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CAPÍTULO III – F ORMAÇÃO DE P ROFESSORES

2. Modelos de formação de professores

Com os dados que temos atualmente e procurando dar resposta às necessidades mais urgentes, temos consciência que para uma profissão complexa e muito abrangente, teremos de “conceber uma formação multidimensional e multireferencial”, conforme sugere Estrela (2002). Como refere esta autora, “a montante e a jusante do processo de formação cruzam-se problemáticas de ordem politica, filosófica, histórica, científica e técnica” (p.18) que fundamentam a diversidade de conceções sobre a formação, e que, por sua vez, se interligam com diferentes conceções de enino e de professor. Como resposta a esta complexidade, Marcelo-Garcia (1999, p.27) considera elementar que reflitamos acerca dos valores subjacentes ao conceito da formação de professores, apresentando alguns princípios fundamentais e assumindo que o processo formativo engloba quatro fases de formação, de acordo com Feiman-Nemser (2001): pré-treino, formação inicial, iniciação e formação permanente. Estas fases, tal como o primeiro princípio sugerido por Marcelo-Garcia indica, deverão pressupor um processo contínuo. Neste sentido, a aprendizagem do professor decorrerá ao longo de todo o percurso profissional e obedecerá a princípios éticos, didáticos e pedagógicos transversais a todos os momentos. O autor acrescenta que a formação inicial não pode oferecer “produtos acabados, mas sim compreender que é a primeira fase de um longo e diferenciado processo de desenvolvimento profissional” (Marcelo-Garcia, p.27).

O segundo princípio apresentado por este último autor visa assegurar a mudança, a inovação e o desenvolvimento curricular nas escolas. A formação também deverá garantir que estes profissionais sejam flexíveis e suscetíveis à mudança e aos crescentes desafios ao longo da sua carreira.

O terceiro princípio enfatiza a aproximação entre a formação dos professores e os contextos escolares, sendo que estes assumem um papel privilegiado no desenvolvimento de conhecimentos e competências, pois “é a formação que adota como problema e referência o contexto próximo dos professores, aquela que tem maiores possibilidades de transformação da escola” (p. 28).

A articulação estreita entre os conhecimentos disciplinares e a formação pedagógica é o quarto princípio apresentado pelo autor e procura defender a importância de não se formarem especialistas, mas sim professores. O conhecimento do conteúdo deverá, por isso, ser acompanhado pelo conhecimento didático, pedagógico, curricular.

O quinto princípio, apresentado por Marcelo-Garcia, diz respeito à importância de construir a teoria a partir da prática, estreitando as suas relações. O conhecimento próprio do professor que decorre da sua prática profissional e das vivências pessoais não pode ser ignorado, mas “para que a prática seja fonte de conhecimento, para que se constitua em epistemologia, tem de se acrescentar análise e reflexão na e sobre a própria ação” (p.29).

O antepenúltimo princípio defendido aborda as questões do isomorfismo, quer na formação inicial, quer na formação contínua, destacando a importância das estratégias e métodos utilizados na operacionalização do plano curricular de formação dos futuros professores ou professores já em exercício de funções.

O sétimo princípio vem salvaguardar a individualidade do professor, respeitando e aceitando as diferenças a nível cognitivo, emocional, relacional e contextual. De destacar que esta individualização aqui defendida “deve ser entendida não só em relação ao professor como indivíduo, como pessoa, mas deve ser ampliado de modo a abranger unidades maiores tal como as equipas de professores ou a escola como unidade” (p.29). Isto pressupõe a análise e a reflexão sobre os contextos e as necessidades de determinada escola ou grupo de trabalho, para que as aquisições sejam significativas e estreitamente ligadas às necessidades e preocupações existentes, acreditando “no papel das escolas que podem realizar os seus diagnósticos, pensar de onde partem e até onde querem e podem ir, quais as suas prioridades” (Boni, 2018).

