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Modelos de Ensino Religioso

No documento O ENSINO RELIGIOSO E A PRÁTICA ESCOLAR (páginas 113-117)

Capítulo IV: Ensino Religioso e a base epistemológica

4. Modelos de Ensino Religioso

Na perspectiva de Soares (2010, p. 118) “o Ensino Religioso é o resultado da transposição didática do conhecimento produzido pela Ciência da Religião para as aulas do ensino público fundamental e médio.” A questão, segundo o mesmo autor, está na dificuldade de encontrar a justa medida entre o tipo de conhecimento adquirido sobre a experiência religiosa da humanidade e os meios para apresentá-la aos escolares. Soares aponta para a tensão constante entre o direito ao exercício do Ensino Religioso em nome do princípio da liberdade religiosa, defendido constitucionalmente, e o da laicidade do Estado, que deve isentar-se de qualquer opção por determinado segmento religioso.

Nesse sentido, relembramos Passos (2007, p. 50) ao afirmar que:

A variedade de práticas construídas não rompeu com o impasse básico que tem impedido o ER de ser dirigido pela escola, enquanto reprodutora da comunidade científica e das políticas educacionais do próprio Estado. Todos os esforços realizados no sentido de se construir uma prática coerente dessa disciplina gravitou sempre em torno da questão da confessionalidade religiosa e da laicidade do Estado.

As contribuições críticas têm ainda mais sentido quando confrontadas com a nossa pesquisa empírica, pois observamos o dilema imposto pela Capelania Escolar. Por outro lado, há que ser considerada a necessidade ou a tentativa de superação de tal impasse político-educacional. Nessa linha, Passos (2007, p. 50) fez uma abordagem construtiva sobre três modelos de Ensino Religioso que “visa a captar de maneira sintética essas práticas construídas ao longo da história e, ao mesmo tempo, desfazer esse ciclo de retorno permanente do igual: o vínculo do ER com a confessionalidade.”

22 Ibidem

Os três modelos sugeridos pelo autor – o catequético, o teológico e o das Ciências da Religião – não são únicos; segundo o entendimento dado, pode haver outros e ainda uma composição dos três.

O modelo catequético está diretamente ligado às práticas de transmissão de princípios de fé, doutrinas e dogmas constitutivos de denominações religiosas. Tem a finalidade voltada à formação segundo os parâmetros confessionais para o fortalecimento da comunidade de seguidores. Ao longo da história do cristianismo, Passos destaca a diferença desse modelo na Idade Média e, depois, no advento da modernidade.

No primeiro deles, “a estratégia proselitista”, pois transcendia os limites das comunidades religiosas, não era propriamente um problema, mas estava sustentada culturalmente, de alto a baixo, pelos princípios doutrinais cristãos. Já com o advento da modernidade, no qual se fez a reforma protestante, a catequese passa a ter cada vez mais um aspecto racional e apologético, já que se colocava na defesa da verdade, entre as próprias Igrejas cristãs ou entre essas e a razão autônoma formada na sociedade moderna. (Cf. PASSOS, 2007, p. 56).

Mesmo com variações, “a catequese era vista como instrução, como uma prática escolar voltada para a formação das ideias corretas, em oposição às ideias falsas.” (PASSOS, 2007, p. 56-57). Essa posição, de acordo com o autor, alcança o interior das escolas confessionais e públicas, como motivação espiritual, como base teórica e como estratégia metodológica para o Ensino Religioso. Atualmente, há distinção entre catequese e Ensino Religioso, mas observa-se a influência da concepção catequética no âmbito escolar, ocasionada em parte pelas diversas igrejas e pela própria Igreja Católica Apostólica Romana. (Cf. PASSOS, 2007, p. 57).

Sob esse entendimento, o conteúdo do Ensino Religioso fica a critério das denominações religiosas. PASSOS (2007, p. 59) afirma que “a pedagogia tradicional tece afinidades metodológicas com esse modelo, enquanto ensino de conteúdos prefixados mediante estratégias didáticas bancárias e posturas autoritárias”. Ainda que o Ensino Religioso esteja relegado ao plano inferior na rede pública municipal de ensino fundamental de Mogi Guaçu, nota-se a imposição da Capelania Escolar sobre a secretaria municipal de educação que sequer obteve participação direta em sua elaboração ideológica ou legal; mas, ainda assim, alia-se a ela para o desenvolvimento do Ensino Religioso.

O modelo teológico distingue-se em vários aspectos. Inicialmente, pela própria referência ao termo ‘teológico’, adotado porque se trata de uma concepção de Ensino Religioso fundamentada em justificativa universal para a religião, enquanto dimensão do ser humano e um valor a ser educado. Daí, a exigência da educação religiosa requerida por setores da sociedade, entre os quais, está a Igreja Católica Apostólica Romana, mais especificamente a partir do Concílio Vaticano II, com a Declaração

Gravissimum Educationis. Desse período em diante, tal modelo esteve presente nas instituições escolares.

