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Modelos de negócio em reinvenção

Conciliar a produção das edições impressas e a alimentação constante do site e das redes sociais provoca mudanças profundas na rotina das redações. Da mesma forma, os padrões de consumo e leitura estabelecidos na era digital alteram toda a cadeia de produção, circulação e consumo das revistas, bem como os produtos em si. Em 2017, estive presente em dois eventos que, de maneira direta ou indireta, refletiram sobre esse assunto. Foram eles: o debate A importância da crítica cultural na atualidade32– que voltarei a abordar no terceiro capítulo (item 3.3) –, realizado em julho, no Espaço Revista CULT, em São Paulo;

32 O debate, realizado em 4 de julho de 2017, fez parte das comemorações de 20 anos da revista CULT, contando

com a participação de Paulo Werneck, editor da revista Quatro Cinco Um; Angélica de Moraes, jornalista e crítica de arte; Manuel da Costa Pinto, jornalista, crítico literário e fundador da CULT; Rejane Dias, diretora do Grupo Autêntica; Ruy Braga, professor do departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP); e Úrsula Passos, editora-assistente do caderno Ilustríssima, do jornal Folha de S.Paulo. A mediação foi de Welington Andrade, editor da CULT.

e a mesa-redonda Livros em Revista: um panorama33, realizada em novembro, no Sesc Bom Retiro, também em São Paulo.

Figura 11: Registro do debate A importância da crítica cultural na atualidade

Crédito: Beatriz Guimarães de Carvalho (julho de 2017)

Legenda: Paulo Werneck, editor da revista Quatro Cinco Um; Ruy Braga, professor do

departamento de Sociologia da USP; e Úrsula Passos, editora-assistente do caderno Ilustríssima, da

Folha de S.Paulo.

33 A mesa-redonda integrou a programação do seminário Livros em Revista, realizado em 29 e 30 de novembro

de 2017 pela revista Quatro Cinco Um em parceria com o Sesc São Paulo. O evento reuniu críticos, editores e leitores de revistas culturais e literárias. A mesa citada contou com a participação de cinco editores de publicações culturais e literárias: Mirna Queiroz, da revista Pessoa; Schneider Carneggiani, do Suplemento

Pernambuco; Rogério Pereira, do jornal Rascunho; Daysi Bregantini, da CULT; e Bárbara Bulhosa, da Granta Brasil-Portugal. A mediação foi da crítica literária Rita Palmeira.

Figura 12: Registro da mesa-redonda Livros em Revista: um panorama

Crédito: Beatriz Guimarães de Carvalho (novembro de 2017)

Legenda: Os editores Bárbara Bulhosa, da revista Granta Brasil-Portugal; Daysi Bregantini, da CULT; Rogério Pereira, do jornal Rascunho; Schneider Carneggiani, do Suplemento Pernambuco;

e Mirna Queiroz, da revista Pessoa; com mediação da crítica literária Rita Palmeira.

Ainda que tenham se voltado especificamente ao jornalismo de cultura e literatura, ambas as discussões forneceram materiais relevantes para se pensar o modelo de negócio e a produção de revistas na era digital, visto que, juntos, os eventos reuniram sete editores de diferentes revistas34: Paulo Werneck, da Quatro Cinco Um; Welington Andrade e Daysi Bregantini, da CULT; Mirna Queiroz, da Pessoa (online); Schneider Carneggiani, do Suplemento Pernambuco; Rogério Pereira, do Rascunho; e Bárbara Bulhosa, da Granta Brasil-Portugal. Em suas falas, todos eles mencionaram fatores que dificultam a permanência dessas publicações no atual cenário, com destaque para os desafios na arrecadação de recursos e na distribuição dos produtos impressos e digitais. A preocupação é maior, obviamente, entre as iniciativas mantidas de maneira independente, ou seja, sem o amparo de grandes empresas editoriais ou leis de incentivo governamentais.

