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O exercício do trabalho docente21 existe desde a Antiguidade e, assim, antecede à existência de cursos de preparação de professores, como profissão e/ou profissional do ensino em instituições específicas para tal fim. Contudo, a percepção da necessidade de se formar esses profissionais surgiu desde o século XVI em países da Europa. Nos dois séculos seguintes, deram-se as primeiras tentativas de implantá-los. Entretanto, a concretização desse processo ocorreu a partir do século XIX, com a criação dos cursos normais nas escolas públicas estatais que foram se organizando no contexto da modernidade.

21 “Etimologicamente, docência significa ação de ensinar, está vinculado ao radical do verto latino docere, cujo

A modernidade é tomada aqui, a partir de uma concepção bem simplificada, apresentada por Giddens (1991, p. 11), que a define como “[...] estilo de vida, costume de vida ou organização social que emergiram na Europa a partir do século XVII e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua influência.” Tal concepção associa, inicialmente, a modernidade a um longo período de tempo: praticamente os últimos quatro séculos da história da humanidade; e também a uma localização geográfica de onde se irradiou: a Europa.

Para Rouanet (1993) numa certa etapa da história do Ocidente os processos de racionalização se aceleraram, se interpenetraram, reforçando-se mutuamente, e provocaram inovações em cadeia, destruindo as bases da sociedade tradicional. Tais processos foram muito influenciados de um lado, pela Reforma protestante, e de outro pelo fenômeno da Ilustração, do que derivaram dois princípios básicos que marcaram a modernidade: racionalização e secularização.

Em sintonia com o autor acima observamos, sinteticamente, que a Ilustração reforçou as transformações históricas que vinham se operando, desde o XVI e XVII, em direção à modernização; ao dar suporte e fundamentação teórica, filosófica e metodológica aos processos revolucionários que ocorreram no XVIII: a Revolução Francesa e a Revolução Industrial22.

Todavia, vale lembrar também que: “A modernidade não é [...] pura mudança, sucessão de acontecimentos; ela é difusão dos produtos da atividade racional, científica, tecnológica, administrativa. Por isso, ela implica a crescente diferenciação dos diversos setores da vida social: política, economia, vida familiar, religião, [...]” (TOURAINE, 1994, p. 17). Ou seja, ela produziu e consolidou modificações gerais em vários setores (geográfico, econômico, político, social, ideológico e cultural) e em diversos níveis, incluindo tanto os aspectos das relações macro entre os Estados, organizados sob um novo modelo, quanto na vida particular e prática dos cidadãos entre si.

A educação foi colocada em pauta entre as ações dos governos no sentido da escolarização – por meio de redes de escolas para todas as classes –, patrocinada e organizada pelos Estados, que detêm então o monopólio da força e dos saberes. Nesse ponto é oportuna a seguinte observação: “Mesmo quando outros valores parecem entrar em jogo, como a

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Para Manacorda (2004) a Revolução Industrial é decisiva para o processo de escolarização moderna. A industrialização mudou as condições e as exigências da formação humana, uma vez que para as massas expropriadas, no ambiente da fábrica, de nada lhes valia o saber artesanal antigo e, também, não possuíam nenhum saber sobre as técnicas modernas do mundo industrial. Com isso, o problema das relações instrução- trabalho ou da instrução técnico-profissional passará a ser o tema da educação moderna.

democracia ou a autonomia da razão, o que se esconde atrás deles é sempre um desempenho mais eficaz do sistema econômico, político ou cultural” (ROUANET, 1993, p. 121). Isto é, a organização da educação estatal, na maioria dos países do mundo ocidental, durante a modernidade, foi bandeira da construção de um Estado eficaz, eficiente, ou, em síntese, moderno.

Assim, de um lado, os processos de escolarização elementar e normal, iniciados no século XVIII, avançam e se concretizam no XIX, em grande parte dos países da Europa e da América (em especial nos EUA. Porém, neste contexto, o Brasil se marca por aspectos peculiares, cujo processo estendeu-se até as décadas iniciais do século XX). De outro lado, as famílias passam a delegar à escola de Estado a educação dos seus filhos. Nesse sentido, segundo Veiga (2002, p. 99): “A grande revolução do século XIX foi exatamente a substituição da pedagogização das relações sociais pela escolarização; mais que tornar gestos e ações previsíveis, foi preciso indicar o caminho da produção de previsibilidade, [...] para toda a sociedade”. Sob tal perspectiva,

A invenção da escola nesse tempo foi dotada dos instrumentos necessários para a pedagogização das relações sociais, instrumentos estes que estiveram em consonância com os processos de produção das novas configurações sociais: tempo, espaço, manuais, métodos, disciplinas escolares (VEIGA, 2002, p. 99).