Trata-se de um modelo moderno, na medida em que promove a discussão entre as questões religiosas e as demais disciplinas das instituições de ensino e pelo esforço na promoção do respeito e do diálogo entre as religiões, com vistas ao ecumenismo. Nesse modelo, a religião está na base da formação integral do ser humano. O que tem sido motivo de preocupação diz respeito à sua condução no âmbito escolar, uma vez que está conectado às crenças religiosas. Por isso, há riscos de continuidade do modelo catequético no bojo do discurso ecumênico. (Cf. PASSOS, 2007, p. 60-61).

O modelo das Ciências da Religião caracteriza-se, entre outros aspectos, pelo rompimento com os dois modelos anteriores, tendo em vista a autonomia epistemológica e pedagógica do Ensino Religioso, nos seguintes âmbitos: da comunidade científica, dos sistemas de ensino e da própria unidade escolar. Muito nos interessa o estudo desse modelo, pouco explicitado, embora embutido em muitas recomendações de fundamentação desse ensino, como no caso da proposta do FONAPER. (Cf. PASSOS, 2007, p. 65).

Há algumas ponderações importantes, para a melhor compreensão do assunto: uma, diz respeito à necessidade de distanciamento de uma educação religiosa como direito do cidadão, portanto, uma prerrogativa sob o apoio do Estado; a outra refere-se à adoção da religiosidade, considerada inerente ao ser humano, como um elemento a ser aprofundado pela ação educativa; e, finalmente, dar à dimensão religiosa o valor último a ser conquistado no processo educativo. Ressalta-se que nenhuma delas está sob a ótica de assentamento das Ciências da Religião. Nesse campo, a religiosidade e a educação são reconhecidas “como dados antropológicos e socioculturais que devem ser abordados no conjunto das demais disciplinas escolares por razões cognitivas e pedagógicas”. (PASSOS, 2007, p. 65).

Observa-se, então, que o primeiro modelo de Ensino Religioso tem como meta a confissão de fé do indivíduo, aprimorada pela catequese; e, no segundo modelo, a meta

está na dimensão antropológica, aprimorada pela educação religiosa. A visão dos três modelos de forma esquematizada permitirá mais distinções entre eles.

Os modelos de Ensino Religioso estão didaticamente expostos no esquema proposto por Passos, conforme os aspectos de cada um deles.

O Modelo Catequético Cosmovisão Unirreligiosa

Contexto político Aliança Igreja-Estado Fonte Conteúdos doutrinais

Método Doutrinação

Afinidade Escola tradicional Objetivo Expansão das Igrejas Responsabilidade Confissões religiosas Riscos Proselitismo e intolerância

Segundo Passos (2007, p. 59): “O lugar vital desse modelo é a busca de hegemonia por parte das confissões religiosas na sociedade moderna, intentando reproduzir para seu externo os conteúdos e métodos de sua ação pedagógica interna.”

O Modelo Teológico Cosmovisão Plurirreligiosa

Contexto político Sociedade secularizada

Fonte Antropologia, teologia do pluralismo

Método Indução

Afinidade Escola nova

Objetivo Formação religiosa dos cidadãos Responsabilidade Confissões religiosas

Riscos Catequese disfarçada

Este modelo “sustenta-se na ideia da educação da religiosidade como um valor antropológico, sendo que a dimensão transcendente marca o ser humano na sua profundidade, independentemente de sua confissão explícita de fé”. (PASSOS, 2007, p. 64).

O Modelo das Ciências da Religião Cosmovisão Transreligiosa

Contexto político Sociedade secularizada Fonte Ciências da Religião

Método Indução

Afinidade Epistemologia atual Objetivo Educação do cidadão

Responsabilidade Comunidade científica e do Estado Riscos Neutralidade científica

“As Ciências da Religião podem oferecer base teórica e metodológica para a abordagem da dimensão religiosa em seus diversos aspectos e manifestações, articulando-se de forma integrada com a discussão sobre a educação.” (PASSOS, 2007, p. 65).

O desafio lançado é pensar um modelo de Ensino Religioso que supere o referido impasse confessional, no qual cada denominação religiosa disputa espaço para a doutrinação de escolares segundo a área de influência. O esforço de construir tipologias serve apenas como referência para facilitar a visualização e a análise do que vem sendo feito na prática cotidiana. São mais tendências do que limitações cabais. Ademais, os modelos sugeridos por Passos concentram-se mais nos fundamentos que deveriam sustentar o exercício do Ensino Religioso. (Cf. SOARES, 2010 p. 119-121).

Nesse sentido, ressalta-se a necessidade de estudo sobre as questões envolvidas na implantação do último modelo sugerido.

No documento O ENSINO RELIGIOSO E A PRÁTICA ESCOLAR (páginas 113-117)

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