Até o final do século XX, as revistas eram financiadas majoritariamente pelos anúncios publicitários que circulavam estampados em suas páginas e, em menor medida, pelo valor resultante das assinaturas e vendas em bancas. Com a popularização da internet, ambas as estratégias de arrecadação têm sido ameaçadas. Isso porque, em primeiro lugar, a

34 Apesar de Rascunho e Suplemento Pernambuco se autodenominarem jornais, classifico-os aqui como

revistas, já que possuem periodicidade mensal e segmentação temática, produzindo um jornalismo mais aproximado à tradição das revistas.

web tem se tornado uma plataforma de divulgação mais abrangente e econômica para empresas e instituições (ALVES, 2006), o que faz com que muitos anunciantes prefiram exibir suas publicidades no meio digital, seja colocando banners em portais de grande audiência ou disseminando postagens publicitárias em redes sociais como Facebook e Instagram. Em segundo lugar, os índices de vendas de produtos impressos têm sofrido quedas35 ano a ano, visto que a internet vem se tornando uma fonte primordial de informação. Um reflexo disso é o processo de “enxugamento” pelo qual o Grupo Abril, maior editora de revistas do Brasil, vem passando. Em agosto de 2018, a empresa anunciou o encerramento de títulos como Elle, Cosmopolitan, Casa Claudia e Boa Forma, além da demissão de 800 funcionários36. Poucos meses depois, em dezembro de 2018, os jornais noticiaram que o Grupo Abril estava sendo comprado por um empresário pelo valor simbólico de R$ 100 mil, acompanhando uma dívida de R$ 1,6 bilhão37.

Para se sustentarem na atualidade, as revistas precisam repensar e reinventar seus mecanismos de arrecadação. Algumas das estratégias empregadas são: “alugar” espaços para propaganda em seus sites; oferecer conteúdo publieditorial38 (publiposts) em suas redes sociais; criar modalidades de assinatura digital; e desenvolver sistemas de micropagamento, em que o leitor-internauta pode pagar por artigos avulsos. A estratégia de micropagamento ainda é pouco utilizada no Brasil. Um dos raros exemplos é o da revista Pessoa, que deixou de produzir edições impressas e hoje atua apenas na internet, sustentando-se por meio de assinaturas (mensais, semestrais ou anuais) e micropagamentos de R$0,99 por texto.

Para a editora da publicação, Mirna Queiroz, o meio digital possibilita a difusão sem fronteiras geográficas, por outro lado, instaura uma “cultura da gratuidade”, ou seja, uma crença de que todo produto digital deva ser disponibilizado gratuitamente (informação verbal39). Com isso, surge a dificuldade de fazer com que o consumidor aceite pagar pela visualização do conteúdo online em meio a uma percepção de que apenas possui valor

35 Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o volume de vendas (comércio

varejista) referente à categoria de Livros, jornais, revistas e papelaria caiu 16,5% se comparados setembro de 2017 com setembro de 2018: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia- de-noticias/releases/23007-em-setembro-vendas-no-varejo-caem-1-3>. Acesso em 10.12.2018.

36 Disponível em <https://economia.estadao.com.br/noticias/negocios,editora-abril-anuncia-fechamento-de-

titulos-e-demissoes,70002434015>. Acesso em 23.09.2018.

37 Disponível em https://exame.abril.com.br/negocios/fabio-carvalho-fecha-acordo-para-aquisicao-do-grupo-

abril/. Acesso em 23.12.2018.

38 Conteúdo financiado por empresas com o objetivo de divulgar determinado produto. Geralmente leva-se em

conta o perfil editorial e o público-alvo do veículo em que o material será disseminado.

39 Fala proferida durante a mesa-redonda Livros em Revista: um panorama, em 29 de novembro de 2017, no

monetário aquilo que é físico, que se pode pegar, guardar e reutilizar. Contraditoriamente, essa “cultura da gratuidade” também faz com que os leitores-internautas adquiram cada vez menos revistas e jornais impressos, visto que a internet já lhes oferece acesso livre a variadas fontes de conhecimento e informação.

Uma estratégia de arrecadação que tem ganhado popularidade, especialmente entre as publicações independentes, é o financiamento coletivo ou crowdfunding, que recolhe, via internet, doações de pessoas físicas ou jurídicas interessadas em apoiar a iniciativa. O jornal Rascunho é um dos projetos que têm feito uso dessa ferramenta no Brasil. Apesar de alcançar popularidade nas redes sociais, as campanhas de financiamento coletivo em geral arrecadam quantias capazes de sustentar poucos meses de atividades, de modo a amenizar apenas temporariamente a instabilidade econômica dos veículos de comunicação. Outra possibilidade, apesar de igualmente inconstante na realidade brasileira, é pleitear auxílio aos órgãos governamentais por meio de leis de incentivo – volto a tratar deste assunto no item 2.2 – ou de parcerias com governos municipais e estaduais, como faz Suplemento Pernambuco, revista cultural financiada pelo governo estadual pernambucano.

