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3.3 Elasticidades Endógenas

3.3.2 Modelos na Linha BPCG

Os modelos de crescimento de tradição kaleckiana, como os citados na seção anterior, na medida em que introduzem uma regra explícita para a relação entre o câmbio e o produto de longo prazo, apresentam grande vantagem relativamente aos modelos BPCG até então estudados. Não obstante, as dimensões setoriais do crescimento tendem a ser ignoradas nesta tradição kaleckiana (RAZMI, RAPETTI E SKOTT, 2009). Em outras palavras, os testes baseados nesta estrutura desconsideram os efeitos do câmbio sobre a distribuição setorial da renda na economia.

Por outro lado, os modelos da tradição BPCG compartilham uma clara vinculação do crescimento com a estrutura produtiva de um país (representada pelas elasticidades-renda da demanda), muito embora a excessiva simplificação das condições do modelo torne este arcabouço pouco interessante para o estudo dos efeitos cambiais na estrutura produtiva da economia. É neste sentido que alguns trabalhos buscaram romper com a hipótese de exogeneidade das elasticidades dentro da BPCG, viabilizando novas possibilidades de análise.

Baseando-se na concepção kaldoriana do crescimento como um processo histórico e não de equilíbrio, McCombie e Roberts (2002), por exemplo, propuseram um modelo de restrição externa no qual há uma espécie de histerese nas elasticidades. Especificamente, os autores propuseram um modelo onde as elasticidades-renda da demanda são uma função não linear da taxa de crescimento passada (condição suficiente para romper com as características de equilíbrio do modelo padrão).

Dada a nova especificação do modelo, a razão das elasticidades em um dado ponto de tempo pode ser escrita da seguinte forma:

(13) (L M) N0 NO(P N10)N10, N0,O > 0

Onde N0, NO e P são constantes. Para os autores, taxas elevadas de crescimento passadas têm um impacto negativo sobre as elasticidades-renda da demanda na medida em que promovem o fenômeno do lock-in na estrutura produtiva, que precisaria estar em constante mutação de forma a atender o movimento da demanda mundial ao longo do tempo, mas é estimulada a permanecer estática pelos altos lucros. Taxas baixas de crescimento anterior, por sua vez, geram um clamor por mudanças e reformas estruturais, impactando positivamente as elasticidades. Tal aspecto está refletido na equação, já que para valores mais baixos da taxa de crescimento passada, a razão das elasticidades é decrescente, e para valores mais elevados da taxa de crescimento da renda anterior, a razão é crescente.

Assumindo-se alguns valores para as constantes e substituindo-se a equação (13) na Lei de Thirlwall, obtemos a taxa de crescimento de longo prazo compatível com o equilíbrio no BP, dado a taxa de crescimento passada. Tal especificação, apesar de rudimentar (os próprios autores reconhecem que esta é apenas uma sugestão para orientar pesquisas futuras) traz uma mensagem forte: a história importa! (history mathers) e há dependência de trajetória (path dependence). Ora, apesar de os autores não tratarem especificamente desse ponto, tendo em vista a influência da taxa de câmbio sobre a taxa de crescimento do produto no

curto prazo (i.e; mesmo que se assuma a PPC), pode-se concluir que haverá, ainda que indiretamente, um papel de longo prazo para a taxa de câmbio real no produto da economia, na medida em que esta influenciará na estrutura produtiva resultante e assim nas elasticidades-renda da demanda.

Há outras formulações alternativas. Palley (2002), por exemplo, ao considerar insatisfatório o papel dado às variáveis de oferta no modelo de restrição externa, torna a elasticidade-renda da demanda por importações uma função do excesso de capacidade na economia. Sua formulação leva em consideração uma função de crescimento potencial da economia, que deve ser resolvida juntamente com a de crescimento efetivo. Mais uma vez, embora a taxa de crescimento da economia sob restrição externa seja dada pelos tradicionais fatores, dado que o grau de utilização da capacidade produtiva é impactado ao longo da trajetória de crescimento, os fatores que afetam o produto e sua taxa de crescimento no curto prazo podem induzir modificações em seus valores de steady state.

Em um trabalho que combina elementos da literatura neo-schumpeteriana e estruturalista em um arcabouço de crescimento com restrição externa a la Thirlwall (1979), Missio e Jayme Jr. (2010) modelaram a relação entre câmbio, restrição externa e crescimento econômico a partir de uma estrutura formal que considera duas regiões, uma desenvolvida e outra em desenvolvimento, que interagem via comércio internacional. Baseados na ideia defendida em Jayme Jr. e Resende (2009) de que o progresso técnico (endógeno) altera as elasticidades, o modelo propõe que para a região em desenvolvimento a elasticidade-renda da demanda por exportações é determinada pelas variações cambiais, via efeito sobre a inovação. Especificamente, admitia-se que a economia em desenvolvimento estava sujeita à restrição externa e que esta é afetada por políticas cambiais, na medida em que variações nessas políticas alteram a distribuição funcional da renda (mecanismo a la Bhaduri e Marglin) e, com isso, as decisões planejadas dos gastos em inovação das empresas. Isso permite, então, mostrar como variações na política cambial exercem papel relevante no crescimento econômico, sobretudo mediante sua capacidade de indução de mudanças estruturais que, em muitas abordagens, passam despercebidas.

