• Nenhum resultado encontrado

3.2. Argumentação pela razão: definição e categorias

3.2.3. O Modo de Organização Argumentativo

O Modo Argumentativo permite a construção de explicações sobre asserções a respeito do mundo a partir de uma razão demonstrativa e de uma razão persuasiva.

A razão demonstrativa busca estabelecer relações de causalidade diversas entre as asserções através de procedimentos que compreendem a “organização da lógica argumentativa” (CHARAUDEAU, 2008, p.207).

A razão persuasiva “se baseia num mecanismo que busca estabelecer a prova com a ajuda de argumentos que justifiquem as propostas a respeito do mundo, e as relações de causalidade que unem as asserções umas às outras” (ibid., p.207). Esse mecanismo ocorre através de “procedimentos de encenação discursiva”.

3.2.3.1. Organização da lógica argumentativa 3.2.3.1.1. Componentes da lógica argumentativa

A lógica argumentativa é composta por elementos de base, por modos de encadeamento, por modalidades e pelo escopo do valor de verdade. Vejamos alguns componentes separadamente.

3.2.3.1.1.1. Elementos de base da relação argumentativa

A relação argumentativa é composta de ao menos três elementos, a saber: uma asserção de partida (dado, premissa), uma (ou várias) asserção de passagem que permite passar de uma (A1) a outra (A2) e uma asserção de chegada (conclusão, resultado). a) A asserção de partida (A1) – constitui um enunciado sobre o mundo que faz admitir uma outra asserção.

b) A asserção de chegada (A2) – “representa o que deve ser aceito em decorrência da asserção de partida (A1) e em decorrência da relação que une uma à outra” (CHARAUDEAU, 2008, p.209). O teórico afirma que sempre há uma “relação de causalidade” porque A2 pode representar a causa ou consequência de A1.

c) A asserção de passagem – a passagem de A1 a A2 se dá através de uma asserção que justifica a relação de causalidade que une a asserção de partida e a asserção de chegada.

Essa asserção (também denominada prova, inferência ou argumento) representa um “universo de crença”, que deve ser compartilhado pelos interlocutores envolvidos na argumentação, de modo a estabelecer a “prova” da validade da relação que une A1 e A2.

3.2.3.1.1.2. Modos de encadeamento

Pode ocorrer de alguns tipos de relações lógicas se inscreverem diretamente numa relação argumentativa, tomando um valor de causalidade.

Vejamos então as articulações lógicas que podem se inscrever num modo de encadeamento geral de causalidade (CHARAUDEAU, 2008, p.211).

a) A conjunção – em “Parte de manhã bem cedo e não encontrarás engarrafamento na estrada”, a conjunção “e” expressa uma relação argumentativa, o que não ocorre na frase “João e Maria partiram de trem”, na qual o “e” tem um valor de adição.

b) A disjunção – acompanhada de uma negação expressa uma relação de causalidade: “Se você não terminar o dever, então não irá ao cinema esta noite”.

c) A restrição – esta operação expressa uma relação de causa e consequência, na qual a conclusão aguardada é substituída por uma asserção contrária: “Ele é inteligente [portanto poder-se-ia esperar que compreendesse], entretanto não compreende essas coisas”.

d) A oposição – opõe duas asserções: “Enquanto alguns pensam que somente a educação da população pode trazer uma resposta a este flagelo, outros proclamam que é necessário enfrentar a realidade”.

e) A causa – “essa operação se inscreve, evidentemente, numa relação de ‘causalidade explicativa’”.

f) A consequência – inscreve-se numa relação de “causalidade explicativa ou implicativa”. Pode ser representada por A1 portanto (logo) A2 ou Se A1, então A2. g) A finalidade – “essa operação se inscreve numa relação de ‘causalidade explicativa’”. Essa operação pode ser expressa por A1 para A2.

Vale ressaltar que a relação argumentativa de causalidade depende do conteúdo semântico das asserções, das relações de sentido estabelecidas entre elas e do tipo de vínculo que há entre A1 e A2.

3.2.3.1.2. Procedimentos da lógica argumentativa: modos de raciocínio

A partir da combinação entre os componentes da lógica argumentativa, os modos de raciocínio organizam a lógica argumentativa em relação ao que chamamos de razão demonstrativa. Eles se inscrevem numa determinada encenação argumentativa e se combinam com os componentes dela.