Por fim, o último princípio apresentado por Marcelo-Garcia (1999) refere a promoção do desenvolvimento intelectual, social e emocional dos professores. Pretende-se formar profissionais ativos, críticos, reflexivos, questionadores e com capacidade de procura de respostas. Sabemos também que os valores aqui subjacentes e inerentes à atitude do professor em contexto de sala de aula, atuarão como multiplicadores destas qualidades nos alunos, favorecendo o desenvolvimento de atitudes e comportamentos mais consentâneos com as necessidades atuais da nossa sociedade e que contribuirão para a formação de “cidadãos globais, pessoas ativas, responsáveis,

comprometidas, que querem transformar a partir de um conjunto de princípios como a justiça social, a equidade, o respeito e a igualdade” (Boni, 2018, 3º parágrafo).

O questionamento e procura de respostas efetivas e de qualidade para a formação de professores deram origem a diversos modelos de formação que têm por base diferentes conceções do ensino e da profissão docente.

Em 1983, Ferry estabelecia uma classificação dos diferentes modelos segundo o tipo de processo, a sua dinâmica formativa e a sua eficiência, identificando três grandes modelos formativos. O modelo de formação centrado nas aquisições estrutura-se em torno do que é considerado o ensino “tradicional “ ou mesmo a pedagogia por objetivos. Os conteúdos de formação considerados indispensáveis ao perfil de competências desejado, as respetivas estratégias e a gestão racional do processo dão ao formador o papel central neste modelo.

Já o modelo de formação centrado no processo distingue-se do primeiro, pelos papéis do formador e formando e pela metodologia usada. Neste caso, a formação baseia-se no desenvolvimento pessoal do formando, através de iniciativas e atividades específicas.

O terceiro e último modelo de formação centra-se na análise e assenta num trabalho de reflexão que o formando vai realizando ao longo da sua vida pessoal e profissional e que irá permitir a conceção de projetos de vida adequados aos diferentes contextos e situações. Este modelo vai além da capacidade de aprender a aprender, pois o sujeito é visto como capaz de selecionar as aprendizagens a atingir.

Por sua vez, Zeichner (1983) colocou em evidência o facto de que qualquer programa de formação de professores deverá assentar em determinada postura ideológica, veiculada pelos formadores, mas também pelas instituições de formação, distinguindo quatro paradigmas:

Paradigma Comportamentalista/Condutista: esta conceção de formação assenta numa epistemologia positivista e na psicologia comportamentalista. Neste sentido, valoriza a dimensão tecnicista do ensino. A formação tende a concentrar-se num conjunto de técnicas que o professor deve adquirir e aplicar no processo de ensino dos alunos. O sucesso do professor é medido pelo domínio destas técnicas. Está subjacente a este paradigma a ideia da educação como uma ciência aplicada. O professor é visto como um executor de leis e princípios do ensino que foram concebidos e experimentados por especialistas. Numa perspetiva ideológica, esta formação, ao centrar-se nas técnicas de ensino, acaba por corroborar o contexto educacional e social vigente.

Paradigma Personalista: esta conceção está fundada numa epistemologia fenomenológica, na psicologia desenvolvimentista, mas também em princípios humanistas. Os programas de formação são feitos à medida das necessidades e preocupações dos professores, centrando-se na formação do "eu" de cada professor. As respostas para cada caso são recolhidas junto dos professores mais competentes e experientes, julgados naturalmente mais eficazes. Neste paradigma, ao contrário do anterior, os conhecimentos e as competências dos futuros professores não estão definidos à priori, embora esteja implícita a preocupação em reorganizar as perceções e as convicções dos futuros professores, tendo em vista a sua conformidade a um dado modelo de maturidade psicológica tomado como modelo.

Paradigma Tradicional-Artesanal: neste paradigma o ensino é visto como uma arte e os professores como artífices. A formação dos professores é encarada como um processo de aprendizagem construído por tentativa e erro que, todavia, pode ser facilitado com a ajuda e a sabedoria dos docentes mais experientes. Estamos perante o clássico modelo de mestre-aprendiz. Os futuros professores são vistos como meros recetores passivos, não possuindo um papel determinante na definição dos conteúdos e orientação dos programas de formação. Esta formação acaba também por sancionar o contexto social e educativo vigente.