Quanto ao conceito do termo escolarização, Desaulniers (1992, p. 98) afirma que é importante distinguir entre si os fenômenos educação e escolarização, pois o primeiro refere- se aos processos pelos quais a escola tende a socializar as gerações jovens e o segundo trata- se dos aspectos ligados à presença de alunos nas instituições escolares. Assim,

[...], a escolarização, além de designar ‘a freqüência à escola por uma parte da população’, possui outro aspecto ‘que se manifesta pela instituição escolar sob a forma dos alunos potenciais a recrutar e os alunos presentes a serem atendidos. Desse ponto de vista, a escolarização tem uma dimensão das atividades da instituição escolar’. [...]: mesmo que todos os seus determinantes não dependam da instituição escolar, a sua completa configuração e constituição só é possível através da instituição

(DESAULNIERS, 1992,p. 98).

Ao fazer uso do termo escolarização, além de referirmos ao “estabelecimento de processos e políticas concernentes a ‘organização’ de uma rede, ou redes, de instituições, pretensamente formais, responsáveis [...] pelo ensino [...]” (FARIA FILHO, 2007, p. 194), seja em nível elementar ou mais aprofundado, devemos considerar, em sintonia com

Desaulniers (1992), a existência concreta de instituições escolares em funcionamento que atendem a uma demanda de alunos frequentes, e que também devem estar organizadas para atender a uma demanda potencial – com todas as especificidades, implicações e necessidades inerentes a tal população e à comunidade escolar onde esta se insere. Em síntese: para uma compreensão relativa à configuração de um processo de escolarização é necessário, ou até mesmo mais produtivo, a realização de um estudo sobre instituições determinadas, concretas, bem como, das políticas que as estabeleceram.

A escolarização em nível elementar e a de formação de professores ocorreram no interior de um processo complementar e simultâneo, uma vez que as escolas normais foram configuradas, inicialmente, de acordo com a concepção: “[...] da escola normal como padrão e modelo, com o intuito de normalizar e regularizar todas as outras escolas” (ARAÚJO, 2011a, p. 01). Nesse sentido, entendemos que a escolarização secundária, de formação do docente primário, ou em outras palavras, a criação de redes de cursos normais, inicialmente em países europeus, deu-se sob viés democrático – no sentido de ampliar as clientelas, primária e secundária, a serem atendidas, mediante a demanda que passou a existir no século XIX – e objetivando, como sinal dos tempos modernos, certa eficiência e qualidade, dados por meio de um preparo profissional, uma vez que profissão

[...] é um termo que designa peculiarmente historicidade: não se ganha uma profissão, como se fosse um dom ou uma doação, mas prepara-se para ela; manifesta-se ela dinamicamente, o que implica também relações com a divisão social do trabalho, marcante, sobretudo desde o século XIX, quando se firmam a industrialização, a urbanização, a tecnificação; vinculada a tal dinâmica socioeconômica, a emergência do mundo das profissões promoveu a necessidade da aprendizagem para se tornar profissional; nessa direção é que se deve compreender a necessidade, bem como as políticas correspondentes à constituição da escolarização primária, secundária e superior, ainda que em continuidades diversas pelos diferentes países europeus, [...] (ARAÚJO, 2011a, p. 8).

Expostos esses conceitos introdutórios trataremos sobre a gênese dos cursos de formação docente no contexto da modernidade em dois países europeus: França e Alemanha. O primeiro por se constituir em modelo para o ensino brasileiro e o segundo pelo seu pioneirismo. Contudo, não se pode deixar de assinalar as influências recíprocas entre ambos e, conforme destacado na epígrafe, a institucionalização da formação de professores (ou profissionalização docente) e a estatização e popularização do ensino (ou seja, a ampliação da escolarização pública), constituíram-se em processos importantes para a construção da disciplina História da Educação.

1.2 Dos antecedentes (Séc. XVI) à consolidação dos cursos normais na Alemanha (ou