A hipótese implícita no modelo dos autores é a de que a desvalorização tem efeitos sobre o crescimento do produto tanto (i) diretos, no curto-prazo, via demanda; como (ii) indiretos, a longo prazo, via inovação. Dado que variações na política cambial alteram a distribuição funcional da renda e, com isso, a decisão planejada dos gastos em inovação das empresas, a condução dessa política assume importante papel de longo prazo, pois permite mudanças estruturais na economia (mudança nas elasticidades). Sendo assim, a manutenção de um câmbio desvalorizado, ao estimular o progresso técnico em países em desenvolvimento, permite avançar na industrialização para setores mais complexos e de maior conteúdo tecnológico, o que atua no sentido de relaxar a restrição externa ou de diminuir a transferência de renda para o exterior.

Relativamente ao modelo de benchmark dos autores, onde as elasticidades são exógenas, foi possível observar grandes divergências nos resultados. No caso das elasticidades exógenas, mostrou-se que uma política cambial é inócua no longo prazo, pois sempre existe a possibilidade de que um grupo de países adote uma política de retaliação. Por outro lado, considerando-se a endogeneidade das elasticidades, uma política de desvalorização cambial por parte dos países em desenvolvimento tem efeitos positivos sobre sua restrição externa e efeitos ambíguos para os países desenvolvidos. Nesse caso, faz-se duas observações: (i) a partir de uma política de desvalorização cambial é possível obter – para os países em desenvolvimento – uma maior taxa de crescimento compatível com o equilíbrio do Balanço de Pagamentos; (ii) não há incentivo para os países desenvolvidos adotarem uma política de desvalorização cambial (MISSIO E JAYME JR., 2010).

Por fim, cumpre observar que a política cambial pode ser eficaz no longo prazo sem que necessariamente a taxa de câmbio real tenha que se desvalorizar continuamente, como defendido em outros trabalhos dessa literatura. Na análise, o importante é que a taxa de câmbio permaneça desvalorizada por um intervalo de tempo capaz de aumentar os lucros das empresas de forma a induzi-las a investir em tecnologia. Nesse caso, é possível imaginar uma situação em que a taxa de câmbio retorne ao seu ponto original e mesmo assim observar que os

efeitos positivos perduraram no longo prazo, dado que o padrão tecnológico vigente (dessa economia) foi alterado.

Catela e Porcile (2010) em um trabalho onde buscam avaliar os efeitos da especialização produtiva e comercial sobre o crescimento econômico, também formulam um modelo norte-sul baseado na estrutura básica de Thirlwall (1979), onde a razão das elasticidades-renda da demanda por exportações e importações é colocada como função da eficiência Shumpeteriana (S) e Keynesiana (K) do padrão de especialização. O modelo permite que K e S interajam no tempo de forma que, endogenamente, produzam diferentes trajetórias de crescimento e

catching-up na economia internacional.

Em termos formais, partindo da equação final do modelo original de restrição externa (14), e assumindo-se que a elasticidade-renda das importações é constante, temos: (14) ∗=(0)-)R)(SB1SD1T) K + JU K (15) ∗=(0)-)R)(SKB1SD1T)+2KV +WKX +YK (16) ∗=2KV +WKX +YK

Onde , Z e [ são os coeficientes para as variáveis K, S e z, respectivamente. A eficiência keynesiana (K) capta os efeitos diretos do lado da demanda a partir das exportações e é representada pela participação no total de exportações do país daqueles setores que a demanda internacional cresce a uma taxa superior à média mundial. O conceito de eficiência schumpeteriana (S), por sua vez, mede a habilidade de cada país a dinamicamente se ajustar à evolução da demanda e tecnologia, assim como sequencialmente alterar sua estrutura produtiva em direção a setores na qual a demanda cresce mais rapidamente.

Técnicas econométricas são, por fim, utilizadas pelos autores para estimar os coeficientes do modelo de restrição externa proposto. Os resultados são significativos e robustos para ambos os indicadores utilizados, de forma que os

autores concluem que o modelo traz uma grande contribuição para a literatura no tema, ao permitir “abrir a caixa-preta das elasticidades” (CATELA E PORCILE, 2010).

Uma maneira ligeiramente diferente de tornar as elasticidades endógenas, além de permitir uma análise estrutural das suas mudanças, é ampliar o modelo de Thirlwall para um contexto multissetorial. Neste caso, mesmo que se assuma as elasticidades-renda da demanda de cada setor da economia como constantes no tempo, a composição setorial da estrutura produtiva e padrão de especialização do país torna as elasticidades agregadas endógenas. É este modelo38 que a próxima seção procura enfocar dando destaque para a relação entre a taxa de câmbio real a estrutura produtiva de um país.

3.4 O Modelo Multissetorial de Crescimento Sob Restrição Externa e a