Ao mesmo tempo em que precisam repensar e reinventar seus mecanismos de arrecadação, as revistas se veem obrigadas a rever, também, suas formas de circulação – no papel e nas telas – no cenário contemporâneo. Apesar de serem por vezes reconhecidas como canais democráticos e eficazes para a disseminação de notícias e outros tipos de conteúdo, as redes sociais operam sob o comando de grandes conglomerados de mídia e são conduzidas conforme os interesses dessas corporações. No Facebook, uma das principais vias de divulgação para veículos de comunicação, a distribuição das postagens é guiada por algoritmos que determinam quem verá o que. Os jornais, revistas e sites jornalísticos que desejam ampliar o alcance de suas publicações têm de recorrer aos chamados posts patrocinados e impulsionamentos, em que o valor pago determina o sucesso do conteúdo. As perspectivas tampouco são favoráveis quanto se trata da distribuição das revistas impressas. De acordo com os editores Daysi Bregantini, da CULT, Schneider Carneggiani, do Suplemento Pernambuco, e Rogério Pereira, do Rascunho, as publicações brasileiras enfrentam problemas para chegar aos pontos de venda, em virtude do alto custo dos serviços privados de distribuição40, e aos assinantes, devido à precariedade do sistema de envio de correspondências dos Correios, que está sujeito a atrasos, greves e danificação

de exemplares (informação verbal41). Outros agravantes, segundo esses editores, são a escassez de bancas e livrarias no país e os prejuízos causados pelo mecanismo de venda consignada – em que o estabelecimento só paga por aquilo que vender – adotado nesses pontos de venda, que faz com que as editoras demorem a ter acesso ao rendimento das vendas e, consequentemente, tenham seus funcionamentos prejudicados.

A busca por estratégias de arrecadação e circulação eficientes e adequadas à era digital torna-se mais urgente à medida em que se elevam os custos de produção das revistas impressas. No fim de cada mês, somam-se na conta os salários dos funcionários, as ações de marketing e publicidade, a gráfica, o papel, o aluguel e a manutenção da plataforma digital, sem contar os custos com a distribuidora, os envios via Correios, a porcentagem de lucro das bancas e livrarias, entre outros gastos. No instável cenário atual, a produção torna-se mais precária e, as equipes das redações, mais enxutas.

Chegando à esfera do consumo, a ponta final da cadeia das revistas, é necessário considerar barreiras de difícil superação no contexto brasileiro. Entre todos os problemas enfrentados no ciclo de vida das revistas nacionais, aqueles que se localizam no plano do consumo talvez sejam os de mais complexa resolução, posto que envolvem uma trama de questões de ordem social, cultural, econômica e educacional. Apesar dos avanços, o Brasil ainda tem 27% de analfabetos funcionais42 em sua população. Além disso, apenas 59% dos domicílios possuem acesso à internet43, sendo que, mais do que acesso, navegar na web requer habilidades específicas, demanda um letramento digital.

Por fim, vemos que as transformações em curso nesta era impactam fortemente o modelo de negócio das revistas e todas as etapas de seu ciclo de vida, bem como as particularidades do ser revista. Na fase de produção, o jornalismo de revista atravessa e assimila os entrecruzamentos entre impresso e digital, gerando um produto híbrido em forma e conteúdo. Nas etapas de circulação e consumo, surge a necessidade de repensar e reinventar as fontes de arrecadação e as formas de distribuição dos produtos, ainda sem soluções ou

41 Queixa presente nas falas dos editores Daysi Bregantini, da CULT, Schneider Carneggiani, do Suplemento Pernambuco, e Rogério Pereira, do Rascunho, durante a mesa-redonda Livros em Revista: um panorama, em

29 de novembro de 2017, no Sesc Bom Retiro, em São Paulo.

42 Dados do indicador de Alfabetismo Funcional (INAF) de 2015, disponível em <http://ipm.org.br/relatorios>.

Acesso em 30.06.2018.

43 Dados da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) divulgados na

reportagem Relatório aponta Brasil como quarto país em número de usuários de internet, publicada pela

Agência Brasil (online) em 3 de outubro de 2017. Disponível em

<http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2017-10/relatorio-aponta-brasil-como-quarto-pais-em-numero- de-usuarios-de-internet>. Acesso em 30.06.2018.

respostas definitivas. No campo do consumo, entram em cena impasses estruturais cuja resolução está além do alcance de decisões editoriais ou administrativas. São questões que seguem presentes no restante deste trabalho. Agora, estreito o foco das discussões para chegar especificamente às revistas de cultura, rumo ao objeto desta pesquisa.

CAPÍTULO 2: REVISTAS DE CULTURA: TEMPO E ESPAÇO