Capítulo 2: Bases Teóricas
2.10. Modelos de Solvatação
Grande parte da Química, incluindo reações sintéticas, e toda a Bioquímica, ocorre em fase líquida. Há muito tempo sabe-se que o solvente afeta não só a velocidade das reações, mas também pode mudar completamente o produto de uma reação (Pliego Jr., 2006).
Nas últimas décadas, com o forte desenvolvimento dos cálculos de estrutura eletrônica ab initio, tornou-se possível investigar uma série de propriedades moleculares de interesse para o químico por primeiros princípios (Cramer, 2004; Dias, 1982; Levine, 1991; Morgon, 2007).
Durante as décadas de 70 e 80, grandes avanços foram feitos para descrever moléculas em fase gasosa. Também desta época datam os esforços pioneiros para descrever a solvatação por modelagem computacional. Entretanto, foi na década de 90 que houve um forte crescimento na atividade de pesquisa de modelos para descrever o efeito do solvente (Gao, 1996; Day, 1996; Levy, 1998; Li, 1998), e este esforço prossegue em nossos dias (Asthagiri, 2003; Huang, 2002; Tomasi, 2002; Zacharias, 2003).
De fato, o interesse na modelagem computacional do fenômeno de solvatação extrapola as aplicações em química sintética, atingindo outras áreas de enorme importância, como bioquímica e desenvolvimento de fármacos.
Para uma descrição do efeito do solvente, é necessário primeiramente definir um parâmetro que represente o grau de interação soluto-solvente. Também é importante que esta propriedade se relacione de forma clara com o potencial químico do soluto. A definição que melhor descreve a interação soluto-solvente foi proposta por Ben-Naim, sendo chamada simplesmente de energia livre de solvatação. A energia livre de solvatação é uma medida da afinidade do soluto com o solvente e pode ser determinada diretamente por medidas experimentais para espécies neutras e calculada pela energia de interação entre o dielétrico, representado pelas cargas de polarização de superfície, e a distribuição de carga da molécula (Pliego, 2006).
Entre as abordagens que têm se destacado para descrever a termodinâmica de solvatação, os modelos em que o solvente é descrito como um contínuo dielétrico têm sido os mais utilizados (Tomasi, 2002). Neste tipo de modelo o solvente é descrito em termos de suas propriedades macroscópicas, através de um contínuo dielétrico
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caracterizado por sua constante dielétrica. A polarização do solvente é expressa em termos de densidade de superfície de carga sobre a cavidade, os termos de dispersão/repulsão e cavitação são adicionados separadamente ou ignorados.
Um modelo simples que nos possibilita entender a energia livre de solvatação em um contínuo dielétrico é modelo de Born. Uma característica importante deste modelo é fornecer informações quantitativas sobre como a energia livre de solvatação varia com a carga, o raio da cavidade e a constante dielétrica do meio. Consiste em uma carga pontual no centro de uma esfera de raio r (Pliego, 2006).
No modelo de Born, a energia livre de solvatação é dada por:
(2.79)
onde k é a constante dielétrica.
Mesmo parecendo, à primeira vista, uma aproximação um tanto limitada, a facilidade de utilização, disponibilidade e relativo sucesso dos modelos contínuo dielétricos, fez com que se tornassem métodos bastante populares. Além disso, continuam os esforços de pesquisa envolvendo tanto o desenvolvimento do algoritmo computacional como a parametrização destes modelos para diferentes solventes (Curutchet, 2001; Fu, 2004; Pliego Jr., 2002b).
Os modelos contínuos não são a única forma de descrever o efeito do solvente. A abordagem mais rigorosa é a simulação computacional de líquidos (Levy, 1998; Kollman, 1993), onde moléculas do solvente interagem explicitamente com o soluto, permitindo o tratamento de uma série de problemas de química em fase líquida.
Durante vários anos, a interação soluto-solvente tem sido tratada por potenciais intermoleculares analíticos. Em anos mais recentes, tratamentos totalmente quanto- mecânico da interação soluto-solvente e solvente-solvente foram introduzidos e seu uso vem crescendo rapidamente.
Entretanto, isto não elimina a utilidade dos modelos contínuos, cuja maior vantagem é o custo computacional mais baixo. Além disso, tem sido mostrado recentemente que modelos puramente contínuos são capazes de descrever reações ânion-molécula em solventes apróticos com um erro de poucas kcal.mol-1 (Rocha,
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Na realidade, mesmo em solventes próticos, onde há fortes interações soluto- solvente, e no caso de solutos iônicos, é possível o uso de modelos híbridos para se obter bons resultados. Nesta abordagem, umas poucas e selecionadas moléculas do solvente são adicionas ao soluto, formando um cluster, e o sistema todo é solvatado pelo contínuo dielétrico. Foi mostrado que este método consegue atingir um alto grau de precisão na descrição de reações em fase líquida (Pliego Jr., 2002a; Pliego Jr., 2002c).
No modelo contínuo dielétrico, o processo de solvatação pode ser descrito em três etapas conforme mostrado na Figura 2.1. Primeiro é criada a cavidade, que indica uma simulação das moléculas de solvente presentes em torno da molécula de soluto, posteriormente são avaliadas as forças de dispersão e repulsão dentro da cavidade criada e por fim as forças eletrostáticas.
Figura 2.1. Descrição de um modelo contínuo dielétrico.
Assim, a energia envolvida no processo de solvatação será dada pela soma das energias da cavidade, a energia de dispersão/repulsão e a energia eletrônica como dado na Equação 2.80.
(2.80)
O modelo de contínuo dielétrico mais usado é o PCM (“Polarized Continuum
Model”). Nesse modelo, a cavidade é construída levando-se em conta uma dimensão realística molecular, intercalando as esferas em torno de cada átomo ou grupo. As cargas induzidas na superfície representam a polarização do solvente, além disso, esse modelo inclui contribuições da energia livre para formação da cavidade levando em conta dispersão/repulsão (Cancès, 1997; Tomasi, 1994).
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A inclusão de um maior cuidado relativo às correções de carga externa no modelo gerou o IEFPCM (“Integral Equation Formalism of PCM”) que é menos sensível à distribuição difusa de cargas no soluto, assim sendo seu uso tem sido mais difundido por apresentar sucesso na resolução de um número maior de problemas envolvendo solvatação (Tomasi, 2005).
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