• Nenhum resultado encontrado

8.2. A declaração da inconstitucionalidade da definitividade da base de cálculo

8.2.2. Modulação de efeitos: atribuição de efeito prospectivo mínimo:

O plenário da Suprema Corte modulou os efeitos para que obrigassem os órgãos do poder judiciário e as administrações a partir da data de publicação da tese, alcançando, todavia, as ações judiciais já propostas.

Por se tratar de superação de precedente solidificado, deveria incidir no caso o prospective overuling, de modo que o julgado somente deveria lançar efeitos para data fixada no futuro e, pela prudência, nem mesmo alcançando o caso concreto analisado, para que fosse garantida a segurança das relações jurídicas realizadas sob a égide da orientação pretérita da Corte.

A ideia de Justiça é elemento fundador de um Estado de Direito, que somente se mantém em pé se houver segurança jurídica, que se estrutura na irretroatividade das normas, na boa-fé objetiva e na proteção da confiança.

DERZI em seu magistério, ensina que a decisão judicial equivale a norma judicial, pois nada mais seria que a concretização da abstração contida na lei. A norma judicial, nesse sentido, complementa e aperfeiçoa a norma jurídica, assim “se, supervenientemente, o Poder Judiciário altera o seu entendimento e muda a sua decisão, escolhendo uma outra solução (antes possível, em razão do leque de significados da cadeia de signos), cria nova norma, específica e determinada. Tal norma nova equivale a uma nova lei, pois a lei anterior, ainda vigente no sentido formal, tinha sido dotada de um só conteúdo, unívoco, pois sofrera o esvaziamento dos demais sentidos alternativos, por decisão do próprio Poder Judiciário”140.

O próprio Ministro BARROSO entende que “uma nova interpretação tende a produzir efeitos práticos semelhantes aos que decorrem da edição de lei nova. Vale dizer: embora não haja uma alteração formal do Direito vigente, verifica-se uma alteração substancial, que como regra, deve valer apenas para frente”141.

140 DERZI, Misabel Abreu Machado, Modificações da Jurisprudência no Direito Tributário, 1ª ed. São Paulo: Noeses, 2009, p. 586.

141 BARROSO, Luis Roberto, O controle de Constitucionalidade no Direito brasileiro, 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 67.

104

Como é princípio basilar do Estado de Direito que lei nova não retroage no tempo, conclui DERZI que “retroação das sentenças se apresenta, então de forma aguda, nas hipóteses de reversão de jurisprudência”142 e que “o momento da vigência da jurisprudência

inovadora, que altera jurisprudência anterior, deverá ser o marco decisivo. Todos aqueles atos-fatos pretéritos (porque ocorridos antes do início da vigência da nova jurisprudência), sob a vigência do precedente superado, deverão ser protegidos. Resulta daí que nem os fatos, propriamente ditos, nem os efeitos que deles decorrem poderão ser atingidos pela mudança de orientação, pela jurisprudência inovadora. A modulação dos efeitos da decisão nova deveria ser a regra, tal a força do princípio da irretroatividade entre nós”143.

A doutrina norte-americana desenvolveu a ideia sob a denominação de overruling, que se dá nos casos de superação de precedente anteriormente firmado por um outro precedente que anula totalmente a ratio decidendi pretérita, pugnando, por isso, pela necessidade de efeitos prospectivos ao novo entendimento.

Assim, para GONÇALVES e ASSIS, “o que justifica o prospective overruling, em essência, é a necessidade de resguardar as legítimas expectativas e a confiança justificada, tutelando as mais diversas condutas, atos e negócios jurídicos travados de boa-fé pelos cidadãos e empresas em conformidade com aquilo que era tido como o direito constitucional e federal ordinário posto pelo Estado, isto é, segundo proclamado pelo órgão constitucionalmente competente para dar a última palavra sobre verdadeiro sentido e alcance da Constituição e das leis federais” , dado que sua não utilização poderia “violar de morte os princípios da segurança jurídica e alguns de seus consectários, como a confiança justificada e a boa-fé objetiva. Súbita e inesperadamente, condutas e negócios jurídicos tidos como lícitos, porque pautados na orientação então em vigor, podem ser convolados em comportamentos ou atos ilegais, com todas as deletérias consequências nas esferas cível, administrativa e penal daí advindas”144.

A modulação temporal pro futuro não é cabível apenas nas decisões proferidas em controle concentrado pela via direta. Os mesmos autores chegam a afirmar que é “o controle incidental, no qual se realizada a análise da compatibilidade da lei com a Constituição à luz do caso concreto, o campo por excelência para o emprego da técnica da modulação dos

142 DERZI. Ibid. p. 586. 143 DERZI. Ibid. p. 552/553.

144 GONÇALVES, Gláucio Maciel, ASSIS, Guilherme Bacelar Patrício, O prospective overruling nas Supremas Cortes brasileiras: a possibilidade de modulação temporal dos efeitos das decisões revogadoras de recedentes consolidados à luz da dogmática jurídica moderna e do novo Código de Processo Civil – CPC/2015. São Paulo: Revista dos Tribunais. Revista de Processo. v. 41. nº 258, agosto/2016. p. 3.

105

efeitos temporais da decisão” e que “o STF tem aplicado o prospective overruling em determinados casos de mutações constitucionais, que não envolvem, necessariamente, a fiscalização da constitucionalidade de atos normativos infraconstitucionais, mas sim mudanças de interpretação de dispositivos constitucionais. É justamente nestes casos, referentes a autênticas modificações da compreensão normativa do texto constitucional, que é possível vislumbrar a ocorrência de típica hipótese de revogação de precedente judicial, sendo adequado, portanto, falar em modulação temporal dos efeitos de decisões que promovem o overruling”145.

Diante disso, DERZI é categórica ao sentenciar que “em face da existência e da vigência de um precedente consolidado, os fatos pretéritos já ocorridos inteiramente no passado e os seus respectivos efeitos, já desencadeados ou ainda por desencadear, independentemente de seu exercício, devem ser protegidos contra o advento das normas judiciais novas, modificativas”146.

Mesmo não havendo overruling, o STF, em sede controle difuso de constitucionalidade, quando do julgamento do RE nº 197.917 (leading case do município de Mira Estrela) modulou os efeitos da decisão de inconstitucionalidade somente para a legislatura superveniente à data da decisão, vale dizer, efeitos pro futuro da decisão.

No presente caso, ocorrendo propriamente um overruling, para que fosse garantida a segurança jurídica, com sua tridimensionalidade representada pela irretroatividade das normas, boa-fé objetiva e proteção da confiança, os efeitos modificativos do precedente deveriam se projetar somente para uma data futura a ser estipulada pela Corte Suprema, garantindo lapso temporal suficiente para que as Administrações Fazendárias estaduais se adaptassem ao novo paradigma, não alcançando os atos-fatos realizados sob o precedente anterior e nem seus efeitos percebidos (recolhimento de imposto a maior) ou esperados (restituição do indébito) e, portanto, não sendo aplicável também aos casos já apresentados ao Poder Judiciário e nem ao próprio caso concreto de onde se originou o novo precedente.

145 GONÇALVES et. al. Ibid. p.5 146 DERZI. Ibid. p.553

106