compreender possíveis resistências filosóficas que vêm à tona diante do empenho por tornar a ciência descontinuada em aplicação efetiva para a sociedade e o mercado.