Paradigma do professor reflexivo/orientado para a indagação: este paradigma baseia-se no pressuposto que não há receitas antecipadas válidas para qualquer situação. Cada professor e cada contexto educativo são únicos e irrepetíveis. A formação de professores deve prepará-los para desenvolverem capacidades de questionamento e análise sobre os efeitos do ensino junto dos alunos, escolas e sociedade, atribuindo à capacidade de pesquisa e utilização dessa informação, um importante papel para o sucesso da intervenção. O pressuposto deste modelo é que quanto maior for a consciência de um professor sobre as origens e consequências das suas ações e das realidades com que se confronta, maior é a probabilidade de poder controlar e modificar, não só as ações, como também os constrangimentos. A tarefa principal na formação de professores é, neste caso, a de desenvolver as capacidades dos futuros professores para a ação reflexiva, o "espírito crítico" sobre a sua prática e o contexto social e educativo vigente (Zeichner, 1983). O mesmo autor defende que a formação deve “ajudá-los a examinar tanto os aspetos morais, éticos e políticos, como os instrumentais que estão implícitos no seu pensamento e prática do dia-a-dia.” (1983)

A escola, ao serviço da sociedade em que vivemos, coloca evidentes desafios aos docentes, salientando-se, deste modo, o importante papel reflexivo do professor na procura de respostas, aqui contemplado no último paradigma.

Os defensores deste paradigma reflexivo referem que a atenção ao desenvolvimento de orientações e técnicas de pesquisa não implicam necessariamente que as competências técnicas de ensino sejam, de algum modo, consideradas como insignificantes, pelo contrário, estas deverão ser altamente valorizadas não como um fim em si, mas sim como um meio para atingir os fins desejados.

Estes quatro paradigmas encontram-se agrupados em função de duas dimensões: Certo vs Problemático e Aprioritário vs Reflexivo. Na primeira dimensão, ocorre a análise de contextos válidos ou discutíveis e, na segunda dimensão, o currículo pré-definido ou transformável.

A análise destes modelos e paradigmas permite compreender de que forma é que estas orientações influenciaram e influenciam a formação de professores, no fundo são conceptualizações que nos concedem a oportunidade de tentar compreender a complexidade do processo de formação de professores.

Marcelo-Garcia (1999) faz uma síntese dos diversos quadros de orientação da formação de professores, seguidamente apresentado sob adaptação de Leite (2007, p.37):

Tabela 1: Orientações conceptuais predominantes na formação de professores (Marcelo-Garcia, 1999), adaptado por Leite (2007, p.37).

Orientações

conceptuais Abordagens

Concepção de professor Incidência da formação

Académica

Enciclopédica Especialista em conteúdos disciplinares

Conteúdos disciplinares

Compreensiva Especialista em didáctica da disciplina

Didáctica das disciplinas

Tecnológica

Por competências Técnico com competências específicas de ensino

Competências definidas pela investigação sobre o ensino Centrada nas

competências decisionais

Profissional com autonomia para tomar decisões adequadas

Competências de gestão e decisão necessárias ao ensino

A partir dos resultados da

investigação

Profissional que selecciona competências e estratégias face ao real

Utilização consciente das competências e estratégias de ensino

Prática

Artesanal Artesão ou artista Desempenho prático Reflexão sobre a Profissional que analisa e Capacidade de reflexão na e

acção modifica as situações de ensino sobre a prática pedagógica Personalista Sujeito com maturidade pessoal,

profissional e processual

Desenvolvimento pessoal e profissional do professor

Crítica

Reconstrucionismo Intelectual crítico, responsável ética, social e politicamente

Questionamento ético e político do currículo e do ensino Investigação-ação Profissional responsável ética,

social e politicamente

Reflexão e racionalização da prática educativa

Como o quadro mostra, em qualquer uma das orientações, as preocupações mais evidentes recaem sobre a reflexividade e a investigação sobre a prática, bem como a importância da crescente responsabilização e autonomia do professor no acolhimento da sua profissão.

