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Capítulo III – As diretrizes curriculares para a graduação como políticas de reforma curricular

2. Elementos para a compreensão das políticas curriculares

2.2. Modelos de análise das políticas curriculares

Analisando os processos de produção e implementação das políticas curriculares, Pacheco (2002) argumenta que estes processos se dão em dois contextos de decisão, os contextos macro e micropolíticos. O referido autor, denomina como contexto macropolítico o espaço da administração central e do Estado, responsáveis pela produção dos textos normativos, os quais correspondem às intenções. Ainda de acordo com o autor, esse nível de decisão recebe a influência dos grupos socioeconômicos dominantes. O contexto micropolítico, por sua vez, diz respeito ao campo de ação dos professores, alunos e gestores das instituições de ensino, correspondendo às práticas, concretizadoras ou não das políticas elaboradas no outro contexto.

Além disso, Pacheco (idem) refere a existência de quatro lógicas na construção política do currículo: a lógica do Estado, a lógica do mercado, a lógica do ator e a lógica cultural. À prevalência da lógica do Estado e/ou da lógica do mercado, corresponde o modelo das racionalidades técnicas e à prevalência da lógica do ator e/ou da lógica cultural corresponde o modelo das racionalidades contextuais.

O modelo das racionalidades técnicas coaduna-se com a racionalidade tyleriana. Conforme sublinha Pacheco (2002: 30), trata-se de:

uma visão tecnicista do currículo em que as decisões políticas são tomadas a nível macro, com o reconhecimento do papel centralizador da administração central e da linguagem especializada dos consultores curriculares, deixando-se às escolas e aos professores o papel de implementá-las, pois não são considerados nem lugares nem atores de decisão política.

Neste modelo existe uma clara separação entre os momentos de concepção das políticas, da responsabilidade única da administração central e dos especialistas, e da sua execução, incumbida aos professores, por meio do controle indireto das suas ações. Um controle possibilitado pelo nível de prescrição dos normativos. Ao não reconhecer a instituição educativa como espaço de decisão política e os professores como atores dessa construção, esta perspectiva despolitiza-os, transformando-os em meros “operários curriculares” (Pacheco, 2002: 30). Neste caso, temos o currículo configurado “como um produto que é oferecido e não como um projeto que deve ser compreendido, interpretado e transformado” (idem, ibidem).

Por sua vez, o modelo das racionalidades contextuais integra-se na teoria social crítica e nas abordagens pós-modernistas e pós-estruturalistas Pacheco (2002). Possui uma perspectiva emancipatória, reconhecendo “aos atores da vida social um mínimo de racionalidade” (idem: 31). Portanto, reconhecem o espaço educativo e o papel dos atores na produção do currículo e das suas políticas.

Conforme relacionado nessas descrições, estes modelos de racionalidade fundamentam-se em divergentes concepções de currículo e do seu desenvolvimento, desde a sua concepção à sua realização nos contextos locais, fazendo notar que:

“as políticas curriculares resultam de complexas decisões que derivam tanto do poder político oficialmente instituído quanto dos atores com capacidade para intervir direta ou indiretamente nos campos de poder em que estão inseridos” (idem: 32).

Enquanto normativos instituídos pelo poder central do Estado (esfera macropolítica), as políticas curriculares assumem o papel de condicionantes do currículo (Sacristán, 1988). Assim, constituem-se como mecanismos capazes de regular, mas não exercer o controle completo sobre professores e alunos na configuração prática do currículo – esfera micropolítica (Pacheco, 2002). Isto implica a existência de espaços de autonomia para os diversos atores envolvidos na construção do currículo, cujas ações, por sua vez, se repercutirão na produção política. Segundo Pacheco (idem), entre as esferas macro e micropolíticas, os processos de tomada de decisão no âmbito das políticas curriculares envolvem níveis de decisão central ou local e responsabilidades políticas ou profissionais. O referido autor representa esta ideia através de um esquema (Figura II), que aqui resolvemos designar como “fluxo das decisões relativas às políticas curriculares”:

Figura II – Fluxo das decisões relativas às políticas curriculares (Pacheco, 1999: 60)

Na interação entre os domínios da administração central ou do Estado e dos contextos locais dá-se a circulação do poder na promoção de políticas curriculares. Procurando determinar o lugar da administração central, da escola e da sala de aulas na centralidade das decisões para definição das políticas curriculares, Pacheco (2002, 2000, 1999) constrói quatro modelos de análise. A partir desses modelos apresenta uma “definição clara dos limites entre as dimensões de localização (nível central ou local) do poder e de assunção do poder (responsabilidade política ou responsabilidade profissional)” (Pacheco, 2002: 33). O autor mencionado desenvolve esses modelos tendo como referência o “modelo conceitual proposto por Lundgren (1996) para o estudo da mudança e gestão educativa” (Pacheco, 1999: 60). Esses modelos de análise relacionam-se com a ideia sintetizada por Pacheco (idem, ibidem) na figura apresentada anteriormente e são descritos da seguinte forma:

Modelo A-B (política centralista). Papel determinante da administração central na concepção e operacionalização da política curricular. Trata-se de uma responsabilidade essencialmente política dos órgãos ministeriais já que a responsabilidade profissional do professor reside na implementação de orientações e programas definidos urbi et orbe na base de um complexo quadro normativo.

Modelo D-C (política descentralista). Papel predominante dos territórios locais na contextualização da política curricular mediante a concepção, implementação e avaliação de projetos curriculares, que são recontextualizados em função de orientações políticas que asseguram a igualdade.

Modelo A-D (política centralista e descentralista). Prevalece a perspectiva normativa. Política curricular descentralizada ao nível dos discursos mas recentralizada ao níve das práticas. A prática curricular é autônoma no discurso e nos textos curriculares, mas é definida e regulada pela administração central através do estabelecimento de referenciais concretos. Os territórios locais têm autonomia para (re)interpretar o currículo em função de projetos curriculares que são administrativamente controlados.

Central B C Profissional D Local Política A

Modelo C-B (política descentralista e centralista). Predominância das componentes profissional dos atores e institucional dos territórios locais. A descentralização existe quer nos discursos quer nas práticas curriculares. A administração central define os referenciais da política curricular, mas entrega aos territórios locais a recontextualização realizada pela articulação do que pode ser face ao que deve ser.

(Pacheco, 2002: 32).

Tomamos esses modelos como base para a nossa análise das DCNs, por estarmos interessados na transposição das orientações políticas, do nível macro, do Estado, o domínio das intenções, para a realidade dos cursos na universidade, isto é, para o domínio das práticas. No recorte do cotidiano acadêmico, detivemos-nos no nível meso, relativo às práticas de planejamento curricular, o qual compreendemos como o primeiro degrau dessa realidade, que a um nível inferior, um nível micro corresponde à sala de aulas.