Charaudeau (2008, p.214) elenca os seguintes modos de raciocínio:

a) A dedução – “A1 e A2 estão numa relação de causalidade orientada da causa para a consequência”.

b) A explicação – A2 representa aqui a origem, o motivo, a razão. A relação de causalidade é orientada da consequência para a causa.

c) A associação – a relação de A1 e A2 é de contrário ou de identidade, podendo ser utilizado a Conjunção, a Causa ou a Consequência como modos de encadeamento. d) A escolha alternativa – “esse modo de raciocínio se inscreve num raciocínio dedutivo e explicativo”. Duas relações argumentativas são colocadas em oposição, dando a possibilidade de escolha ou evidenciando a incompatibilidade da união de ambas.

e) A concessão restritiva – esse modo também se inscreve num raciocínio dedutivo. Aceita-se A1 mas, ao mesmo tempo, retifica a relação argumentativa. Ele é observado em situações de troca polêmica.

3.2.3.2. A encenação argumentativa

3.2.3.2.1. Componentes da encenação argumentativa

A argumentação é construída a partir de uma razão demonstrativa (lógica argumentativa), apresentada acima, e de uma razão persuasiva (encenação argumentativa).

A razão persuasiva depende do sujeito que argumenta e também da situação na qual se encontra diante do destinatário, a quem está ligado por um contrato de comunicação.

Para uma asserção ser argumentativa, é necessário que ela se inscreva num dispositivo argumentativo, ou seja, num quadro de questionamento que possa gerar um ato de persuasão.

3.2.3.2.1.1. O dispositivo argumentativo

É composto por três quadros: proposta, proposição e persuasão, que podem se superpor na configuração discursiva de uma argumentação. Caracterizemos cada um deles.

a) Proposta – “uma ou mais asserções que dizem alguma coisa sobre os fenômenos do mundo (o que advém e o que é), através de uma relação argumentativa” (CHARAUDEAU, 2008, p.222). Também denominada Tese, “conclusão”, nos termos de Galinari (2007, p.223). Será essa denominação que utilizaremos em nossa análise. b) Proposição – surge de um quadro de questionamento que se baseia na possibilidade de pôr em causa a Proposta. Se o sujeito está em desacordo com a Proposta, então ele a põe em causa. Mas se ele não é nem a favor nem contra a Proposta, coloca-a em questão, não podendo engajar-se quanto à sua veracidade.

c) Persuasão – evidencia um quadro de raciocínio persuasivo, o qual desenvolve uma das opções do quadro de questionamento: refutação, justificativa, ponderação.

3.2.3.2.2. Procedimentos da encenação argumentativa

O sujeito argumentante se vale de procedimentos, os quais servem a seu propósito de comunicação em função da situação e da sua percepção em relação a seu interlocutor. Tem-se então a encenação argumentativa.

Para atingir seu objetivo de persuasão, o sujeito argumentador se vale de procedimentos semânticos e discursivos, os quais, principalmente, têm o papel de validar uma argumentação.

3.2.3.2.2.1. Procedimentos discursivos

Os procedimentos discursivos consistem no uso de certas categorias da língua ou de outros procedimentos dos demais modos de organização para produzir efeitos de persuasão. Dentre estes procedimentos discursivos, Charaudeau (2008) cita a “definição”, a “comparação”, a “descrição narrativa”, a “citação”, a “acumulação” e o “questionamento”.

a) Definição – segundo Charaudeau, a definição pertence à categoria de Qualificação e ao Modo Descritivo. Ela descreve os traços semânticos que caracterizam uma palavra em um certo contexto.

Na argumentação, a definição é utilizada com fins estratégicos. Ela produz um “efeito de evidência” e de “saber” do sujeito argumentador, mesmo quando não é uma

definição verdadeira, quando apenas aparenta. Aquele autor cita dois tipos de definição, são eles: “definição de um ser” e “definição de um comportamento”.

b) Comparação – na argumentação, a comparação é utilizada para reforçar a prova de uma conclusão ou de um julgamento, produzindo um “efeito pedagógico” (a comparação ajuda na compreensão) quando ela é objetiva ou um “efeito de ilusão” (desvia a atenção do interlocutor através de uma analogia que encobre a semelhança impedindo-o de verificar a validade da prova) quando a comparação é subjetiva.

c) Descrição narrativa – a descrição narrativa descreve um feito ou conta uma história para reforçar uma prova. Segundo Charaudeau, este procedimento pode desenvolver um raciocínio por analogia produzindo um “efeito de exemplificação”.

d) Citação – a citação se inclui no discurso reportado. Ela consiste em relatar, fielmente, proposições de um outro locutor, o que produz – na argumentação – um “efeito de autenticidade”. A citação testemunha um dizer, uma experiência, um saber.

e) Acumulação – neste procedimento, surgem vários argumentos para uma mesma prova.

f) Questionamento – este procedimento consiste em colocar em questão uma proposição, cuja realização depende da resposta (real ou suposta) do interlocutor. Ele tem um valor argumentativo de validação hipotética.

Documentos relacionados