De referir, também, a necessidade de coerência quer entre os princípios de um determinado programa de formação e o modo como o papel do formando é assumido, quer na elaboração, desenvolvimento e avaliação do próprio processo formativo. Deste modo, perante as dificuldades em contexto de prática educativa não serão atribuídas responsabilidades únicas ao processo formativo, mas sim a um conjunto de processos de que o formando é parte integrante.

Estrela (2002, p.26) defende que “não há nenhum modelo de formação que, por si só, dê conta da multidimensionalidade e multirreferencialidade do ensino e da formação” e, por esse motivo, os programas concentram elementos de dois ou mais modelos. A autora defende a importância de se continuar a investigação de campo para aferir os efeitos da formação em diferentes modelos em contexto de escola e de sala de aula, pese embora que, “apesar da fragmentação da investigação existente, parece que existem elementos fiáveis para se elaborarem programas de formação mais coerentes e capazes de articular melhor os vários saberes que constituem o saber profissional” (p.26).

Não existem modelos perfeitos, caso contrário, estaríamos a cair no erro de considerar que o mesmo modelo serve a todos os estudantes e a todas as instituições, além do mais, “os modelos de formação de professores são evolutivos, mais do que disruptivos”, ou pelo menos deveriam ser (Martins, 2015, p.188).

A utilização de um único paradigma de formação de professores, não garante, na íntegra, um quadro completo para o desenvolvimento de um programa de formação. Só a interligação entre modelos permitirá ao futuro professor ser capaz de analisar diferentes perspetivas e orientações pedagógicas, aplicando-as de modo diferenciado perante diferentes situações e alunos.

Estrela (2002) sintetiza as diversas abordagens formativas em três modelos de formação definidos a partir do lugar que o formando ocupa no processo de formação: o formando como objeto

de formação; o formando como sujeito ativo da sua formação e o formando como sujeito e objeto de formação.

O primeiro modelo – o formando como objeto de formação – pode ser equiparado aos modelos artesanais, académicos e tecnológicos e as aquisições a realizar são definidas previamente sem a intervenção/participação do formando, sendo que a teoria é encarada como aplicação da prática.

No que respeita à perspetiva do formando como sujeito ativo na sua formação, os modelos que mais se assemelham a esta dinâmica são os humanistas, personalistas e desenvolvimentistas, sendo que o currículo assume um carácter mais aberto e problematizador, procurando a transferibilidade entre a teoria e a prática.

Relativamente ao entendimento do formando como sujeito e objeto de formação, tal como a própria terminologia o indica, consiste na abordagem equilibrada e refletida de ambos os modelos anteriores, assumindo a pesquisa e a investigação um papel preponderante na resposta aos desafios educacionais. Os modelos investigativos e sócio-críticos são os que mais se assemelham a este modelo, tal como é apresentado por Estrela (2002).

De entre os três modelos de formação inicial apresentados, Estrela considera que este último, à semelhança dos modelos centrados na pesquisa e na análise “são os que mais se adequam à conceção atual de escola como organização aprendente e centro de uma comunidade educativa (...), a formação poderá contribuir para a realização de ideias democráticas da escola e para uma cultura colaborativa dos professores” (2002, p. 24).

Atualmente, estas intenções…

“…têm pouca tradução ao nível das estratégias e métodos usados na formação, levando a presumir que, na melhor das hipóteses, a reflexividade de que se fala não ultrapassará a área das competências do professor como um técnico que aplica conhecimentos que outros produziram.” (Esteves, 2009, p. 47)

Neste sentido, é essencial refletir acerca da formação inicial e do modo como os professores estão a construir o seu conhecimento profissional e em que medida essa aprendizagem se coaduna com uma intervenção adequada às necessidades da escola atual.

Por sua vez, Mesquita (2015) refere que a formação deve assentar:

“numa preparação científica, técnica e pedagógica, baseada na investigação e indagação, centrada na aquisição de competências para mobilizar conhecimentos em

contexto (seja este organizacional e/ou situacional), bem como em atitudes e capacidades para análise de cada situação específica. Deve ainda centrar-se na construção da autonomia, partindo de uma perspetiva reflexiva, e não como um mero técnico aplicador de práticas institucionalizadas” (p.297)